Poupança das famílias regressa aos níveis pré-pandemia em 2023
No ano passado, a poupança das famílias atingiu valores que já não eram vistos desde o início do século, mas este comportamento deverá durar pouco tempo. De acordo com as estimativas do Banco de Portugal (BdP), esta almofada vai regressar aos níveis pré-crise sanitária.
"A taxa de poupança regressa ao nível pré-pandemia no final do horizonte [2023]", começa por referir o banco central nacional, esclarecendo que "esta hipótese implica que a poupança acumulada durante a pandemia aumenta a riqueza das famílias no período 2021-23."
O BdP calcula que "a taxa de poupança aumentou de 6,8% em 2019 para 12% em 2020", mas, desta vez, não é explicado apenas pela precaução, "estando em larga medida associado aos receios e restrições que limitaram a despesa, e que se repetiram no início de 2021", explica do supervisor no Boletim Económico de março. E ainda vai continuar durante algum tempo.
"As famílias mantêm estas reservas adicionais num ambiente de incerteza ainda elevada, em que a taxa de desemprego permanece acima do nível pré-pandemia", detalha o BdP, defendendo que a evolução vai depender da capacidade de controlo da pandemia e do ritmo de desconfinamento que se iniciou no passado dia 15 e ainda vai apenas na primeira fase.
Assim, para 2021, o Banco de Portugal estima uma taxa de poupança ainda elevada, 11,7%, caindo para 8,1% em 2022 e 6,9% do rendimento disponível bruto em 2023, de acordo com os dados enviados ao Dinheiro Vivo.
"Num quadro de progressivo retorno à normalidade, considerou-se que este nível agregado de poupança é superior àquele que as famílias veem como desejável para o futuro", ou seja, estão disponíveis para gastar.
Os dados divulgados pelo BdP, corrigidos de variações sazonais, "ainda não incorporam a informação divulgada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) no dia 26 de março relativa às contas nacionais trimestrais por setor institucional para o quarto trimestre de 2020" e o mesmo acontece para revisões dos anos anteriores, daí a divergência com os valores do gabinete de estatística, segundo o qual a taxa de poupança atingiu os 12,8%, a mais elevada desde 2002.
Tudo vai depender da evolução da pandemia, do surgimento de novas variantes e do ritmo a que a população é imunizada. O Banco de Portugal traça alguns cenários para avaliar a amplitude dos resultados dependendo do que acontecer nos próximos meses.
"No cenário favorável, o melhor controlo das infeções e o levantamento mais rápido das medidas de contenção traduzem-se numa redução da incerteza e num aumento da confiança dos agentes económicos", conduzindo a maior consumo. O BdP assume que "as famílias gastam parte da poupança acumulada em 2020, em larga medida de natureza forçada, o que permite repor mais rapidamente a despesa adiada durante a pandemia."
Se assim for - num cenário em que tudo corre bem -, o Banco de Portugal acredita que os gastos das famílias até podem subir mais depressa do que o esperado no cenário central admitido nas previsões conhecidas na sexta-feira passada. "Neste contexto, o consumo privado cresce acima do considerado nas projeções deste boletim (3,1% em 2021, 4,7% em 2022 e 2% em 2023), para o que contribui uma taxa de poupança temporariamente inferior à observada antes da crise pandémica."
Já num cenário adverso (com uma "disseminação mais gradual da vacina e o surgimento de novas variantes", com eventuais novos confinamentos), "para além do impacto negativo na confiança dos agentes económicos, a manutenção de medidas de contenção e os receios de contágio implicam uma evolução mais contida do consumo privado, em particular de serviços mais expostos ao contacto pessoal."
Também o ministro das Finanças admitiu que uma taxa de poupança elevada pode representar mais uma ajuda à retoma. "No global, não todas porque houve muitas famílias que foram negativamente afetadas, houve um aumento significativo da poupança das famílias que permite também ser um fator adicional de estímulo à recuperação na fase seguinte", afirmou na conferência de imprensa de reação aos dados da economia divulgados pelo INE nessa manhã.
É um efeito clássico em tempos de crise: as famílias de maiores rendimentos conseguem constituir uma almofada mais generosa do que os agregados de baixos salários.
"A evidência aponta para que a acumulação de poupança em 2020 tenha estado mais concentrada nas famílias de rendimentos mais elevados, cuja propensão marginal para consumir é menor", ou seja, por cada euro a mais de rendimento não gastar todo esse valor, poupando uma parte.
"As compras com cartões bancários mostram que os indivíduos de consumo alto reduziram mais acentuadamente as suas despesas em 2020 do que os indivíduos de consumo baixo", sublinham os economistas do Banco de Portugal.
Além disso, os dados do INE têm mostrado que a perda de rendimento - seja por lay-off, seja por perda do emprego - tem acontecido mais nos grupos de trabalhadores com salários mais baixos e menos qualificados e também com contratos mais precários. É um universo que, já em condições normais, tem pouca capacidade de poupança, uma vez que as despesas correntes absorvem boa parte ou a totalidade do rendimento.