O que separa Rio e Santana
Os cerca de 70 mil militantes do PSD com quotas pagas vão hoje às urnas escolher o sucessor de Pedro Passos Coelho. Entre as guerras pessoais e acusações de deslealdade ao partido, as propostas de Rui Rio e de Pedro Santana Lopes não passaram no intervalo da chuva. Ouvimo-los e fomos espreitar áreas nucleares da estratégia política dos dois candidatos. As diferenças são quase de intensidade e pormenor. Só em temas fraturantes é que divergem mesmo e no eventual apoio ao PS de Costa
Reformas na Justiça
Transformação
Rui Rio não se compromete com renovação do mandato da atual procuradora-geral da República, mas a transformação do sistema judicial é uma das suas bandeiras e nos debates com o opositor não escondeu críticas ao funcionamento do Ministério Público (MP). Rio quer centrar as competências do MP no exercício da ação penal e na defesa do interesse geral, para o qual prevê um reforço dos recursos técnicos e humanos. Na moção de estratégia - "Do PSD para o País" - defende compromissos para a simplificação das leis estruturantes do sistema jurídico, e maior especialização dos magistrados.
Investimento
Pedro Santana Lopes já disse que é favorável à renovação do mandato de Joana Marques Vidal à frente da Procuradoria-Geral da República. Na sua moção de estratégia - "Um Portugal em Ideias" - defende que o Ministério Público deve ter maior poder consultivo e menos poder executivo. Santana quer ainda uma justiça mais célere e um plano de investimento efetivo para revitalizar o setor e aumentar a produtividade nos tribunais.O candidato afirma ainda que uma maior articulação entre o Ministério da Justiça e o Conselho Superior da Magistratura poderá conduzir a uma gestão mais profissional da Justiça.
Mais Investimento no SNS
Integração
Rui Rio não defende um maior investimento público no Serviço Nacional de Saúde. A sua opção passa por canalizar mais verbas para a prevenção, que é apenas de 1% da despesa total com saúde, e pela generalização do acesso a nível nacional às Unidades de Saúde Familiar. Rio defende que a "qualidade e bem-estar" dos portugueses não se compadece com visões ideológicas entre público e privado. "Teremos de entender o SNS a partir de uma visão integrada" dos diferentes prestadores de cuidados de saúde, públicos, privados ou da economia social", escreve na moção.
Liberdade
Santana Lopes defende um maior investimento no Serviço Nacional de Saúde, mas também preconiza a articulação com os privados e as entidades da economia social. Diz que é preciso aumentar os recursos para a prevenção, alargar a oferta de serviços de saúde, impedir o encerramento de unidades de saúde do interior, alargar os cuidados continuados e reforço dos cuidados domiciliários. Santana quer ainda maior investimento na área da saúde mental e nos recursos humanos e preconiza um sistema assente num modelo de liberdade de escolha e um modelo de sustentabilidade do SNS que envolva as IPSS.
Educação Pública
Qualificação
O candidato à liderança do PSD defende uma aposta na qualificação dos alunos e das instituições de ensino, sobretudo ao nível do superior, com a especialização das instituições. Rio entende que um dos fatores que mais condicionam a maior frequência do ensino superior reside nas condições familiares de origem e diz que é preciso garantir a liberdade de escolha dos cursos e do acesso aos apoios sociais, o que implica, como é óbvio, ou mais investimento ou realocação das verbas destinadas ao ensino. Rui Rio afirma que a política de ensino superior deve potenciar a especialização das instituições.
Modernização
A modernização do sistema de ensino, das escolas e das práticas letivas é a aposta de Santana Lopes na área da educação. Mas não se percebe se o investimento nestes campos deverá ser do Estado central ou residir no poder local, já que o candidato defende a descentralização do sistema educativo, coma aposta na autonomia das escolas e na transferência para as autarquias de todas as decisões de gestão e administração "que não têm de ser nacionais". Santana quer também "aposta reforçada" na aprendizagem ao longo da vida e nas atividades extracurriculares.
