Um ano e dois meses depois da entrega do primeiro projeto de lei para a criação de uma lei de bases da habitação, as propostas para a criação de uma lei estruturante para o setor - prevista na Constituição - começam nesta quarta-feira a ser votadas no Parlamento. Em cima da mesa estão três projetos de lei, do PS, do BE e do PCP. O PSD e o CDS não avançaram com iniciativas próprias, optando por apresentar propostas de alteração ao texto dos socialistas - que, por seu lado, avançaram no mês passado com uma segunda versão do texto entregue em abril do ano passado, então redigido pela deputada Helena Roseta..Na última semana, a Lei de Bases da Habitação esteve a ser negociada entre o governo e os partidos da esquerda, conversações que se estenderam ainda pelo dia de ontem. Os acordos nesta área deverão fazer-se sobretudo à esquerda, mas com exceções - questões como a requisição de imóveis devolutos ou a extinção do empréstimo com a entrega da casa ao banco, defendidas pela esquerda, deverão ficar pelo caminho, pela mão de socialistas, sociais-democratas e centristas. A aprovação final do documento (para já, avançam as votações indiciárias, artigo a artigo) deverá, apesar disso, entrar para as contas da "geringonça"..O que é e quem garante o direito à habitação?."Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar." Esta é a formulação que consta do projeto de lei do PS e que deverá ter luz branca dos restantes partidos (não suscitou qualquer proposta de alteração). Para algumas faixas da população fica prevista "proteção especial" - jovens, cidadãos portadores de deficiência, pessoas idosas, pessoas e famílias em "situação de especial vulnerabilidade", sem-abrigo ou vítimas de violência doméstica. O PSD acrescenta-lhe as famílias monoparentais e as famílias numerosas..Na lei deverá ficar também que o direito à habitação "implica o acesso a serviços públicos essenciais", nomeadamente o acesso a "redes e sistemas de abastecimento de água, saneamento, energia, transportes e comunicações"..Quanto à responsabilidade pelo cumprimentos destas premissas, a diferença está apenas numa palavra, mas que representa duas conceções muito distintas da lei de bases. Os socialistas querem inscrever na lei que o Estado é o principal garante do direito à habitação, uma formulação que é, traços gerais, acompanhada por bloquistas e comunistas. Sociais-democratas e centristas querem retirar do texto a menção a "principal", o que deixa o Estado como único garante do direito à habitação, retirando assim da equação o setor privado..O que acontece em casos de despejo?.Os três projetos em cima da mesa estabelecem que o Estado (assim como as regiões autónomas e as autarquias) não pode despejar "indivíduos ou famílias vulneráveis" sem garantir previamente soluções de realojamento (proposta que o PSD quer eliminar)..BE e PCP mantêm nos projetos a proibição de despejos nos meses de inverno, uma formulação que constava inicialmente da proposta do PS mas que foi retirada na segunda versão do texto dos socialistas - e que não deverá passar pelo crivo do PS nas votações. Como não deverão passar outras garantias acrescidas defendidas por bloquistas e comunistas: o PCP defende a impenhorabilidade da casa de habitação própria e permanente não só em caso de créditos fiscais e contributivos, mas também na execução judicial de outro tipo de créditos..Já o BE defende, no caso da habitação pública, que a falta de pagamento da renda, quando seja devida a uma comprovada falta de rendimentos, deve obrigar à renegociação dos valores da prestação mensal. E diz também que a utilização do imóvel para fins contrários à lei, por parte de algum dos membros do agregado familiar, não pode dar lugar ao despejo das famílias..É também neste capítulo que surge uma das questões mais controversas da Lei de Bases da Habitação: a esquerda mantém em cima da mesa a proposta para que a dação em empréstimo da casa aos bancos dê lugar à extinção do contrato de empréstimo, o que não sucede à luz da lei atual. O PS avançou com uma versão muito mitigada: esta situação só será possível se constar do contrato inicial do empréstimo feito com a instituição bancária. Ou seja, é "admitida a dação em cumprimento da dívida, extinguindo as obrigações do devedor independentemente do valor atribuído ao imóvel para esse efeito, desde que tal esteja contratualmente estabelecido, cabendo à instituição de crédito prestar essa informação antes da celebração do contrato"..Já os devedores de crédito à habitação que se encontrem em "situação económica muito difícil" podem beneficiar de um "regime legal extraordinário de proteção que inclua, nomeadamente, a possibilidade de reestruturação da dívida ou medidas substitutivas da execução hipotecária". Esta possibilidade já esteve contemplada na lei, num diploma de 2012 que esteve em vigor no período da troika, mas cessou a vigência em 2015..O Estado pode dispor das habitações devolutas?.Esta é uma das questões fraturantes da Lei de Bases da Habitação. A versão inicial da proposta socialista admitia a "requisição temporária pelas entidades públicas, para fins habitacionais, mediante indemnização, de habitações injustificadamente devolutas ou abandonadas" - o que abrangia os imóveis de propriedade privada. Mas essa medida saiu do articulado, que diz agora que o Estado tem o "dever de promover o uso" de habitações abandonadas de propriedade pública e deve "incentivar o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada"..Helena Roseta tem, nesta matéria, uma proposta de alteração que visa dar resposta aos casos em que não há acordo entre os herdeiros quanto ao destino de um prédio ou fração, resultando no abandono do imóvel. Nesse sentido, a deputada independente propõe que as habitações que estejam devolutas, ou em visível estado de degradação há mais de cinco anos, em consequência da demora de partilhas entre herdeiros, fiquem sujeitas a "requisição temporária" mediante o pagamento de uma indemnização..Já o PCP mantém a votos a proposta que abre a possibilidade de expropriação de prédios ou frações devolutas ou em estado de degradação há cinco ou mais anos "por razão injustificada"..Porta aberta ao alojamento local.Neste capitulo, a proposta do PS passou de um extremo ao outro. A primeira versão dos socialistas dizia que a "utilização de um imóvel ou fração habitacional como estabelecimento hoteleiro ou como alojamento local temporário, cedido a turistas mediante remuneração, requer autorização de utilização específica para esses fins". A segunda versão diz o contrário: "Imóveis ou frações destinados a uso habitacional podem ser utilizados, nos termos da lei e dos limites estabelecidos por regulamento municipal, por estabelecimentos de alojamento local.".Mas os socialistas terão, ainda assim, de votar a primeira formulação, que foi reapresentada pelo BE mas tem o chumbo garantido do PS, do PSD e do CDS.
Um ano e dois meses depois da entrega do primeiro projeto de lei para a criação de uma lei de bases da habitação, as propostas para a criação de uma lei estruturante para o setor - prevista na Constituição - começam nesta quarta-feira a ser votadas no Parlamento. Em cima da mesa estão três projetos de lei, do PS, do BE e do PCP. O PSD e o CDS não avançaram com iniciativas próprias, optando por apresentar propostas de alteração ao texto dos socialistas - que, por seu lado, avançaram no mês passado com uma segunda versão do texto entregue em abril do ano passado, então redigido pela deputada Helena Roseta..Na última semana, a Lei de Bases da Habitação esteve a ser negociada entre o governo e os partidos da esquerda, conversações que se estenderam ainda pelo dia de ontem. Os acordos nesta área deverão fazer-se sobretudo à esquerda, mas com exceções - questões como a requisição de imóveis devolutos ou a extinção do empréstimo com a entrega da casa ao banco, defendidas pela esquerda, deverão ficar pelo caminho, pela mão de socialistas, sociais-democratas e centristas. A aprovação final do documento (para já, avançam as votações indiciárias, artigo a artigo) deverá, apesar disso, entrar para as contas da "geringonça"..O que é e quem garante o direito à habitação?."Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar." Esta é a formulação que consta do projeto de lei do PS e que deverá ter luz branca dos restantes partidos (não suscitou qualquer proposta de alteração). Para algumas faixas da população fica prevista "proteção especial" - jovens, cidadãos portadores de deficiência, pessoas idosas, pessoas e famílias em "situação de especial vulnerabilidade", sem-abrigo ou vítimas de violência doméstica. O PSD acrescenta-lhe as famílias monoparentais e as famílias numerosas..Na lei deverá ficar também que o direito à habitação "implica o acesso a serviços públicos essenciais", nomeadamente o acesso a "redes e sistemas de abastecimento de água, saneamento, energia, transportes e comunicações"..Quanto à responsabilidade pelo cumprimentos destas premissas, a diferença está apenas numa palavra, mas que representa duas conceções muito distintas da lei de bases. Os socialistas querem inscrever na lei que o Estado é o principal garante do direito à habitação, uma formulação