"O PCP não parte para o debate do Orçamento com pedras no sapato"

Horas depois do debate em que António Costa assumiu pela primeira vez que a Geringonça foi um processo iniciado com o PCP a que depois se juntou o Bloco, o líder comunista fixa-se nos pontos essenciais para o partido dele, mas não dramatiza o OE2019 ou a renovação de votos com o PS.
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É de Jerónimo de Sousa a frase que terá sinalizado, logo na noite eleitoral de 4 de outubro de 2015, que algo ia mudar na política portuguesa: "Com este quadro o PS tem condições para formar um governo"; dias mais tarde, haveria de reformular a tese, colocando ainda mais pressão sobre os socialistas: "O PS só não forma governo se não quiser". Passados quase três anos e à beira do último Orçamento do Estado da atual legislatura, o Secretário-geral do PCP aproveita esta conversa com o DN e a TSF para acalmar um pouco o clima de tensão em que a Geringonça viveu nas últimas semanas.

Aqui chegados, ao final da sessão legislativa, estamos a alguns meses do início da discussão do Orçamento do Estado. Pode o PCP dizer que o PS só não terá Orçamento do Estado aprovado se não quiser?

Em relação a essa questão, quero dizer que não se deve confundir as coisas. A solução política encontrada resultou de uma conjuntura muito concreta, designadamente pelo facto de o PSD e o CDS terem perdido a maioria absoluta. Creio que, na altura, Passos Coelho foi vítima do seu próprio engano quando proclamava que as eleições eram para primeiro-ministro e o PSD ficou como o primeiro partido, esquecendo que o que determina é a composição e a arrumação dos deputados na Assembleia da República. Neste quadro, tendo em conta que o PSD e o CDS ficaram em minoria, havia uma solução política e, nesse sentido, nós, depois de uma avaliação concreta com base no sentimento prevalecente que existia na sociedade portuguesa - particularmente nos trabalhadores e no povo português que foram profundamente fustigados por uma política de terra queimada, de cortes nos direitos, de cortes nos salários, nas reformas, nas pensões, de redução da proteção social, em que semana sim, semana sim, havia mais uma medida de retaliação e de corte -, o sentimento de afastar o PSD e o CDS do governo era muito forte.

Essa mesma lógica não pode ser aplicada agora à questão do Orçamento decisivo para terminar esta legislatura?

Creio que todos os Orçamentos foram decisivos nestes dois anos e meio. Aquilo que nós consideramos é que não se alterou, do nosso ponto de vista, uma questão que é central, que é a de saber se - tendo em conta o processo dos outros Orçamentos do Estado onde foi possível incluir medidas de reposição de direitos, de rendimentos, que foram importantes, embora insuficientes, embora limitados, onde se seguiu um caminho de uma vida melhor para os trabalhadores e para o povo -, vamos ou não continuar, neste quadro, neste Orçamento ou nesta proposta de Orçamento que ainda não é conhecida, não existe em matéria de facto, nesta linha de reposição, defesa e conquista de direitos. Nós entendemos que isto é um elemento fundamental porque os avanços, que nós valorizamos muito pois são uma série de questões que hoje se refletem na vida dos portugueses trabalhadores, reformados e nas famílias, são para continuar ou, tendo em conta a existência e opções por parte do PS, se se trava e interrompe este caminho de progresso que existiu nestes dois anos e meio. Esta é a questão central.

Então, o que será necessário, o que é que o PCP tem de alguma forma garantir para que seja possível ao partido viabilizar este próximo Orçamento?

Por enquanto estão a fazer juízos de valor, como percebem não existe ainda uma proposta de Orçamento do Estado, encetou-se o processo de conversa, de encontros com o Governo do PS onde é possível procurar identificar nalgumas questões que estão colocadas se é possível, sim ou não, a continuação da reposição dos rendimentos para os trabalhadores, a valorização das reformas e das pensões, o alargamento para o 12º ano a gratuitidade dos manuais escolares; se é possível dar resposta às pessoas com deficiência onde entendemos que se pode e deve ir mais longe; se é possível aliviar a carga no plano fiscal sobre os trabalhadores e as famílias. E, no plano mobiliário, no plano dos grandes dividendos de grandes empresas que arrecadam fortunas e fortunas que, infelizmente, nem sequer ficam cá, vão para o estrangeiro, se é possível uma tributação do capital e um alívio da carga fiscal para as famílias.

