Já aconteceu praticamente com todos os grandes treinadores da história do futebol mundial, de Helenio Herrera (tanto no Inter como no Barcelona) a Rinus Michels (Ajax e Barcelona) ou José Mourinho (Chelsea), passando por Marcello Lippi (Juventus), Fabio Capello (Milan e Real Madrid), Jupp Heynckes (Bayern Munique), Van Gaal (Barcelona). Em Portugal também não faltam exemplos: Eriksson (Benfica), Pedroto (FC Porto), Artur Jorge (FC Porto)....Voltar a um sítio onde se foi feliz é uma tentação grande também para treinadores de futebol, apesar dos avisos populares em sentido contrário. Mas há uns que surpreendem mais do que outros. Como o regresso, anunciado na segunda-feira, de Zidane ao Real Madrid, apenas nove meses depois de ter decidido deixar o clube com o qual tinha conseguido ganhar as últimas três Ligas dos Campeões consecutivas, num feito inédito na era moderna da prova (a partir de 1992)..A decisão apanhou todos de surpresa e fez levantar a interrogação óbvia: o que levou o francês a regressar ao clube onde foi tão feliz, em circunstâncias bem piores do que aquelas que deixou? "O apelo do presidente" e o "amor ao clube" foram as razões apresentadas por "Zizou"..Mais célere ainda foi o regresso do português Leonardo Jardim ao Mónaco, no final de janeiro, três meses depois de ter sido despedido. Com a situação da equipa a deteriorar-se na tabela, caindo para a zona de despromoção, o clube francês fez mea culpa e chamou de volta o técnico que lhe dera um improvável título de campeão em 2017..Em circunstâncias diferentes das de Zidane (que não foi despedido, antes "despediu" o Real no final da época passada), Leonardo Jardim explicou o regresso ao Principado mais ou menos com as mesmas razões do francês. "Estou muito feliz e orgulhoso por estar de volta ao Mónaco, clube onde trabalhei durante mais de quatro temporadas. É um pouco como encontrar a família. Não costumo dizer não às pessoas que me ajudaram. Nem pensei duas vezes.".Cajuda fala em título para o ego.Treinador com mais de 30 anos de experiência nos bancos, Manuel Cajuda também já passou por situações em que não resistiu ao encanto de voltar aonde já tinha sido feliz e repetiu clubes no currículo. "Uma vez voltei ao Braga e recordo-me de que ia no carro e um comentador na rádio dizia que um padre não voltava a dar missa na mesma paróquia por onde já tinha passado. Eu achei isso engraçado. Mas se voltamos a algum sítio onde já trabalhámos é sinal de que todas as partes ficaram felizes com o trabalho feito, tanto o clube como o treinador", diz ao DN, comparando um convite desses (para regressar a um clube onde já se esteve) a um título. "Não é um título físico, material, mas um título para o ego de qualquer pessoa. É um reconhecimento que acaba por ser uma prova de qualidade", sublinha..O antigo treinador de clubes como Sp. Braga ou U. Leiria (repetiu em ambos), V. Guimarães, Marítimo, Belenenses, Olhanense, Portimonense ou Ac. Viseu (o mais recente) diz que a situação, naturalmente, "tem sempre duas faces, como qualquer moeda", recorrendo a outro exemplo pessoal, quando estava quase a acertar o regresso a outro clube que já tinha treinado antes, mas viu um dirigente "abortar o negócio por considerar que o regresso era voltar ao passado e ninguém quer andar para trás". No entanto, aponta Cajuda, "esse passado ao qual não quis voltar é ainda hoje o melhor período da vida desse clube"..Cada caso é um caso, já se sabe, e as generalizações são arriscadas. Como aquelas que dizem que a segunda passagem de um treinador por um clube nunca é tão boa como a primeira. Cajuda relativiza. Afinal, se a primeira passagem foi carregada de sucesso, é normal que a fasquia fique difícil de repetir. Seja por esse treinador, seja por outro. Como o provam estes regressos de Zidane e Leonardo Jardim, antecipados precisamente pela dificuldade dos sucessores em lidar com a herança deixada..Para Manuel Cajuda, o regresso de Zidane ao Real Madrid nesta altura acaba por ser um momento de celebração tanto para o clube como para o técnico: "O clube mostra inteligência ao voltar a apostar naquilo que sabe que é bom e o treinador vê o reconhecimento que gostava de ter sempre no seu trabalho."."Um ato de sabedoria".Zidane volta, no entanto, em circunstâncias bem diferentes daquelas que deixou no Santiago Bernabéu. Depois de três títulos europeus consecutivos com uma equipa que tinha um líder da dimensão "estratosférica" de Cristiano Ronaldo, o francês tem agora de reunir os cacos de uma equipa já eliminada da Europa, com o título espanhol como miragem (em terceiro, a 12 pontos do Barcelona) e sem Ronaldo para ajudar a sair da crise..Também por isso, Cajuda vê neste regresso de Zizou ao banco do Real um "ato de sabedoria" na gestão da carreira do francês. "O momento em que ele saiu, no final da época passada, foi um ato de sabedoria. Soube perspetivar o futuro próximo, que acabou por se concretizar. E o regresso nesta altura também é um ato de sabedoria, porque sabe que o clube desceu até onde não pode descer e, por isso, agora só pode voltar a subir", considera o experiente técnico luso..Além disso, Zidane volta com maior legitimidade e poder para impor mudanças necessárias. "Já não há Cristiano Ronaldo, mas ele sabe o que precisa de fazer para voltar a dar valor à equipa. Conhece-a melhor do que ninguém", aponta Cajuda. De resto, nos media espanhóis já se vão lançando nomes para a reconstrução esperada da equipa, entre Neymar, Mbappé ou Hazard, entre outros..Zidane promete mudanças na próxima época e o jornal Marca adianta que o francês terá plenos poderes nesse processo. Tudo para poderem voltar a ser felizes. Ele e o Real Madrid.