O potencial explosivo do elo Putin-Trump

Com o milionário aos comandos, os EUA vão aproximar-se de Moscovo, mas parecem ter escolhido a China como inimigo número um
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O bromance - esse romance de irmãos (brothers) - entre Donald Trump e Vladimir Putin começou durante a campanha e prossegue agora que o milionário venceu as presidenciais americanas. Trocaram elogios - Trump considerou Putin um líder forte, "melhor" do que Barack Obama; Putin saudou uma pessoa "brilhante" - e o presidente eleito dos EUA não hesitou em escolher um homem muito próximo do líder russo para chefiar a diplomacia americana. Com Trump na Casa Branca a partir de 20 de janeiro, ninguém duvida de que o mundo vai assistir a um novo eixo Washington-Moscovo. Mas como é que duas personalidades fortes como Trump e Putin vão lidar um com o outro?

"Ao início, acredito que Putin vai ser amigável e tentar encantar Trump para reforçar os laços entre Washington e Moscovo. Mas a determinada altura vão entrar em choque. Só não acredito que Putin se arme em duro com Trump até sentir que é mesmo necessário", explicou ao DN Aaron Mehta, correspondente no Pentágono da revista online Defense News. Mas, para já, a lua-de-mel entre o ex-agente do KGB e a ex-estrela do reality show The Apprentice vai de vento em popa. E com Rex Tillerson, CEO da Exxon Mobil que desde os anos 90 cultiva uma relação com o líder russo, é de esperar que "a administração Trump venha a trabalhar com a Rússia e com o governo de Bashar al-Assad para derrotar o Estado Islâmico [ISIS] na Síria em troca de [os EUA] permitirem a Assad ficar [no poder]", acrescenta o jornalista.

Não é só na Síria que uma aproximação entre os velhos rivais da Guerra Fria pode mudar a geopolítica mundial. Na campanha, Trump não só questionou o papel da NATO como criticou os restantes aliados por não contribuírem tanto quanto deviam para a organização, confiando que os EUA continuariam a garantir a sua segurança. É verdade que entretanto suavizou as declarações e até nomeou o general James Mattis, que trabalhou com a NATO e é um defensor da Aliança Atlântica, para secretário da Defesa. Mas, "ao tentar enfraquecer a NATO, Trump tem um objetivo comum com Putin", sublinha ao DN Tim Sieber. O professor da Universidade do Massachusetts refere ainda que a simpatia do novo presidente americano "pela oposição nacionalista e extrema-direita europeia" - Nigel Farage, o ex-líder do eurocético UKIP e figura-chave do brexit, foi dos primeiros dirigentes recebidos na Trump Tower - pode levá-lo a adotar uma "política externa que contribua para o enfraquecimento da União Europeia".

Sem experiência política, Trump é uma incógnita em termos de governação. Do que pensa, pouco se sabe, a não ser o que prometeu na campanha, o que o programa oficial diz (de forma vaga) e o que vai tuitando. E foi no Twitter que o presidente eleito incendiou a maior polémica desde a sua vitória nas presidenciais de 8 de novembro. Após ter atendido um telefonema da presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, Trump não hesitou em pôr em causa a política de uma só China - seguida pelos EUA desde 1979 e que considera a ilha onde se refugiaram os nacionalistas de Chiang Kai-shek após a vitória dos comunistas de Mao Tsé-tung na revolução chinesa como parte integrante da República Popular da China. E acusou Pequim de desvalorizar a concorrência desleal e taxar em excesso os produtos americanos. Pequim reagiu com cautela, dizendo-se "preocupada", mas os media oficiais descreveram Trump como uma "criança ignorante".

"A China não quer entrar numa guerra com os EUA nos próximos quatro anos. Mas consigo prever uma escalada na guerra comercial", explica Aaron Mehta. O jornalista acredita que para a administração Trump "a China e o ISIS são as duas maiores ameaças aos EUA".

Quanto ao muro na fronteira com o México - das promessas mais sonoras de Trump -, Sieber acredita que a política de imigração do novo presidente "vai ser mais dura em relação à imigração, tanto legal como ilegal, mas através de outros meios que não o muro". Até porque, lembra, a fronteira já é muito militarizada.

Com alguém tão imprevisível (e inexperiente) como Trump à frente da única superpotência mundial, a questão é "saber como é que as outras potências vão reagir ao seu estilo pouco convencional", admite Mehta. E, sobre o futuro, o jornalista diz ser "o desconhecido" e estará à espera "do caos".

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