O cenário é um misto de abandono, degradação e vandalismo com trendy e urban art. O resultado? Um espaço com um charme muito próprio, de onde se tem a melhor vista para Lisboa. O Cais do Ginjal, em Almada, língua ribeirinha junto ao Tejo, vive entre dois tempos - um passado cheio de história e um futuro que teima em ser adiado, mas que promete reabilitar e tornar o velho cais uma zona moderna, com espaços culturais, comércio, serviços e até habitação..As temperaturas fazem adivinhar a primavera, mas os visitantes do Ginjal - muitos deles turistas que atravessam o Tejo no cacilheiro - neste dia de semana só começam a chegar próximo da hora do almoço. O destino são os dois restaurantes que surgem nos guias como lugares a não perder: do Ponto Final e do Atira-te ao Rio desfruta-se de uma vista de cortar a respiração para Lisboa - à esquerda, da Ponte 25 de Abril até Algés, à direita, do Terreiro do Paço até Santa Apolónia. Antes disso, o espaço é sobretudo aproveitado por quem faz o seu jogging matinal ou pelos pescadores que abancam nos pontões, horas a fio, à espera que o peixe pique, um ou outro casal de namorados..Nos restaurantes ainda vazios já se iniciou a azáfama para preparar os almoços. Dulcínia Coelho, 58 anos, proprietária do Ponto Final, sabe bem a sorte que tem: "Tenho o escritório mais lindo do mundo." Ela que anseia pelo início do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, cujas obras chegaram a estar faladas para começarem em 2018. "É um projeto interessante, estamos ansiosos para que aconteça, para que o cais tenha mais vida. Agora, o que tem são os habitantes que vêm correr e os turistas que se deslocam de propósito aos restaurantes. Quando estiver renovado, vai trazer outra vida. O Ginjal é uma varanda lindíssima para Lisboa!".A melhor mesa do mundo, a melhor vista.Dulcínia tem também aquela que já é conhecida como "a melhor mesa de restaurante do mundo" - a primeira do pontão de pedra, onde quem se virar de frente para Lisboa facilmente se esquece de que se está num restaurante, é fácil até esquecer o resto do mundo. A vista é dominante, o rio mesmo ali aos pés e depois a luz tão especial de Lisboa... Foi um cliente que lhe deu o nome depois de regressar de Istambul, onde entre a Europa e a Ásia, divididas pelo Bósforo, desfrutou de uma vista semelhante. Mas, chegado ali, não teve dúvidas - "a melhor mesa do mundo" era aquela, frente a Lisboa. O nome pegou e há quem telefone com meses de antecedência para a marcar..Os clientes de Dulcínia apreciam não só a gastronomia e a vista como todo o espaço, que mesmo degradado pelo tempo e por alguns incêndios, com os edifícios praticamente a cair, o consideram very typical. "Tanto quanto sei, o projeto não é para descaracterizar o cais, mas para o valorizar, mantendo-se a história.".O plano de pormenor do cais, cuja aprovação está agora prevista para este ano, propõe manter a primeira linha de construções, conservando o carácter atual das construções onde funcionaram fábricas, armazéns, oficinas. No entanto, prevê algumas demolições dado a estado avançado de degradação dos edifícios - alguns só mantêm as paredes, não têm portas ou janelas, não têm teto e representam um risco de segurança para quem não resiste a entrar e a fotografar os pátios, as escadarias, os graffiti... Porque mesmo degradado, o Ginjal não deixa de ter a sua personalidade. Também está previsto que as novas construções mantenham as características das atuais..Ver para crer.Há quem pense diferente, que se é para reabilitar, que se faça tudo do zero. "A história é bonita, mas não é bonita a forma como foi tratada. Não podemos olhar para trás como se fosse o futuro", afirma Alexandre Maia, 29 anos, morador do bairro Olho de Boi, onde funcionava a Companhia Portuguesa de Pesca. Fica já depois do Jardim do Rio, para o lado da ponte, fora da zona que terá intervenção..Alexandre vê com agrado a recuperação do Ginjal, ele que muitas vezes atravessa o cais desde o terminal dos barcos de Cacilhas até ao bairro. Acredita que poderá trazer mais segurança a quem ali se desloca, sobretudo à noite. Mas, como tantos outros, quer ver para crer. "Já se fala de reestruturação há tantos anos