Pela experiência que tem desta relação de três anos e deste início de conversas a caminho do Orçamento, diria que está mais para o sim do que para o não?

É prematura ter uma posição abalizada, garantida, na medida em que nós temos este conjunto de ideias, de propostas, mas começamos a encontrar algumas dificuldades pelas razões de opção do próprio Governo do PS. Penso que esta questão, por exemplo, do peso dos constrangimentos que nos são impostos pelo euro e pela União Europeia, e o próprio grau de submissão do Governo a essas regras, exigências e imposições, podem limitar as soluções necessárias. Ou seja, fico preocupado quando me vêm contrapor o dinheiro para o IP3 ao dinheiro para salários, quando a questão de fundo que se devia colocar era o IP3 e a redução da dívida ou do serviço da dívida. Agora, o IP3 ou salários, sim ou não, tendo em conta esta opção do Governo de fazer esta redução do défice a mata-cavalos... Estamos ainda numa fase preliminar, mas eu acrescento aqui: com preocupação. Com preocupação porque houve avanços, como já referi, que nós valorizamos mas há muita coisa por fazer.

Muitas destas propostas que referi nem são em relação a direitos novos. A necessidade de reposição de direitos ainda está por fazer em muitos aspetos, tendo em conta a obra de destruição do Governo anterior. Eu sei, tenho consciência disso, de que é mais fácil destruir do que construir, e aqueles quatro anos foram de destruição profunda no plano social, no plano económico, mas acho que uma das lições que se pode tirar deste processo de avanços verificados foi a constatação de que a própria economia - ao contrário do que a direita afirmava: que iria ser impeditiva do desenvolvimento e do crescimento económico - provou, com o aumento do poder de compra, com o aumento do consumo interno, que beneficiou com isso. É uma experiência e uma lição.

De que, na prática, havia outra receita.

Sim, e a vida provou isso. Não fomos nós que inventámos os números, não estamos aqui a fazer propaganda.

É possível compatibilizar estes avanços que o PCP tem como preocupação todos os dias com as tais metas definidas pela União Europeia, no seu entender?

Há uma contradição que tem de ser resolvida. O Governo sempre achou que sim, que era possível manter esta linha de reposição de rendimentos e direitos e, simultaneamente, corresponder a todas as imposições que...

...e tem conseguido?

Bom, por isso é que é estranha essa afirmação procurando confrontar obras necessárias nas infraestruturas com a questão dos salários. Ora, nós sabemos que um dos problemas estruturais, hoje, do nosso país é a necessidade de atender aos serviços públicos, às infraestruturas necessárias, designadamente aos transportes nas redes viárias e, nesse sentido, há aqui, de facto, essa contradição que leva a que se acabe a ideia peregrina que havia de que era possível fazer a quadratura do círculo.

Foi possível e está esgotado esse caminho? Entende, portanto, as palavras de Augusto Santos Silva quando ele disse que é preciso, para se avançar um pouco mais, que se fale de Europa?

Essa afirmação da segunda figura do Governo levanta uma questão importantíssima, independentemente da forma. A afirmação redunda em que o maior compromisso do Governo é com as regras da União Europeia e o euro, mas para o PCP, a questão primeira e principal, a questão maior - usando a expressão do senhor ministro dos Negócios Estrangeiros - é que o nosso primeiro e principal compromisso é com os trabalhadores e com o povo português. Há aqui uma conflitualidade insanável tendo em conta essa opção, porque levada à prática essa afirmação, naturalmente priorizará sempre essas opções e essas imposições em desfavor daquilo que nós consideramos fundamental, que é pensar nos trabalhadores e no povo português numa perspetiva de progresso.

