O que vale a Macron é no meio estar a virtude
As sondagens à boca das urnas davam a coligação centrista obediente ao presidente Emmanuel Macron como estando taco a taco com a aliança esquerdista em percentagem de votos, cerca de 25% para cada campo. Um resultado pior à primeira volta do que nas anteriores legislativas para os macronistas, uma percentagem encorajadora para a esquerda, encabeçada por Jean-Luc Mélenchon. Mas as mesmas sondagens continuam a prever uma vitória da Ensemble sobre a Nupes na segunda volta, com a dúvida a ser se será suficiente para a maioria absoluta ou se o presidente terá de negociar com, provavelmente, os eleitos do partido Les Republicains, a direita tradicional.
O favoritismo confirmado do campo presidencial não disfarça, porém, o desgaste do macronismo. Tal como em abril, nas presidenciais, a margem de vitória sobre Marine Le Pen na segunda volta foi inferior à obtida contra a candidata da extrema-direita em 2017, também se percebe agora que um triunfo nas legislativas decorre muito da posição centrista da Ensemble e não propriamente do entusiasmo no projeto de Macron, um liberal europeísta que quer modernizar a França para a manter na primeira linha das potências. Na realidade, com umas legislativas que se disputam a duas voltas em círculos uninominais, os candidatos macronistas vão beneficiar sempre de algum apoio extra da direita e até da extrema-direita (embora Le Pen, cujo partido obteve 19%, já tenha pedido para se absterem nessas situações), nos embates com os candidatos da Nupes, aliança onde estão socialistas, comunistas e ecologistas junto com La France Insumise de Mélanchon. E, quando o embate for entre um macronista e um candidato da direita ou da extrema-direita, certos votos úteis virão do eleitorado da esquerda.
Beneficiado assim claramente da velha máxima de que no meio é que está a virtude, Macron, não se deixando iludir, terá muito que pensar no que vale uma vitória em que, uma vez mais, como nas recentes presidenciais, se vota mais contra alguém do que em alguém. E isto tendo em conta que aqueles que votam são cada vez menos, pois os 52% de abstenção deste domingo é recorde em França numa primeira volta das legislativas desde a criação da V República em 1958.
Mas não é só Macron que se deve sentir incomodado com o cenário atual e sim, mais geralmente, a classe política francesa. O que conduziu a tanta extremização de votos? O que conduziu a tanta abstenção? Do ponto de vista do presidente, o melhor legado do seu segundo mandato seria conseguir, de algum modo, devolver aos franceses a crença no valor do debate de ideias, na importância da construção de soluções políticas e, na medida do possível, de consensos.
Diretor adjunto do Diário de Notícias