O último filme de Robert Redford pode não ser o último. Entrevista ao realizador

Cineasta coqueluche do novo cinema americano de autor, David Lowery, tem em <em>O Cavalheiro com Arma</em> a sua confirmação. O DN entrevistou-o em Zurique. O filme chega aos nossos ecrãs esta quinta-feira.
Publicado a
Atualizado a

Com Amor fora da Lei (2013) e História de um Fantasma (2017) ganhou estatuto de autor, mas pelo meio fez cinema infanto-juvenil aclamado, A Lenda do Dragão (2016). Em O Cavalheiro com Arma, assina o seu filme mais abrangente, baseado numa notícia de jornal descoberta por Robert Redford, que interpreta um verdadeiro assaltante de bancos que passou a sua vida a fugir da prisão e a voltar à vocação dos assaltos. Um simpático ladrão que neste argumento tem um confronto invisível com um detetive pacato interpretado por Casey Affleck.

Em Toronto, The Old Man and The Gun tornou-se num clássico instantâneo e valeu a Robert Redford alguns dos maiores elogios numa longa carreira e, agora, uma nomeação para os Golden Globes. Um Redford em modo de canto de cisne, ele que já anunciou que esta seria a sua despedida em cinema como ator, mas que depois de tanta aclamação, já pondera regressar de novo. Mas se esta for mesmo a despedida, é uma despedida em grande estilo num papel que é iconografia pura com um valente piscar de olho com a seu próprio rasto em Hollywood: as cenas da personagem em mais novo são tiradas de grandes momentos de filmes antigos onde era protagonista. Nostalgia muito doce. E, como David Lowery diz aqui, era bom a Academia dar-lhe uma nomeação ao Óscar, coisa no entanto nada garantida com engarrafamento de John David Washington, Viggo Mortensen, Christian Bale, Willem Dafoe, Bradley Cooper e Rami Malek.

Por onde quer que passe no circuito dos festivais este filme tornou-se num "agrada-multidões". Tem consciência de que O Cavalheiro com Arma é um caso de empatia forte com as plateias, não tem?

A minha esperança era mesmo fazer um "agrada-multidões". Neste circuito de festivais estava tão aterrorizado que nunca ficava na sala a acompanhar as sessões, mas já sei que nos créditos finais as pessoas aplaudem loucamente! Não queria mesmo estar numa sala silenciosa e perceber que o filme não estava a resultar.

Havia também a pressão deste ser supostamente o último filme de Robert Redford.

Ele disse-me talvez fosse o seu último filme antes mas durante a rodagem nunca mais pensei nisso. Aí sim a pressão seria muita e teríamos mudado a forma como filmámos tudo, como que tentaríamos que tudo fosse mais especial e derradeiro. Depois, voltei de alguma forma a lembrar-me disso quando o Robert começou a dar as primeiras entrevistas de promoção. Por um lado, compreendo se ele se reformar - ser a estrela de um filme é algo muito complicado, não importa em que idade. Ele está nisto há mais de sessenta anos e já não tem paciência para ficar à espera que um "set" seja iluminado...No cinema há muito tempo de espera e o Robert tem coisas mais importantes para fazer. Por outro lado, acho que ele ainda adora ser a estrela.

Ultimamente, diz-se que está tão feliz com o resultado deste filme que já põe em causa esse suposto abandono...

Seria o máximo ele regressar! O que o Robert disse agora é que não estava à espera que as pessoas dessem tanta importância ao anúncio. Enfim, só ele mesmo para julgar que o seu anúncio de desistir da representação não iria colocar as pessoas a falar! Acredita que todo esse falatório afasta a conversa em torno do filme... Depois da aclamação em Toronto, está a perceber o imenso amor que as pessoas têm por este filme. Talvez seja isso que possa vir a aceitar voltar a representar mais uma vez.

A Fox, nos EUA, está a encetar uma campanha para ele ser nomeado aos Óscares...

E ele merece! Adorava vê-lo a vencer o Óscar, nem que seja para compensar tudo o que nunca ganhou.

Acha que foi roubado pela Academia?

Por completo!

Outra das lendas deste elenco é Tom Waits. Será que este músico-ator pode ser intimidante?