Então, para clarificar: nas primeiras reuniões que tiveram de preparação - ainda reuniões muito prévias de conversa sobre o Orçamento do Estado para 2019 - perceberam que essa conversa do Governo em privado não casa com a frase que o primeiro-ministro disse no debate do Estado da Nação na sexta-feira, em que referiu que este seria um Orçamento de continuidade, de equilíbrio entre a reposição de rendimentos e a redução do défice; o que ouviram entre portas foi que há limites a esta estratégia?

Bom, insisto no conteúdo daquela afirmação, acho que o senhor ministro não falou sozinho. Enfim, é uma questão que ainda está por esclarecer, mas mesmo nessas conversas preliminares - ainda muito verdes em termos de conclusões, de orientações, estamos ainda muito numa fase de exame comum -, este é o ponto onde estamos, por isso surpreende essa afirmação, mas estamos a falar da segunda figura do Governo do PS, não estamos a falar de um deputado do PS.

Que foi logo de seguida contrariado pelo primeiro-ministro...

Pois, eu não sei se é um desacerto em termos internos mas, obviamente, nós não vamos cair na armadilha de esmiuçar e ficarmos indignados com a afirmação. Antes pelo contrário, o que nós dizemos é que ela comporta um posicionamento político e uma opção de fundo que teria consequências, designadamente na discussão do próprio Orçamento do Estado.

Mas acha que entre a União Europeia e os atuais parceiros de coligação, António Costa tem escolhido a União Europeia?

Eu quero dizer com uma grande franqueza que desde o princípio, desde o início deste processo, desde que se iniciou esta nova fase da vida política nacional ficou claro, em primeiro lugar, uma coisa: o nível de convergência estava consubstanciado na posição conjunta entre os dois partidos.

Nos documentos que foram assinados?

É isso que define o grau de compromisso. Como disse, desde o início que ficou claro a diferença e a divergência que existe entre os dois partidos. Diferenças e divergências que sendo claras e assumidas não conduziam a qualquer crispação ou confronto ou conflitualidade. Ativemo-nos à posição conjunta, procurámos ir mais longe do que o próprio Governo do PS pretendia, diga-se, e é verdade no caso das reformas e das pensões que não estava no programa do Governo, não estava no programa do PS e a nossa persistência - não direi teimosia -, a nossa insistência levou a que se conseguisse alcançar esse objetivo. Portanto, isso ficou claro desde a primeira hora, o que desmente este posicionamento de setores que falam muitas vezes da existência de um Governo de coligação, de uma coligação PS/PCP; da nossa parte é claro que não, tendo em conta estas diferenciações de fundo que existem em relação ao posicionamento face à União Europeia.

Para que fique claro: o que o senhor está a dizer é que há muito poucas possibilidades, em matéria de política externa e de política europeia como um todo, e voltando à frase do ministro Santos Silva, de haver um patamar de entendimento generalizado entre o PCP, PS e Bloco, embora eu perceba que o senhor não responderá pelo Bloco de Esquerda, naturalmente?

Naturalmente, ao Bloco o que é do Bloco, mas o que eu acho sobre essa matéria é que é a própria vida, é o curso da União Europeia, a realidade de uma UE que vive uma crise, porque existe uma crise na e da UE, não é só o problema do Brexit, são estas opções, designadamente no plano militarista, por uma linha cada vez mais acentuada de neoliberalismo, federalismo e militarismo, com um diretório de potências a continuar a determinar de uma forma estratégica todos os andamentos da UE.

Aliás, esta questão dos fundos comunitários é bem o exemplo disso, por exemplo, em relação aos fundos de coesão, tendo em conta a realidade do país, com as suas assimetrias, nomeadamente no plano regional, haveria necessidade de mais investimento e a verdade é que vão reduzi-lo, com consequências para a nossa agricultura e para a coesão territorial. Portanto, há esta caracterização que fazemos da União Europeia; nós não dizemos não porque não, dizemos não, por razões de afirmação da nossa soberania nacional. Nós fazemos esta opção, enquanto o senhor ministro Augusto Santos Silva faz outra opção.

