"O rock and roll é o melhor escape para o Natal"

Foi em 2001 que Paulo Furtado desceu pela primeira vez à capital, qual um Messias do rock and roll, através do seu alter-ego musical The Legendary Tigerman, para dar início aos concertos<em> Fuck Christmas, I Got the Blues</em>.
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Um dia destes cumprem-se duas décadas de concertos de Natal do músico The Legendary Tigerman. Tudo começou em 2001, quando Paulo Furtado veio à capital para os concertos Fuck Christmas, I Got the Blues. A partir daí haveriam de transformar a Galeria ZDB, no Bairro Alto, numa espécie de missa do galo alternativa. Já antes, nos anos 90, quando fazia parte dos Tédio Boys, Paulo tinha o hábito de dar um concerto natalício em Coimbra, que repetiu no Porto, em 1999, numa das primeiras aparições públicas como Tigerman. Em Lisboa, a primeira tentativa não correu assim bem, com uma sala pouco mais que vazia. À segunda encheu e o que começou por ser um assumido manifesto anti-natal, como o nome do espetáculo indicava, acabou por se tornar, também, numa tradição da quadra para muita gente.

Passados todos estes anos desde o primeiro concerto, ainda quer que se lixe o natal?

Se eu fosse um tipo mais inteligente, se calhar mantinha esse mesmo discurso e até o extremava mais um bocado. No início tratou-se apenas de um sentimento, que de certa forma ainda tenho e já afetou toda a gente, nalgum Natal. São demasiadas as expetativas que se criam nesta quadra, especialmente ao nível familiar. E em certos momentos da minha vida, houve natais que não corresponderam a essas minhas expetativas.

Foi por isso que nasceram os concertos?

Sim, porque nasceram como uma alternativa a algo que na altura não me satisfazia assim tanto. O mais curioso foi perceber que havia mais pessoas como eu ou que se calhar apenas não tinham com quem estar nessa noite. Não deve haver coisa mais deprimente do que estar sozinho naquele dia, em que toda a gente está com alguém. Era isso que estes concertos pretendiam ser, uma alternativa saudável e fixe à possibilidade de passar sozinho e deprimido o dia 25 (risos).

Nada contra o Natal, portanto?

Claro que não, muito pelo contrário. Se todos tiverem um feliz Natal eu fico muito feliz. Mas a verdade é que, com o passar do tempo, estes concertos tornaram-se para muita gente também já uma tradição natalícia.

Mesmo tendo começado como um manifesto anti-natal...

Exatamente e de certa forma ainda o são, porque continuam a haver muitas facetas deste Natal que eu não gosto: o excesso de consumismo, a histeria das compras, o stresse e um total egocentrismo, que é totalmente contrário à mensagem de paz e solidariedade que deveria fazer parte desta festa.

E o rock and roll é boa resposta para isso?

Acho que o rock and roll é o melhor escape possível, porque é uma espécie de violência pacífica e controlada.

Entretanto já houve anos em que não houve concertos...

Aconteceu no ano passado, mas apenas devido a um desentendimento logístico, não foi nada de pessoal, esclareça-se, até porque durante estes anos todos só por outras duas vezes é que não toquei no Natal, mas como em 2016 houve cinco concertos e este ano são dois, a coisa está mais ou menos compensada. É engraçado, porque se tornou mesmo numa tradição para muita gente. Há vários grupos de amigos que vão jantar antes e depois vêm ao concerto. Esta sala é pequena e não tenho necessidade de ter cá todos os meus técnicos a trabalhar, mas, por norma, juntamo-nos todos para jantar e vêm todos ao concerto. É também um modo de celebrarmos tudo o que fizemos ao longo do ano. Estes espetáculos são sempre muito influenciados pelo que fiz em cada ano e por isso funcionam também como um momento de balanço, que de certa forma me ajuda a projetar o futuro.

E este, como é que vai ser?

A grande novidade é que vou regressar ao meu formato inicial de one-man band. Comecei a semana passada ensaiar e lembrei-me de imediato porque é que acabei com isso, que coisa horrível (risos). Não atuava assim já há muito tempo e pensei que era engraçado voltar a fazê-lo, nem que fosse só uma vez ao ano. E provavelmente, daqui para frente, este concerto de Natal passará a ser sempre neste formato, se sobreviver a este concerto.

E nem sequer vai ter os habituais convidados, este ano?

