O que distingue os homens dos animais?

Não há interditos em "A Vertigem dos Animais antes do Abate", dos Artistas Unidos.
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"Porque fizemos todo este mal?", pergunta Nilos, um homem destroçado, olhando à sua volta sem perceber como é que se deixou chegar a tal ponto de destruição - das relações familiares, do amor, da vida. Ele viu essa destruição aproximar-se e, no entanto, não conseguiu evitá-la. Não conseguiu resistir-lhe. É essa a vertigem de que fala o título desta peça que os Artistas Unidos estreiam amanhã: A Vertigem dos Animais antes do Abate. E os animais somos nós, claro.

Afinal, o que distingue os homens dos animais? A linha que os separa é demasiado ténue. Para o autor grego Dimítris Dimitriádis, o que marca essa separação é a lei, que cria interditos. Esse é o grande tema que domina o seu teatro, explica o encenador Jorge Silva Melo: "Nós achamos que a razão nos fez dominar a natureza e isso não é verdade, temos de aceitar que a natureza é forte. Pensar que a razão organiza o mundo é uma ilusão do século XVIII." Esta peça é, nas palavras de Silva Melo, "uma tragédia grotesca e animal", uma antítese da Oresteia. "Na Oresteia vamos do animalesco até à civilização e à democracia, aqui há o reaparecimento do animal, como uma força incontrolável, a violência da natureza."

Nilos (interpretação de João Meireles) apaixona-se por Milítsa (Inês Pereira) e decidem casar-se. O seu amigo, Fílon (Américo Silva), é contra o casamento (e pressentimos um interesse sexual pelo amigo) e, naquele momento, prevê uma série de acontecimentos dramáticos que lhe irão suceder. As palavras saem-lhe da boca de forma incontrolável. Como uma maldição. Que acaba por se concretizar. Anos depois, reencontramos o casal feliz com os seus três filhos já jovens. E num instante a felicidade desmorona-se. Todos os interditos são quebrados. O pai não resiste à filha. A mãe apaixona-se pelo filho e engravida. Os irmãos relacionam-se entre si. O amigo da família acaba por se envolver com um dos rapazes. A morte aparece como única saída possível.

E toda esta tragédia acontece perante o olhar do coro composto por três homens - que poderiam ser três funcionários engravatados de uma qualquer empresa e acabam por se revelar como os mensageiros da tal força da natureza, que mais tarde ou mais cedo se revela incontrolável.

Há umas semanas, Dimitriádis enviou um e-mail a Silva Melo e deu-lhe um conselho: "Não escondas nada." Em cena, os segredos deixam de o ser, os desejos vividos à porta fechada acabam por ser assumidos. E é nessa vertigem que nos perdemos.

Informação útil

A vertigem dos animais antes do abate

De Dimítris Dimitriádis

Teatro da Politécnica, Lisboa.

De 13 de setembro a 28 de outubro

Bilhetes: 10 euro

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