e não se sabe nada.".Manuela da Conceição, 62 anos, trabalha há mais de duas décadas no Atira-te ao Rio e durante esse tempo já muito ouviu falar da renovação do cais. Mas, apesar das poucas melhorias que fizeram no piso, de uma casa reconstruída para museu que agora está em ruínas e de onde levaram portas e janelas, dos varandins de proteção colocados junto ao rio ou de os carros terem deixado de vir até perto do restaurante, poucas melhorias nota. "Ninguém fez nada por isto, as coisas têm de se modernizar. Isto é bonito, quando se passa uma semana sem vir cá ficamos com saudades, mas está em ruínas.".O colega Fábio Gonçalves (30 anos) fala do charme do cais, mesmo assim como está - degradado, grafitado mas com a vista fabulosa. Entende que "os apartamentos e os hotéis previstos vão promover Almada, mas é importante não descaracterizar, manter o rústico"..O dia está lindo e Tiago (30) e Dalila Nóbrega (34) vieram do Seixal e trouxeram o bebé Lourenço para dar um passeio e apanhar um pouco de sol. Sempre que vai ao Ginjal, Tiago leva a máquina fotográfica. O cenário encanta-o e, mesmo consciente dos riscos de derrocada dos edifícios (alguns têm esse alerta), teme o curso que poderá levar a reabilitação: "Quando se recupera tendo como ponto de partida atrair os turistas perde-se a identidade.".Tal como o Ginjal, um contraste de modernidade com ruínas, quem frequenta o cais também tem um misto de sentimentos - quer renovação e quer manter a tradição..O arquiteto Samuel Torres de Carvalho definiu assim a obra que projetou: "Conciliar trabalho e habitação, comércio com serviços na proporção adequada para que não seja um lugar onde as pessoas vão dormir, ou trabalhar, onde possam viver. E um lugar apetecível também para que outras pessoas do concelho e arredores, de Cacilhas e Almada Velha, possam ir ao Ginjal e se apropriem dele. Ninguém se quer apropriar de uma língua estreita ao longo do rio sem segurança. Há imaginários e determinadas imagens da cidade de Lisboa que só existem porque existe o Ginjal. Já chegou a hora de o Ginjal existir no imaginário da margem norte."
O cenário é um misto de abandono, degradação e vandalismo com trendy e urban art. O resultado? Um espaço com um charme muito próprio, de onde se tem a melhor vista para Lisboa. O Cais do Ginjal, em Almada, língua ribeirinha junto ao Tejo, vive entre dois tempos - um passado cheio de história e um futuro que teima em ser adiado, mas que promete reabilitar e tornar o velho cais uma zona moderna, com espaços culturais, comércio, serviços e até habitação..As temperaturas fazem adivinhar a primavera, mas os visitantes do Ginjal - muitos deles turistas que atravessam o Tejo no cacilheiro - neste dia de semana só começam a chegar próximo da hora do almoço. O destino são os dois restaurantes que surgem nos guias como lugares a não perder: do Ponto Final e do Atira-te ao Rio desfruta-se de uma vista de cortar a respiração para Lisboa - à esquerda, da Ponte 25 de Abril até Algés, à direita, do Terreiro do Paço até Santa Apolónia. Antes disso, o espaço é sobretudo aproveitado por quem faz o seu jogging matinal ou pelos pescadores que abancam nos pontões, horas a fio, à espera que o peixe pique, um ou outro casal de namorados..Nos restaurantes ainda vazios já se iniciou a azáfama para preparar os almoços. Dulcínia Coelho, 58 anos, proprietária do Ponto Final, sabe bem a sorte que tem: "Tenho o escritório mais lindo do mundo." Ela que anseia pelo início do Plano de Pormenor do Cais do Ginjal, cujas obras chegaram a estar faladas para começarem em 2018. "É um projeto interessante, estamos ansiosos para que aconteça, para que o cais tenha mais vida. Agora, o que tem são os habitantes que vêm correr e os turistas que se deslocam de propósito aos restaurantes. Quando estiver renovado, vai trazer outra vida. O Ginjal é uma varanda lindíssima para Lisboa!".A melhor mesa do mundo, a melhor vista.Dulcínia tem também aquela que já é conhecida como "a melhor mesa de restaurante do mundo" - a primeira do pontão de pedra, onde quem se virar de frente para Lisboa facilmente se esquece de que se está num restaurante, é fácil até esquecer o resto do mundo. A vista é dominante, o