Descentralização
A reforma
A descentralização é para Rui Rio a principal reforma na qual o PSD se deve empenhar. O ex-autarca do Porto defendeu em tempos a regionalização, mas agora diz que o país precisa de caminhar para a desconcentração dos diferentes organismos do Estado e institutos públicos. Esse processo, defende Rio, deve passar pela valorização da administração local e regional como forma de melhorar a eficácia da governação do país e disciplinar a despesa pública. O candidato defende um amplo "consenso" e até já se manifestou aberto ao diálogo com um futuro governo PS.
Autarquias
Pedro Santana Lopes também é um partidário da descentralização. Aliás, enquanto primeiro-ministro defendeu a transferências de serviços do Estado de Lisboa para outras cidades. Mantém o mesmo pensamento e propõe um plano estratégico para descentralizar, desconcentrar e deslocalizar equipamentos e serviços públicos para cidades do interior. E sugere a criação de Acordos Voluntários de Descentralização entre o governo e municípios por um período de três ou quatro anos.
Crescimento assente nas exportações
Investimento
Esta é a área nuclear da estratégia de Rui Rio, a do crescimento económico, que diz só ser possível com a conquista dos mercados externos e a aposta nas exportações. O modelo que defende não assenta, ao contrário do que foi apanágio do governo de António Costa e Mário Centeno, no consumo privado. Defende a redução das "rendas excessivas" pagas aos setores da energia e das comunicações para melhorar a competitividade das empresas exportadoras. Ganham ainda relevância os setores científico e tecnológico. Na moção não está expresso, mas Rio manifestou-se favorável à descida do IRC para fomentar a competitividade.
Internacionalização
Santana Lopes também faz sua a bandeira do crescimento económico, suportado pela internacionalização das empresas portuguesas e pelo apoio às PME. Neste campo, a moção de estratégia de Santana é muito mais detalhada. Além de dizer que o país deve crescer acima dos 3%, mais do que média europeia, defende a redução do IRC por forma a captar investimento estrangeiro e para as empresas mais exportadoras, mais inovadoras, que empregam mais pessoas e mais amigas do ambiente. A sua grande aposta passa também mais pelo apoio ao setor empresarial do que pelo crescimento sustentado pelo consumo.
Reforma do sistema político
Compromissos
O antigo autarca do Porto é há muito tempo um defensor da reforma do sistema político e tem-se mantido firme na ideia de que é preciso um consenso para que avance a alteração das leis eleitorais. Rio quer que essa mudança aproxime os cidadãos dos políticos - já que considera que há um divórcio gritante entre os partidos e a sociedade que representam -, que credibilize a representação e que reforce a instituição parlamentar. Quer ainda clarificar o que são cargos de confiança política e cargos que requerem autonomia e independência das tutelas. É a favor do financiamento público dos partidos.
Referendo
Santana Lopes é outro dos grandes defensores da reforma do sistema político e bate-se há bastante tempo pela alteração às leis eleitorais. A sua visão é a da criação de círculos uninominais conjugados com um círculo nacional de compensação ou então vários círculos regionais. O antigo autarca de Lisboa quer ainda valorizar o instituto do referendo seja a nível nacional, regional ou local. Embora admita o financiamento público dos partidos, Santana preconiza um modelo em que se caminhe cada vez mais para o financiamento privado das forças políticas, mas com regras transparentes.
Reforma do Estado
Organização
Além da descentralização, Rui Rio entende que a reforma do Estado passa pela reorganização das suas funções. Defende, por isso, um novo contrato social que se afaste das teses anti-estado, mas também das visões estatizantes e igualitárias que dominam à esquerda. Na sua opinião, o problema não é ter mais ou menos Estado, mas fazer que esse Estado seja "mais forte, mais organizado e mais eficaz na prossecução da sua missão". O candidato dilui a reforma, sem medidas muito concretas na sua moção, pelas várias áreas da governação.