Ainda não sei, se houver é apenas uma convidada, mas como ela ainda não respondeu ao mail, não sei se vai acontecer. A questão dos convidados começou por ser um pretexto para tocar com pessoas que admiro, mas em certos anos chegaram a ser oito pessoas em palco. Fez sentido nessa altura, mas agora e até porque já não sou um one-man band, também faz que as pessoas me vejam como era no início.

Vai também recuperar o repertório desses primeiros tempos?

Sim, vou optar por material mais antigo e não vou tocar quase nada do meu último disco, Misfit.

Este concerto natalício é uma tradição que já vem do seu tempo nos Tédio Boys, certo?

Sim, o primeiro foi em 1995, creio. Ainda no outro dia, num jantar, alguém me mostrou um convite desse concerto. Tinha um pai natal muito mal desenhado por mim, com um poio fumegante na mão (risos). Era uma coisa de putos do underground, de uma comunidade que se juntava à volta do rock and roll. Curiosamente, o primeiro concerto de Natal do Tigerman aconteceu no Porto e não em Lisboa, num espetáculo organizado pelo Rodas, o atual proprietário do clube de rock Barracuda. Foi uma das minhas primeiras aparições como Tigerman e dei comigo, sozinho em palco, a tocar à uma da manhã de dia 24 para cerca de 500 pessoas, no antigo Hard Club.

Em Lisboa, pelo contrário, o primeiro espetáculo não correu assim tão bem?

Foi um fracasso. Até ao dia do concerto tinham sido vendidos cinco bilhetes e depois não vieram mais de 20 pessoas. Mas no ano seguinte esgotou...

Qual foi o melhor presente de natal que alguma vez recebeu?

Os da minha avó, que me oferecia sempre meias. Era sempre certo e as meias fazem sempre falta. Ou os da minha mãe, que ainda hoje me oferece um conjunto de coisas que eu uso e assim escuso de as comprar durante o resto do ano. Gosto muito desse lado rotineiro do Natal, que não implica qualquer gestão de expetativas.

Quem é o The Legendary Tigerman? É alguém diferente do Paulo Furtado ou são a mesma pessoa?

É uma parte de mim, mais descontrolada, que eu uso para fazer música. Quando o Tigerman surgiu, essa parte estava mais presente no meu dia-a-dia e agora está mais confinada ao palco. Reconheço que essa confusão possa existir. Eu próprio a senti durante os primeiros anos de vida do Tigerman (risos). Hoje, o Tigerman está mais confinado ao palco e o Paulo Furtado tem uma vida normal.

Quem é hoje então este Tigerman, que entretanto se tornou numa verdadeira estrela rock?

Não sei bem. Tenho pensado muito nisso nestes últimos seis meses, até porque tenho tido um ano incrível, em que fiz milhares de coisas diferentes e muitas delas sem terem nada a ver com o Tigerman, como é o caso da música para cinema ou a composição com modulares. De repente dei por mim a fazer música sem guitarra, o que era algo impensável há alguns anos.

Já estamos a falar do Paulo, portanto, e não do Tigerman?

Ainda no outro dia falava com o Frankie Chavez sobre isso, porque este ano e pela primeira vez, comecei a pensar que se calhar há outras coisas na música que me podem dar mais prazer, enquanto criador, do que continuar a compor canções, gravá-las em disco e apresentá-las em concertos um pouco por todo o lado, como tenho feito nas últimas 3 décadas. Digo isto porque estou com 48 anos e se calhar é tempo de começar a fazer balanços maiores. Felizmente ainda são poucos os dias em que acordo com esta idade, mas quando isso acontece é chato (risos). Ou seja, o balanço faço tem muito mais a ver com objetivos de vida, em que me pergunto: O que quero fazer daqui para a frente, isto ou outras coisas? Claramente quero fazer outras coisas, aliás já as faço. E isso já me começa a roubar tempo para a carreira como Tigerman, apesar de ter a minha maior digressão pela Europa marcada para o próximo ano (risos).

Corremos o risco de, um dia, o Tigerman se transformar num espécie de Messias do Rock and Roll, que só aparece no dia de Natal?

Isso seria muito poético. Se nalgum momento acontecer, seria espetacular. Nem consigo imaginar um final melhor para este projeto. E agora que falamos nisso, é de facto uma possibilidade.

The Legendary Tigerman - Fuck Christmas I Got the Blues

Galeria ZDB, Lisboa. 25 e 26 de dezembro, 23.00. €15

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