Falou há umas semanas do mito da quadratura do círculo, de que tinha terminado a ideia de que era possível repor direitos e rendimentos aceitando as regras da União Europeia. Que sinais é que espera por parte do PS - entre esta altura e outubro quando tiver de se entregar o Orçamento - que lhe demonstrem que este mito ainda continua vivo?

Bom, é ao pé do pano que se talha a obra, não é verdade? [Risos] Enquanto não tivermos uma proposta de Orçamento do Estado, naturalmente que o nosso posicionamento vai ser continuar este processo de exame comum - e este é o compromisso, insisto, que está inscrito, designadamente na posição conjunta, o exame comum da proposta do Orçamento - mas, de uma forma preliminar, nós, por uma questão de lealdade e de franqueza vamos colocar ao Governo do PS aquilo que consideramos que deveria ter desenvolvimentos. A questão do salário mínimo nacional não é uma coisa pequena; existe, do nosso ponto de vista, a questão da continuação da valorização das reformas e das pensões, incluindo, por exemplo, a questão das longas carreiras contributivas, em que ficámos a meio caminho e há que continuar, aliás, até houve a disponibilidade do próprio primeiro-ministro para uma consideração de aprofundamento e desenvolvimento nesta matéria. A questão da universalização do abono de família para todas as crianças, a par, naturalmente, de uma preocupação que temos: hoje se fala muito das novas gerações, mas as novas gerações têm sido confrontadas com uma situação dramática de precariedade dos vínculos laborais que lhes criam uma insegurança e uma instabilidade em relação a fazer vida, a constituir família. Afeta até as possibilidades sociais, por exemplo, em relação a creches, à escola, e se não se responde a estas interrogações das gerações mais jovens, nós podemos ter aqui um problema de fundo. Fala-se tanto do défice demográfico mas eu, falando com muitos jovens, à porta de um call centre ou mesmo uma empresa de têxteis, de muitos sítios onde tenho ido, noto ali uma grande insegurança porque têm um contrato a prazo, um trabalho temporário que lhes limita as opções e até, diria, a capacidade de sonhar.

Jerónimo de Sousa, duas questões muito práticas em relação à altura da votação do Orçamento. O acordo da CDU permite que o PCP tenha um sentido de voto numa votação como a do Orçamento de Estado diferente do Partido Ecologista Os Verdes?

Em todo este processo, o Partido Ecologista Os Verdes agiu com inteira liberdade, com posições próprias, em que, naturalmente, há muita convergência em muitas matérias. Há outras prioridades que Os Verdes têm, mas que não são impeditivas de reconhecer o mérito do papel construtivo que tiveram. Nunca se colocou essa questão de reuniões bilaterais em que o PCP quisesse influenciar a posição d"Os Verdes.

Seria possível um cenário em que o PCP se abstivesse na votação do Orçamento do Estado e Os Verdes votassem a favor?

Nós não estamos com uma pedra no sapato. Eu queria, com uma grande franqueza, dizer aqui ao Diário de Notícias que nós agimos com uma grande frontalidade; quero também dizer que por parte do primeiro-ministro, em particular, sempre houve também esse posicionamento. Houve naturalmente dureza, firmeza, frontalidade, mas creio que podemos dizer que houve sempre uma grande honestidade entre as duas partes. Por isso mesmo é que nós não estamos a fazer contas em relação ao nosso posicionamento de voto; insisto nesta ideia de que estamos em fase de exame comum. Perante a proposta em concreto e perante os seus conteúdos, decidiremos em conformidade, não há nenhuma novidade em relação a anos anteriores nesta matéria.