rio mesmo ali aos pés e depois a luz tão especial de Lisboa... Foi um cliente que lhe deu o nome depois de regressar de Istambul, onde entre a Europa e a Ásia, divididas pelo Bósforo, desfrutou de uma vista semelhante. Mas, chegado ali, não teve dúvidas - "a melhor mesa do mundo" era aquela, frente a Lisboa. O nome pegou e há quem telefone com meses de antecedência para a marcar..Os clientes de Dulcínia apreciam não só a gastronomia e a vista como todo o espaço, que mesmo degradado pelo tempo e por alguns incêndios, com os edifícios praticamente a cair, o consideram very typical. "Tanto quanto sei, o projeto não é para descaracterizar o cais, mas para o valorizar, mantendo-se a história.".O plano de pormenor do cais, cuja aprovação está agora prevista para este ano, propõe manter a primeira linha de construções, conservando o carácter atual das construções onde funcionaram fábricas, armazéns, oficinas. No entanto, prevê algumas demolições dado a estado avançado de degradação dos edifícios - alguns só mantêm as paredes, não têm portas ou janelas, não têm teto e representam um risco de segurança para quem não resiste a entrar e a fotografar os pátios, as escadarias, os graffiti... Porque mesmo degradado, o Ginjal não deixa de ter a sua personalidade. Também está previsto que as novas construções mantenham as características das atuais..Ver para crer.Há quem pense diferente, que se é para reabilitar, que se faça tudo do zero. "A história é bonita, mas não é bonita a forma como foi tratada. Não podemos olhar para trás como se fosse o futuro", afirma Alexandre Maia, 29 anos, morador do bairro Olho de Boi, onde funcionava a Companhia Portuguesa de Pesca. Fica já depois do Jardim do Rio, para o lado da ponte, fora da zona que terá intervenção..Alexandre vê com agrado a recuperação do Ginjal, ele que muitas vezes atravessa o cais desde o terminal dos barcos de Cacilhas até ao bairro. Acredita que poderá trazer mais segurança a quem ali se desloca, sobretudo à noite. Mas, como tantos outros, quer ver para crer. "Já se fala de reestruturação há tantos anos e não se sabe nada.".Manuela da Conceição, 62 anos, trabalha há mais de duas décadas no Atira-te ao Rio e durante esse tempo já muito ouviu falar da renovação do cais. Mas, apesar das poucas melhorias que fizeram no piso, de uma casa reconstruída para museu que agora está em ruínas e de onde levaram portas e janelas, dos varandins de proteção colocados junto ao rio ou de os carros terem deixado de vir até perto do restaurante, poucas melhorias nota. "Ninguém fez nada por isto, as coisas têm de se modernizar. Isto é bonito, quando se passa uma semana sem vir cá ficamos com saudades, mas está em ruínas.".O colega Fábio Gonçalves (30 anos) fala do charme do cais, mesmo assim como está - degradado, grafitado mas com a vista fabulosa. Entende que "os apartamentos e os hotéis previstos vão promover Almada, mas é importante não descaracterizar, manter o rústico"..O dia está lindo e Tiago (30) e Dalila Nóbrega (34) vieram do Seixal e trouxeram o bebé Lourenço para dar um passeio e apanhar um pouco de sol. Sempre que vai ao Ginjal, Tiago leva a máquina fotográfica. O cenário encanta-o e, mesmo consciente dos riscos de derrocada dos edifícios (alguns têm esse alerta), teme o curso que poderá levar a reabilitação: "Quando se recupera tendo como ponto de partida atrair os turistas perde-se a identidade.".Tal como o Ginjal, um contraste de modernidade com ruínas, quem frequenta o cais também tem um misto de sentimentos - quer renovação e quer manter a tradição..O arquiteto Samuel Torres de Carvalho definiu assim a obra que projetou: "Conciliar trabalho e habitação, comércio com serviços na proporção adequada para que não seja um lugar onde as pessoas vão dormir, ou trabalhar, onde possam viver. E um lugar apetecível também para que outras pessoas do concelho e arredores, de Cacilhas e Almada Velha, possam ir ao Ginjal e se apropriem dele. Ninguém se quer apropriar de uma língua estreita ao longo do rio sem segurança. Há imaginários e determinadas imagens da cidade de Lisboa que só existem porque existe o Ginjal. Já chegou a hora de o Ginjal existir no imaginário da margem norte."