O espantoso nestes atores todos é que estavam completamente disponíveis para serem dirigidos. Não haviam egos neste plateau! O Tom foi o profissional mais rigoroso que encontrei na minha vida, chegava cedo e punha-se à parte a ensaiar as suas deixas. Ali estava um tipo que passou tanto tempo da sua vida em palco e que pensamos que não precisa de se preparar, mas precisa. O Tom foi de um rigor incrível e com uma disponibilidade imensa. Fiquei tocado pela maneira como queria ser dirigido por mim. No começo dizia-lhe para fazer como muito bem entendia, mas depois percebi que queria que eu o ajudasse a encontrar a personagem, não só através do guião, mas também fisicamente, nomeadamente através do guarda-roupa, penteado e tatoos. Criámos tudo isso em conjunto! Mesmo sendo uma personagem secundária, o Tom deu tudo o que tinha. Estamos a falar de um ícone! Passei toda a minha vida a idolatrar o grande Tom Waits! Para mim, foi um luxo trabalhar com ele. A nossa relação só foi possível na medida que depositou grande confiança em mim.

Cada vez mais, o David estabelece-se como um dos mais importantes realizadores de uma nova geração em Hollywood. O que aprendeu sobre liderança, sobretudo depois deste filme?

Tento não pensar muito nisso, mas sei no meu subconsciente que tenho de liderar muita gente. O meu processo de realização é muito inclusivo e aberto à colaboração de todos. Quero que os meus plateaux pareçam reuniões de família. É por isso que trabalho sempre com a mesma equipa... Todos sabem que comigo vão ter uma experiência positiva. Mas, respondendo mesmo à pergunta, claro que estou a liderar melhor. Uma pessoa aprende de filme para filme.

Vai fazer mais uma versão para Peter Pan...

Sim, será para a Disney, mas não estou com pressa nenhuma. Antes ainda vou tentar realizar um projeto mais pequeno. Peter Pan para mim será um desafio, estou muito excitado e nunca poderia recusar, embora o convite já tenha dois anos - depois disso já fiz dois filmes! É um processo muito longo. Há duas noites acabei mais uma versão do argumento, creio que está a ficar bom...

Já todos perceberam que existe o David Lowery para o grande público, que faz filmes como A Lenda do Dragão [2016] e projetos "indie" como História de um Fantasma [chegou em 2018 ao circuito de Home Cinema em Portugal - lamentavelmente não teve direito a estreia nas salas...]. Sente que tem uma necessidade de se dividir?

Sim, até podia sentir isso, mas todos os meus filmes têm um lugar igual no meu coração. A Lenda do Dragão é tão meu como Uma História de um Fantasma. Sinto inclusive que são obras parecidas. O A Lenda do Dragão, História de um Fantasma e o St. Nick, que ninguém viu, são os meus preferidos, estão muito próximos da minha essência. Entre eles há uma coincidência: foram todos muito baratos e isso indica que é importante trabalhar numa pequena escala. Para mim, não é assim tão importante o orçamento ou a lógica do filme. Importante é eu poder colocar algo de mim no resultado final.

Diz isso e ficamos a pensar porque raio um filme de Hollywood tem de custar tanto... O História de um Fantasma custou 200 mil dólares e é bem mais barato que alguns filmes portugueses...

Um filme com muito dinheiro custa tanto a ser feito como um que tenha um baixo orçamento. Dá sempre muito trabalho fazer um filme. Mesmo quando tive orçamentos maiores, ficava sempre frustrado com a falta de tempo. Mas é claro que em História de um Fantasma tive menos tempo e a equipa que veio do A Lenda do Dragão não recebeu tanto.

E o que se passa em Hollywood é que cada vez mais os realizadores não têm o luxo de filmar com aquilo que se denomina de orçamento mediano...Agora é tudo ou nada.

Tive sorte de conseguir isso para O Cavalheiro com Arma porque tinha o Robert Redford. O meu próximo filme também precisa de um orçamento mediano, mas é complexo justificar aos investidores as minhas razões, sobretudo para anteverem como podem ter lucro. Esse tipo de cinema tem de ser financeiramente solúvel.

Por fim, já que falamos de Robert Redford, há algum herdeiro dele em Hollywood? Brad Pitt?

O Brad Pitt poderia ser, mas tem 54 anos e só agora está naquele patamar que o Redford chegou quando tinha 30... Infelizmente, o Brad não quer representar muito. As estrelas de cinema hoje demoram tempo a ficar homens e mulheres, ficam demasiado tempo na adolescência. Na grande época das estrelas de cinema, um ator tinha de ser homem de uma determinada maneira. Agora, querem que as estrelas de cinema sejam mais sensíveis, abertas e conscientes da sua beleza. Em Hollywood, já não se preza aquele bom aspeto do ator com rugas...A nossa cultura prefere um outro tipo de beleza, uma beleza já não tão masculina. A beleza masculina mudou em Hollywood. Agora, talvez só o Brad Pitt e também o George Clooney se aproximem do estilo de Redford. Mas esses tipos só depois dos cinquenta é que ganharam essa dureza masculina.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt