As opções políticas dos portugueses são mais estáveis do que aquilo que às vezes parecem indicar as projeções de voto das sondagens. Tem sido assim nos últimos meses, como se percebe pelas sucessivas sondagens da Aximage para o DN, JN e TSF. É verdade que há partidos que acusam desgaste (com destaque para o CDS), da mesma forma que há partidos em fase de crescimento (Chega e Iniciativa Liberal). Mas também é certo que os dois partidos centrais do sistema continuam a valer os mesmos dois terços que somavam nas legislativas de 2019 (com o PS um pouco mais forte nesta fase e o PSD mais fraco)..No entanto, e para além das projeções de resultados, nos barómetros mensais abunda informação que ajuda a medir a temperatura política, a identificar padrões e a descortinar algumas mudanças. É possível traçar o perfil dos eleitores de cada partido: se são novos ou velhos, pobres ou mais abastados, em que região vivem e qual a sua faixa etária, se há preferências de género, como é que o apoio destes segmentos está a evoluir, se são alterações momentâneas ou se correspondem a mudanças prolongadas..A imagem torna-se mais nítida ao juntar as amostras dos barómetros feitos ao longo dos últimos quatro meses (de finais de março a meados de julho). Foram 3220 inquéritos, que ajudam a fazer o retrato atual de cada um dos partidos com representação parlamentar (com a exceção do CDS, cuja irrelevância estatística atual não permite análises fiáveis). E que comparam com a leitura que resultou dos 2756 inquéritos dos últimos quatro barómetros do ano passado..Quando se comparam os resultados dos socialistas nos barómetros, a conclusão que se retira é a de que alguma coisa mudou para que tudo ficasse na mesma. A média no outono/inverno do ano passado foi de 37,2%, nesta primavera/verão é de 38,6%. Não há vaga de pandemia nem polémica ministerial que abale a primazia eleitoral de António Costa. A análise aos diferentes segmentos confirma, em vários casos, essa narrativa. Mas também há mudanças..A mais evidente tem a ver com a distribuição geográfica. Se no ano passado a "praça forte" do PS era a região do Porto e Lisboa a menos "generosa", a situação inverteu-se: é na capital que os socialistas têm agora maior vantagem para o PSD (ainda que o seu melhor resultado médio seja no Centro, com 42,2%) e o terreno mais difícil passou a ser a região metropolitana do Porto. A vantagem socialista em Lisboa é tanto mais notável quanto se confirma que é nesta região que o chamado "bloco central" tem mais dificuldade em impor a sua lei. A soma de PS e PSD é aqui inferior a 60 pontos (no outro extremo está o Norte, com mais de 70)..Nos restantes segmentos, as alterações são praticamente nulas. Os socialistas continuam a ser o partido com maior pendor feminino (mais seis pontos percentuais, em média, que os homens), da mesma forma que se voltam a distinguir pelo apoio esmagador entre os eleitores mais velhos. Ainda que nos dois últimos barómetros tenha havido um severo castigo dos seniores na avaliação ao primeiro-ministro, na hora de escolher em quem votar nada muda: o PS tem, em média, 47,5% nos portugueses com 65 ou mais anos. A exemplo do final do ano passado, fica abaixo da média em todos os restantes escalões e confirma uma fragilidade persistente entre os mais jovens (18 a 34 anos)..No que diz respeito às classes sociais, a estabilidade é ainda mais evidente, com um apoio mais expressivo nos dois escalões mais baixos e uma menor adesão nos dois mais altos: há uma diferença de 14 pontos percentuais entre os mais ricos e os mais pobres (com a média eleitoral destes últimos a manter-se nos 51,5%, exatamente igual à do ano passado)..Mais ainda do que entre os socialistas, estabilidade é a palavra-chave no PSD. Rui Rio chega às férias de verão como chegou às de Natal, com o partido a valer cerca de um quarto das intenções de voto e com os alicerces a Norte. Esta continua a ser a região onde tem os melhores resultados: regista 34,1% como valor médio dos últimos quatro meses, ainda atrás do PS. Mas é importante notar que nos mais recentes barómetros já estava claramente à frente (o mesmo sucedia aliás na Área Metropolitana do Porto). O ponto fraco volta a ser Lisboa, onde até está um pouco pior do que no final do ano passado: 23 pontos atrás dos socialistas e com apenas sete de vantagem sobre os bloquistas..No que diz respeito ao género, às faixas etárias e às classes sociais, o equilíbrio é notável. Ainda que tenha um pouco mais de mulheres do que homens, é o partido mais equilibrado no que diz respeito ao género; analisando as quatro faixas etárias em que se dividem as amostras, praticamente não há oscilações, tal como nos últimos meses do ano passado (a diferença entre cada segmento nunca ultrapassa nesta altura os dois pontos percentuais); o mesmo para as quatro classes sociais, em que há apenas décimas de diferença (com a exceção dos mais pobres, com três pontos abaixo da média)..Diferença, na verdade, só com o resultado que conseguiu nas legislativas de 2019, uma vez que está quase três pontos percentuais mais abaixo. A explicação encontra-se quando se analisam os mapas de transferência de votos. A maior "sangria" de votos vai em direção ao PS, mas os que chegam em sentido contrário dão para um saldo próximo de zero. A perda líquida de eleitores de 2019 existe, isso sim, relativamente aos liberais e ao Chega, por esta ordem..O Bloco de Esquerda está com tendência de descida e isso representa um desafio novo: o terceiro lugar fica em jogo, já não com os comunistas, como no passado, mas com o Chega. Em termos médios, os bloquistas ainda estão em vantagem nestes últimos quatro meses, mas a margem reduziu para metade (de dois para um ponto). A explicação encontra-se no transvase de votos para o PS e na desmobilização do seu eleitorado (é o partido que mais perde para a abstenção, face a 2019)..Com um eleitorado tendencialmente mais feminino (ainda assim, um desequilíbrio que não é comparável ao peso masculino do seu adversário à Direita), o BE volta a ter na região Centro e nas duas áreas metropolitanas, em particular Lisboa (10,5% de média), o seu santuário. É precisamente nestas três zonas do país que se mantém à frente do Chega (a maior vantagem é no Porto, com quase seis pontos)..No que diz respeito às faixas etárias, o padrão mantém-se quase sem alterações: a força é maior no escalão mais jovem (12,5% em média) e a maior fraqueza está nos mais velhos (3,9%). Na distribuição por classes sociais, o quadro é ainda mais parecido com o do final do ano passado: uma predominância entre os dois segmentos mais altos, face aos dois mais baixos (uma diferença superior a três pontos percentuais)..A velocidade já não é a mesma, mas o Chega voltou a crescer nestes últimos quatros meses (quando se compara com a média dos meses finais de 2020). É o partido que melhor segura o eleitorado de 2019 (nessa altura não eram tantos), cresce à custa do CDS (fica com 4 em cada 10 eleitores centristas das últimas legislativas), mas também pesca em águas sociais-democratas e até nos liberais. E está na luta com o BE por um lugar no pódio..O melhor resultado médio nesta altura é na região Centro (8,9%), mas é a Norte que o partido de André Ventura mais se distancia do de Catarina Martins (também está à frente dos bloquistas no Sul). O território mais agreste continua a ser a Área Metropolitana do Porto, onde está muito abaixo da média (3,4%) - um padrão que se mantém estável. Certo é que os radicais de Direita têm uma razoável distribuição nacional e, a manter-se a situação atual numa ida às urnas, poderiam eleger, no mínimo, uma dezena de deputados (quatro em Lisboa, um em Setúbal, um no Porto, um ou dois em Braga, um ou dois em Aveiro, um em Santarém e talvez um em Leiria)..Ventura lidera um partido dominado pela testosterona: os eleitores homens são mais do dobro das mulheres, ainda que haja uma evolução positiva entre as mulheres. Ao contrário, distribui-se de forma mais homogénea pelas diferentes faixas etárias do que por exemplo o BE, com maiores dificuldades nos dois extremos etários (seis pontos abaixo da média). No que diz respeito às classes sociais, quem "manda" continua a ser a média baixa (11,6% em média nos últimos quatro meses). Mas está a melhorar o alcance entre os mais pobres (acima da média, com 8,1%)..