Qualidade
Santana também se recusa a discutir o Estado pela sua dimensão, antes prefere deter-se sobre a qualidade. Quer ainda assim um Estado com menor peso na economia, mais regulador e menos detentor de empresas. O modelo que preconiza centra-se nas áreas centrais como a Educação, Solidariedade Social, Proteção Civil, Segurança e Defesa. Concebe um "Estado solidário" em que o sistema público de Segurança Social é "eficiente". Mas Santana também quer envolver o chamado "terceiro setor", as instituições de solidariedade social, a participar neste modelo de Estado.
Redefinição ideológica do PSD
Centro
Durante os debates pouco foi debatido o posicionamento ideológico do PSD, mas Rui Rio sempre se bateu pela matriz social-democrata do partido, ainda que algumas das suas ideias ao nível económico sejam mais próximas das de Pedro Passos Coelho. O candidato defende que o partido precisa de se "reencontrar consigo próprio" para se recentrar no campo político que sempre ocupou no xadrez político nacional. Rio quer um partido reposicionado no centro, do centro de direita ao centro esquerda, de orientação reformista, com inspiração na social-democracia e no pragmatismo social.
Português
Neste campo da definição ideológica do partido, Santana diverge de Rui Rio. Talvez porque nunca abandonou o PPD/PSD, continua a afirmar que o partido vive da sua história e experiência do que de cunhos ideológicos. Destaca como marcas essenciais a capacidade reformista e a defesa da igualdade de oportunidades. E é menos apegado a um "posicionamento ideológico restrito e castrador" ou a "rótulos de centro-direita ou de centro-esquerda". Precisamente o campo em que Rui Rio quer colocar o partido.
Bloco Central
Consensos
A possibilidade da reedição de um bloco central, a aliança entre PS e PSD, nunca foi colocada na mesa por Rui Rio. O candidato foi, no entanto, claro sobre o que fará se for eleito líder do PSD e não ganhar as legislativas de 2019. Rio admitiu que dará apoio a um governo minoritário do PS para evitar que a frente de esquerda governe o país. Com ele também não estarão em causa consensos necessários às grandes reformas do país, mesmo antes das eleições nacionais. O que não o impede de dizer que é preciso mobilizar o partido para ganhar já as eleições europeias de 2018.
Rejeição
Santana fecha com estrondo a porta à hipótese de um bloco central. E vai mais longe ainda ao rejeitar qualquer possibilidade de entendimento com o PS antes e após as eleições legislativas. O candidato argumentou que enquanto os socialistas forem liderados por António Costa - que não deixou o PSD, partido mais votado nas legislativas de 2015, governar - não haverá diálogo. O que impossibilita entendimentos mesmo no que diz respeito à reforma da descentralização que está a decorrer. Santana também já disse que o PSD com ele irá sozinho às legislativas.
Eutanásia, prostituição e canábis
Liberal
Apesar de aparentar ser mais conservador no que diz respeito à organização do Estado e da economia, Rui Rio é muito mais liberal nos costumes. No que diz respeito ao uso da canábis para fins medicinais, admite-a com "suporte da Ordem dos Médicos e utilizada só com receita médica". Já sobre a legalização da prostituição: "É um tema que deveríamos debater, em nome da dignidade humana, em nome da saúde pública. Não estou a dizer que sou a favor ou contra. É um tema que devíamos debater." E foi mesmo subscritor do manifesto que desencadeou o debate sobre a morte assistida.
Conservador
Santana Lopes, que exterioriza muito a sua devoção católica, é quase o oposto de Rui Rio no que diz respeito aos costumes. É completamente contra o uso da canábis para fins medicinais. "Vivemos um tempo de quase ditadura moral de esquerda", argumenta. Considera o tema da legalização da prostituição "um tema muito complexo, muito, muito complicado" e que, nesta fase da sociedade portuguesa, esse debate não deve ocorrer. "Acho que tem de se travar aqui um combate pelos valores, pelos princípios da organização da sociedade", defendeu. Também não é favorável à morte assistida.