O sociólogo Augusto tem razão, o político Santos Silva errou

Ao académico Augusto Santos Silva aquele discurso (todo) encaixaria como uma luva e seria mesmo de aplaudir, o político cometeu um erro grave.
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Poucas coisas são mais importantes em política do que o uso da palavra. Sendo Augusto Santos Silva um político competente, muito qualificado e muito experimentado, não tenho dúvidas de que a frase que animou as festas natalícias não foi um lapso causado por um qualquer entusiasmo momentâneo, ele quis mesmo dizer que a qualidade da gestão em Portugal é fraquíssima. O pedido de desculpas que mais tarde fez não foi bem um pedido de desculpas, foi mais uma coisa do género "eu não queria dizer que aquele burro é burro".

Pode discutir-se se o ministro fez uma espécie de regresso ao seu passado de comentador - essa originalidade portuguesa de ter políticos profissionais a fingir que são espectadores imparciais com tempo de antena, muitas vezes sem contraditório. Mas não foi nada disso. Em primeiro lugar porque um ministro em funções, ainda para mais em eventos públicos, afirma, não comenta. Depois, porque basta ler os relatos para saber que a frase se enquadra na perfeição no resto da sua alocução.

Devia um ministro pôr uma inteira classe contra o governo? É avisado fazer à segunda-feira uma afirmação destas e à terça negociar com os representantes dos "fraquíssimos gestores"? Será o melhor incentivo à melhoria da qualidade de um setor para os quais o governo tenta colocar metas muito ambiciosas (50% do PIB em exportações) fazer este tipo de discursos ? Não me parece, muito longe disso.

Como estou convencido das boas intenções do ministro, se a vontade é querer melhor qualidade de gestão - não pode haver outra -, a afirmação é infeliz porque apenas cria ruído, conflito e não procura soluções. Ao académico Augusto Santos Silva aquele discurso (todo) encaixaria como uma luva e seria mesmo de aplaudir, o político cometeu um erro grave.

Agora esqueçamos o ministro Santos Silva e atentemos no cientista Augusto. A qualidade de gestão das nossas empresas é satisfatória? Razoável? Boa? Não, é má, mesmo muito má. A descapitalização das nossas empresas é um mal endémico - como também lembrou ? Sem dúvida.

Não são os vários exemplos de gestores de sucesso a nível internacional, as inúmeras extraordinárias empresas que temos e que não só foram responsáveis por um aumento de exportações que ajudaram, e de que maneira, a sairmos desta crise, como já tinham ajudado noutras ocasiões, os casos de excelência de outras empresas que apenas operam a nível nacional que permitem negar a evidência: em termos globais, a qualidade da nossa gestão é baixíssima mesmo.

Não há estudos nacionais e internacionais que não o afirmem, são muitos e de várias origens. Basta, no entanto, ter o mínimo conhecimento do nosso tecido empresarial para se poder afirmar isso sem qualquer receio.

A baixíssima, e também endémica, produtividade da nossa economia é uma prova flagrante. Aliás, um dos constantes argumentos das nossas associações patronais para os baixos salários é a reduzida produtividade.

Não curiosamente os nossos trabalhadores são elogiadíssimos noutras economias, a maioria esmagadora delas também com cargas fiscais enormes sobre as empresas. Aliás, a procura de profissionais portugueses por esse mundo fora, nos vários setores de atividade, é uma realidade que orgulha o nosso sistema de ensino e não só.

Mas nem era preciso trazer esses factos.

Temos empresas estrangeiras em Portugal que são exemplo de produtividade (a Autoeuropa é só um dos casos), que são mesmo apontadas como as melhores face às suas congéneres noutros países. Ou seja, o problema não é nem dos trabalhadores nem do Estado, é mesmo de gestão.

As nossas empresas investem muito pouco em formação dos trabalhadores e da gestão, em melhorar a qualificação dos seus trabalhadores, em conhecimento, em inovação, em criatividade e, sobretudo, em organização e métodos - as carências nestas áreas são antigas e com melhorias muito lentas. No fundo, refletem os nossos empresários que, ao contrário das economias desenvolvidas, têm piores qualificações do que os profissionais que contratam. Também, mas não só, se deve a isto a pouca aposta em técnicas modernas e novas tecnologias. Mas, claro, os problemas da produtividade é dos trabalhadores e do malfadado Estado.

Um ponto curioso é que as críticas que são tantas vezes dirigidas - justamente, diga-se - ao funcionamento do Estado são replicadas, e mesmo amplificadas, pelos empresários e empresas privadas. As cunhas, o nepotismo, a troca de favores nas empresas privadas, são o pão nosso de cada dia.

Pois claro, isso é lá com os empresários. Será, mas isso tem um reflexo brutal na economia em geral. Um mau trabalhador não prejudica só a sua empresa, bloqueia a entrada de um melhor, fomenta a incompetência, gera desmotivação e isso tem custos globais a todos os níveis.

Culpar os empresários por todos os males do funcionamento das nossas empresas é muito parecido com o discurso dos nossos empresários quando atiram todas as responsabilidades para cima do Estado. Aliás, os defeitos das empresas e do Estado, em Portugal, são muito parecidos. O Estado Novo, por exemplo, utilizava-as largamente para obter controlo político e, apesar de a situação estar longe de ser a mesma, continua a haver essa pulsão. Por outro lado, os empresários também se habituaram a olhar para o Estado como uma espécie de sócio que tem de trazer negócio.

Seja como for, o sociólogo Augusto Santos Silva tem razão.

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