Obra gráfica de João Abel Manta volta ser mostrada em Lisboa
A exposição, que é inaugurada no sábado, serve para celebrar os 90 anos de João Abel Manta e, ao mesmo tempo, os 40 anos da publicação do livro Caricaturas Portuguesas dos Anos de Salazar, considerado uma obra de referência do autor e das artes gráficas portuguesas do século XX.
Teresa Neto, curadora executiva da exposição, explicou à agência Lusa que Manta - 90/40 pretende cumprir "a missão" de mostrar a obra gráfica de João Abel Manta, tão poucas vezes exposta, em particular após a retrospetiva que lhe foi dedicada nos anos 1990 pelo Museu Bordalo Pinheiro, de Lisboa.
Na Galeria Valbom estarão expostas 164 obras, sobretudo desenho a tinta-da-china e guache, reunidas em vários núcleos, o maior dos quais com as caricaturas daquele livro de 1978, e que revelam uma leitura crítica de João Abel Manta sobre a História e a sociedade durante o Estado Novo.
Haverá ainda seis núcleos com obras de outras séries e cartoons que ajudam "a situar e a compreender a vasta obra de João Abel Manta", como se lê no livro-catálogo que sairá por ocasião da mostra.
A exposição terá, por exemplo, os quatro desenhos "Desabafos", de 1972, destinados ao Diário de LIsboa e nunca publicados por causa da censura. Neles "é notória uma crítica impaciente e implacável de Manta à mansidão (ou o seu grotesco oposto) do português", afirma Teresa Neto no livro.
Na Galeria Valbom estará também a obra "Festival", publicada em 1970 no Diário de Lisboa, e que levou João Abel Manta ao banco dos tribunais "sob o argumento de desrespeito à bandeira nacional". Acabou por ser absolvido.
Muita da obra reunida versa sobretudo sobre António de Oliveira Salazar e as várias representações da repressão, da ditatura, da censura.
"Procurou-se criar um conjunto expositivo orientado sobre o eixo que é transparente nesses desenhos de há quatro décadas: a reavaliação dos mitos do Estado Novo e da longa governação de Salazar, e, refratados e amplificados por aquele, dos mitos pátrios de uma suposta grandeza nacional, que o regime deposto em 1974 usou para se justificar histórica e teleologicamente", lê-se na introdução do catálogo.
A exposição ficará patente até 10 de novembro. Haverá uma visita guiada por Pedro Piedade Marques, estudioso da obra de João Abel Manta, no dia 13 de outubro.
O livro-catálogo, que será lançado no sábado, na abertura da exposição, reúne uma biografia curta de João Abel Manta, reproduções de caricaturas e desenhos, uma bibliografia "mantiana" e textos de nomes como José Carlos de Vasconcelos, José Luís Carneiro de Moura e Pedro Piedade Marques.
Filho dos pintores Abel Manta e Maria Clementina de Moura Manta, João Abel Manta nasceu em Lisboa e "teve a sua biografia pessoal e profissional inevitavelmente moldada por essa circunstância política" de ter nascido em 1928, dois anos depois da instauração da Ditadura Militar.
Formou-se em Arquitetura e, em 1948, por ter participado numa exposição da Sociedade Nacional de Belas Artes, esteve duas semanas preso em Caxias. A ficha prisional do artista também faz parte da exposição em Lisboa.
A par da arquitetura e das exposições regulares de pintura, João Abel Manta entrou, na década de 1950, na ilustração e no cartoon, em particular no Diário de Lisboa e, depois da revolução de Abril de 1974, no Diário de Notícias e no semanário O Jornal.
Apesar de ter sido um dos mais criativos e mordazes cartoonistas portugueses, João Abel Manta derivou da arte gráfica para a pintura até à atualidade.
Foi várias vezes distinguido ao longo da carreira, nomeadamente com o Prémio de Desenho na II Exposição de Artes Plásticas da Fundação Calouste Gulbenkian (1961), com a Medalha de Prata na Exposição Internacional de Artes Gráficas (Leipzig, 1965) e o Prémio de Ilustração na Exposição de Artes Gráficas de Leipzig (1975).