É certo que registam uma ligeira tendência de descida, mas, quando se tem em conta a média dos últimos quatro meses, em comparação com os últimos barómetros de 2020, os comunistas ficam no mesmo sítio (a diferença é de uma décima). A má notícia é que é uma situação pior que a das legislativas de 2019 (há fuga de votos em direção ao PS) e, pior ainda, já ultrapassados pelo Chega e com o Iniciativa Liberal cada vez mais próximo..Com um eleitorado a ganhar peso masculino (são quase o dobro das mulheres), a CDU (coligação eleitoral com Os Verdes) tem o seu melhor resultado médio na região Sul (que inclui os antigos bastiões alentejanos, o Algarve as ilhas), com 8,4%. É o único caso em que está em terceiro lugar. Como habitualmente, também na Área Metropolitana de Lisboa está acima da média nacional. O terreno mais agreste continua a ser o Norte. Houvesse hoje eleições e teria um grupo parlamentar muito semelhante ao que tem agora (entre 10 e 12 deputados)..Os comunistas são os que mais dependem do eleitorado mais velho (de forma ainda mais acentuada que os socialistas): um cisma geracional que faz com que o apoio aumente com a idade, com resultados abaixo da média nos dois escalões mais jovens (até aos 49 anos) e acima da média daí para a frente. Um padrão que se mantém estável, ao contrário do que se passa na distribuição por classes sociais: os resultados são agora melhores entre as duas classes sociais intermédias e piores nos dois extremos..É o partido que mais cresce entre o final do ano passado e este período de primavera/verão. Na sondagem da Aximage de julho chegaram mesmo a ultrapassar os comunistas, embora em termos médios ainda estejam umas décimas abaixo..Esse crescimento acontece um pouco por todo o país, mas é particularmente notório na Área Metropolitana do Porto (9,1% na média dos últimos quatro meses), que já era o principal filão liberal e onde conseguem o terceiro lugar (uma décima à frente do Bloco). A Norte e em Lisboa estão no patamar dos cinco pontos, enquanto no Centro e no Sul se aproximam dos quatro. Uma distribuição e um conjunto de resultados em sondagens que, a repetir-se nas urnas, seria suficiente para passar do deputado único para um grupo a rondar a meia dúzia de deputados: dois ou três no Porto, dois em Lisboa, um em Braga e talvez um em Setúbal..Para além da geografia, é no género que se nota maior evolução: no ano passado, os liberais dependiam em larga medida dos eleitores masculinos (eram mais do dobro das mulheres), agora o equilíbrio é maior (ainda que os homens valham mais dois pontos percentuais). No capítulo das classes sociais, a predominância continua a ser para os que estão no topo da escala (8,7% em média), mas agora já conseguem alguma expressão entre os mais pobres (no ano passado era um redondo zero)..No que diz respeito às faixas etárias, estão nos antípodas dos comunistas: quanto mais jovem o eleitor, maior o apoio: estão claramente acima da média nos 18/34 anos (8,7%) e abaixo nos restantes escalões, com um mínimo de 4% entre os que têm 65 ou mais anos..Vai ser preciso esperar para ver em que sentido evolui o Pessoas-Animais-Natureza. Também pelo facto de ter uma nova liderança (Inês Sousa Real substitui o histórico André Silva). Se compararmos os resultados dos últimos meses do ano passado com o período atual, está em queda. Se o foco for apenas a evolução das últimas três sondagens, está em alta. Finalmente, se a comparação for com as eleições de 2019, não saiu do sítio. O PAN é, aliás, o partido mais volátil: só segura 65% dos seus eleitores de 2019..Teria provavelmente, se hoje houvesse eleições, os mesmos quatro deputados que conseguiu nas anteriores legislativas, e eleitos nos mesmos círculos (Lisboa com dois, Setúbal e Porto). O PAN está acima da média no Sul (o melhor resultado médio com 5,5%) e em Lisboa (4,1%) e abaixo nas restantes regiões. No final do ano passado, o território mais generoso era o Norte. Do ano passado para este, reduziu a proporção de eleitorado feminino (ainda que elas continuem em maior número), mas não há grandes diferenças no que diz respeito aos escalões etários. Os dois mais novos são mais generosos (sobretudo os que têm 35 e 49 anos, com uma média de 7,7%), os outros dois não parecem muito interessados na mensagem animalista e ambientalista, em particular os mais velhos, em que o resultado do PAN é francamente mau. No que diz respeito às classes sociais, os apoiantes mais fiéis continuam a ser os que estão posicionados na média alta, tal como no final do ano passado..rafael@jn.pt