O professor despediu-se à Presidente com esperança no futuro de Portugal
Ainda Marcelo Rebelo de Sousa não tinha começado a falar e as palmas já eram muitas, houve mesmo quem se levantasse no balcão da Aula Magna. Às 17.02, o professor começava a sua Oração de Sapiência, a aula que marca a sua despedida da Universidade de Lisboa. Ou não. Marcelo afirmava à chegada que esta seria mesmo a sua última aula, o reitor Cruz Serra fez questão de dizer que a Universidade de Lisboa não pode prescindir de contar com ele como distinto professor.
Mas foi na voz de Presidente da República que terminou a sua intervenção. "Portugal viveu uma crise aguda que procura não repetir. Com a crise, a universidade sofreu muito, como toda a sociedade, um atraso penoso e de difícil recuperação." As palavras finais do Chefe do Estado foram, contudo, de esperança no futuro da universidade, da educação como penhor da igualdade.
Marcelo falou cerca de meia hora, cruzando o seu percurso académico com as transformações históricas, económicas e sociais que se deram no mundo. E fê-lo por décadas. Desde 1966, ano em que entrou na Faculdade de Direito como estudante, até 2016, quando foi eleito Presidente da República. Falou de si na terceira pessoa, o estudante, o professor, o catedrático...
"A universidade, a minha universidade foi sempre a minha praça-forte, a minha casa mater, o meu último refúgio. Tudo quanto fiz ou faço em tantos outros domínios fi-lo a partir dela e por causa dela", afirmou, acrescentando: "E depois de cada incursão, fora dela, à minha escola regressava sempre, sem exceção, jubiloso ou derrotado, pois era ela a verdadeira vocação da minha vida."
O Presidente da República declarou que estará "grato para sempre" à sua universidade: "Ao caminhar para o fim de uma fascinante aventura, como não agradecer a esta universidade a vida inesquecível que me proporcionou?"
Mas foi na voz de Presidente da República que terminou a sua intervenção. E as palavras do Chefe do Estado foram de esperança no futuro da universidade, da educação como penhor da igualdade. "Esperança no futuro de Portugal."
Marcelo Rebelo de Sousa, que é professor da Faculdade de Direito desde 1972, fez questão de frisar que o separam menos de 90 dias da imperativa, do termo final da docência plena - na Universidade de Lisboa passou 46 - e "todas as universidades são um poço de desafios".
Mas ele acompanhou-os, conseguindo ao mesmo tempo manter a participação cívica, e na década de 1980 passou na universidade os tempos mais felizes da sua vida académica, da Católica à Nova, do Porto às universidades da lusofonia. Foi nesses tempos que recordou a experiência inesquecível de dirigir a faculdade em sistema colegial.
Muitas personalidades estiveram na Aula Magna para ouvir a última aula de Marcelo. Altas individualidades do Estado e da Justiça, ministros e secretários de Estado. Mas um em particular - o do Ensino Superior, Manuel Heitor - ficou com as orelhas a arder com as palavras demolidoras do reitor da Universidade de Lisboa, que aproveitou a cerimónia de abertura do ano académico para criticar a política governativa para o setor. Desde o sistema de colocações ao financiamento das universidades, passando pelas intromissões na autonomia universitária.
"O total de 7214 novos estudantes que neste ano recebemos é lamentavelmente menor do que em anos anteriores", disse numa alusão à decisão do governo de fechar vagas em Lisboa e no Porto, o que levou a que alunos com 18 não tivessem vaga.
As universidades de Lisboa e Porto perderam 1066 vagas, sublinhou, enquanto 31 instituições de Algarve, Ilhas, Aveiro, Coimbra e Minho recebem apenas mais 98 alunos do que no ano anterior.
Houve festa na Aula Magna da Universidade de Lisboa, que nesta tarde se encheu de gente para assistir à última aula de Marcelo Rebelo de Sousa como professor da Faculdade de Direito. Não parece uma aula e, se dúvidas houvesse, a marcha da universidade, Pompa e Circunstância, daria o mote para a solenidade do acontecimento.
"É um dia diferente, emotivo. Quando digo que é a última aula, é mesmo a última", disse Marcelo à chegada.
Antes, à entrada da Reitoria, Marcelo teve outra receção, a de um conjunto de estudantes que lhe entregou uma carta com várias reivindicações, como o fim das propinas ou o direito a alojamento. E que lhes pediram para fazer cumprir a Constituição no que respeita à garantia da educação. Marcelo disse que está atento. Os estudantes ripostaram que os orçamentos do Estado vão sendo aprovados e pouco é feito por eles.
Marcelo está sentado no centro do palco, ladeado por Leonor Beleza, amiga de longa data e presidente do Conselho Geral da Universidade, e pelo reitor Cruz Serra.
Muitas personalidades da política estiveram no Salão Nobre, entre eles dois ex-presidentes da República Jorge Sampaio e Ramalho Eanes. Também estiveram Jaime Gama e Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite, deputados, líderes parlamentares, presidentes dos tribunais superiores.
O cortejo académico de professores e alunos que representam as várias faculdades foi saudado efusivamente. Marcelo recebeu das mãos de Alexandre Paço, da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, a capa com os emblemas da universidade, "porque é a capa que acompanha o estudante e guarda todas as suas memórias."
Marcelo, na sua última aula, não se prolongou a falar das memórias de que falava Alexandre Poço. O professor, que a certa altura designou como "o último moicano no ativo licenciado na pré-história, numa referência à sua atividade universitária, foi diferente daquilo que se esperava. Contido. Histórico.
Cá fora, na Alameda da Universidade, onde havia um ecrã gigante para o ouvir, a festa dos estudantes continuou. Com música pela noite fora.