que é, traços gerais, acompanhada por bloquistas e comunistas. Sociais-democratas e centristas querem retirar do texto a menção a "principal", o que deixa o Estado como único garante do direito à habitação, retirando assim da equação o setor privado..O que acontece em casos de despejo?.Os três projetos em cima da mesa estabelecem que o Estado (assim como as regiões autónomas e as autarquias) não pode despejar "indivíduos ou famílias vulneráveis" sem garantir previamente soluções de realojamento (proposta que o PSD quer eliminar)..BE e PCP mantêm nos projetos a proibição de despejos nos meses de inverno, uma formulação que constava inicialmente da proposta do PS mas que foi retirada na segunda versão do texto dos socialistas - e que não deverá passar pelo crivo do PS nas votações. Como não deverão passar outras garantias acrescidas defendidas por bloquistas e comunistas: o PCP defende a impenhorabilidade da casa de habitação própria e permanente não só em caso de créditos fiscais e contributivos, mas também na execução judicial de outro tipo de créditos..Já o BE defende, no caso da habitação pública, que a falta de pagamento da renda, quando seja devida a uma comprovada falta de rendimentos, deve obrigar à renegociação dos valores da prestação mensal. E diz também que a utilização do imóvel para fins contrários à lei, por parte de algum dos membros do agregado familiar, não pode dar lugar ao despejo das famílias..É também neste capítulo que surge uma das questões mais controversas da Lei de Bases da Habitação: a esquerda mantém em cima da mesa a proposta para que a dação em empréstimo da casa aos bancos dê lugar à extinção do contrato de empréstimo, o que não sucede à luz da lei atual. O PS avançou com uma versão muito mitigada: esta situação só será possível se constar do contrato inicial do empréstimo feito com a instituição bancária. Ou seja, é "admitida a dação em cumprimento da dívida, extinguindo as obrigações do devedor independentemente do valor atribuído ao imóvel para esse efeito, desde que tal esteja contratualmente estabelecido, cabendo à instituição de crédito prestar essa informação antes da celebração do contrato"..Já os devedores de crédito à habitação que se encontrem em "situação económica muito difícil" podem beneficiar de um "regime legal extraordinário de proteção que inclua, nomeadamente, a possibilidade de reestruturação da dívida ou medidas substitutivas da execução hipotecária". Esta possibilidade já esteve contemplada na lei, num diploma de 2012 que esteve em vigor no período da troika, mas cessou a vigência em 2015..O Estado pode dispor das habitações devolutas?.Esta é uma das questões fraturantes da Lei de Bases da Habitação. A versão inicial da proposta socialista admitia a "requisição temporária pelas entidades públicas, para fins habitacionais, mediante indemnização, de habitações injustificadamente devolutas ou abandonadas" - o que abrangia os imóveis de propriedade privada. Mas essa medida saiu do articulado, que diz agora que o Estado tem o "dever de promover o uso" de habitações abandonadas de propriedade pública e deve "incentivar o uso efetivo de habitações devolutas de propriedade privada"..Helena Roseta tem, nesta matéria, uma proposta de alteração que visa dar resposta aos casos em que não há acordo entre os herdeiros quanto ao destino de um prédio ou fração, resultando no abandono do imóvel. Nesse sentido, a deputada independente propõe que as habitações que estejam devolutas, ou em visível estado de degradação há mais de cinco anos, em consequência da demora de partilhas entre herdeiros, fiquem sujeitas a "requisição temporária" mediante o pagamento de uma indemnização..Já o PCP mantém a votos a proposta que abre a possibilidade de expropriação de prédios ou frações devolutas ou em estado de degradação há cinco ou mais anos "por razão injustificada"..Porta aberta ao alojamento local.Neste capitulo, a proposta do PS passou de um extremo ao outro. A primeira versão dos socialistas dizia que a "utilização de um imóvel ou fração habitacional como estabelecimento hoteleiro ou como alojamento local temporário, cedido a turistas mediante remuneração, requer autorização de utilização específica para esses fins". A segunda versão diz o contrário: "Imóveis ou frações destinados a uso habitacional podem ser utilizados, nos termos da lei e dos limites estabelecidos por regulamento municipal, por estabelecimentos de alojamento local.".Mas os socialistas terão, ainda assim, de votar a primeira formulação, que foi reapresentada pelo BE mas tem o chumbo garantido do PS, do PSD e do CDS.