O TODOS põe Lisboa a mexer, para não perdermos o equilíbrio
Imagine o som de 50 guitarras elétricas tocadas por 50 músicos que formam um círculo no jardim do Campo de Santana, Lisboa, aos pés da estátua do Dr. Sousa Martins. No meio há um grupo de pessoas sentadas com uma venda branca nos olhos. As pessoas nas varandas em volta saem para espreitar. E, por fim, ela aparece por cima das nossas cabeças.
Tatiana-Mosio Bongonga caminha sobre um arame com 19 milímetros de diâmetro e 40 metros de comprimento. Imperturbável pelas guitarras que o músico Pedro Salvador vai dirigindo energicamente no centro do círculo, a funâmbula francesa caminha em direção ao telhado da Faculdade de Medicina. Quando lá chegar, estará a 20 metros do chão. Sejam bem-vindos ao Festival TODOS - Caminhada de Culturas.
Era só um ensaio geral. O espetáculo aconteceria ontem, penúltimo dia do Festival que começou na quinta-feira e, pelo oitavo ano, põe uma zona de Lisboa a mexer, e os lisboetas e visitantes a mexerem-se nela. É o segundo ano consecutivo na Colina de Santana. Ali, o TODOS põe refugiados de todo o mundo a cozinharem pratos do seu país nas Cozinhas Paraíso, organiza visitas guiadas pelo património, ou leva música ao jardim do Torel como à capela do Hospital dos Capuchos.
Na sexta-feira, dia do ensaio geral do espetáculo de funambulismo, uma das cerca de 80 voluntárias do festival perguntava: "Não querem assistir ao espetáculo de dança Gentileza de Um Gigante? É agora na Academia Militar."
A roda formada por 50 guitarristas era tão diversificada quanto se possa imaginar: de um miúdo de chinelos a um homem de meia-idade vestido de ganga da cabeça aos pés ou a um jovem hipster. Todos eles responderam à convocatória do festival. Gustavo, o tal miúdo de chinelos, tem 12 anos diz que conseguiu olhar para cima enquanto tocava para ver Tatiana passar. Pedro Salvador, que dirigiu as guitarras, conta que todos foram aceites e naquele grupo onde há pessoas que "já não tocavam há muito tempo, e a quem voltou a despertar o interesse ao verem o anúncio". Os ensaios começaram em julho, mas aquela era a primeira vez que se juntavam à funâmbula da companhia francesa Basinga.
Encontrámo-la na manhã seguinte, ontem, antes do ateliê de funambulismo que daria - e que hoje repetirá às 11.00 e às 17.00. Conta que começou a aprender funambulismo aos oito anos. Equilibrar-se naquele arame, diz, "é reaprender a andar". Só isso. Medo nunca teve, e quanto a pôr a vida em risco (embora haja, como explica, sempre uma "saída de emergência"), responde: "Eu não o vejo assim. Também arrisco a vida de cada vez que saio de casa." O maior percurso que fez tinha 150 metros.
No ateliê, explicava às crianças e adultos presentes: "Esquecemo-nos que estamos sempre à procura do equilíbrio, que é o movimento. Quando se passa para o arame temos tendência a ficar hirtos, mas temos de nos mexer." Ainda no solo, apoiados só num pé, os participantes começavam a pôr a língua de fora, à procura de equilíbrio. Pouco depois, Tatiana dizia a Pedro, que levou a filha Mafalda: "Esqueça que é forte, imagine que é um pássaro." Era a primeira vez que caminhavam sobre um arame.
A assistir está Giacomo Scalisi, que com Madalena Victorino e Miguel Abreu faz a programação do TODOS. Financiado pela Câmara Municipal de Lisboa, o festival tem um custo de 250 mil euros. Há cerca de 35 trabalhadores e 80 voluntários, afirma.
Um deles é Sérgio, que ali está pela segunda vez. "Eu antes estava numa associação em São Bento [na rua de São Bento, onde o festival já decorreu], que era tipo uma pensão, e a própria assistência social é que me falou disto. Faço um bocado de tudo: alimentação, limpeza, higiene... Quando me chamam eu vou lá para saber o que é." Este ano já assistiu às Cozinhas Paraíso. "E está bem feito, sim senhor", atesta.