Gostava de lhe colocar um cenário, sei que me vai dizer que não é analista político, mas gostava de obter a sua opinião. Se num cenário limite, o PSD viabilizasse este Orçamento, o PCP consideraria ou não que o Governo tinha condições para se manter em funções? Imaginando que a solução da viabilização deste Orçamento não é aquela que é expectável, e desculpe-me a utilização da palavra expectável mas é dentro daquilo que temos vivido como cenário político, ou seja, ele não é viabilizado pelo BE e pelo PCP e é viabilizado com uma abstenção ou de outra forma pelo PSD. Há condições para este Governo continuar em funções?

Bom, em termos formais, naturalmente que sim. Seria mau, digamos assim, o PSD viabilizar o Orçamento porque o PSD pode ter muitos defeitos, mas parvo não é; isso teria que ter consequências concretas nos conteúdos do próprio Orçamento, o que seria um mau sinal. Como disse, eu não vou fazer de analista político, até porque seria profundamente negativo estarmos a trabalhar, e com esta disponibilidade que eu referi, com reserva mental. Acho que isso seria o pior. Portanto, é perante a proposta concreta de Orçamento e os seus conteúdos - eu insisto muito nisto -, numa visão dinâmica de reposição de rendimentos e direitos que nós estaremos e decidiremos.

O Presidente da República de uma forma mais velada, e o primeiro-ministro com palavras bastante claras numa entrevista ao DN, deixaram muito claro que a não aprovação do Orçamento teria como consequência imediata uma crise política, uma demissão do primeiro-ministro e a convocação de eleições antecipadas. Considera isto uma forma de pressão e se sim, acha legítima? Vinda de quem vem.

Eu admito que seja uma forma de pressão, mas quero acrescentar que só quem não conhece o PCP é que pensa que poderia ter efeitos exercer pressão que limitasse a nossa autonomia e independência no plano da decisão. Portanto, não vale a pena pensarem nisso porque um partido como o nosso que naquela noite das eleições deu uma contribuição decisiva para ser encontrada a solução política, fê-lo com coragem. Com coragem, tendo em conta que nós conhecíamos o Partido Socialista e os seus posicionamentos. Sabíamos tudo isso, mas pensámos no que é que era melhor para a democracia, para o povo português e fizemos aquela proposta, se assim entendermos, com uma grande consciência de que estávamos libertos de qualquer pressão. Decidimos por nós próprios. Como em qualquer evolução noutro sentido, a decisão será sempre do PCP porque não vale a pena fazerem pressões que não resultam. Aliás, já o dissemos publicamente.

Deixe-me fazer a pergunta ao contrário: Qual seria o problema para o PCP de haver eleições antecipadas tendo em conta que, aliás, boa parte daquilo que acordou com o PS e que permitiu esta solução de governo, está na prática cumprida?

Ainda há matérias que estão por resolver e direitos que foram eliminados ou cortes que se verificaram que ainda devem ser repostos. Naturalmente, admito que houve uma conjuntura concreta que decidiu a solução concreta. Mas aquilo que nós dizemos é que o problema não é haver ou não eleições. Estando em democracia não deveremos ter receio de qualquer eleição, é uma consulta ao povo português que decidirá. Mas aquilo que nós consideramos é que a bola não está do nosso lado, é o PS que tem que responder a estes anseios, a estas aspirações, a tanta queixa que existe, aos problemas reais no plano social, decorrentes desta situação em que se encontra o SNS, a questões como a da habitação, das infraestruturas nos transportes. Tantos problemas por resolver que constituem a primeira e principal preocupação dos portugueses, não é haver ou não eleições, querem é isto resolvido. No fundo, quando se dirigem a nós, este é o sentimento que vem: "Olhe para a minha reforma"; "Olhe, tenho o vínculo precário"; "Vou acabar o contracto e não sei o que hei de fazer". Estas são as preocupações que vêm do terreno onde nós andamos permanentemente.

Disse na sexta-feira no debate do Estado da Nação que o caminho feito até agora com o Governo do Partido Socialista tinha sido limitado e insuficiente. Se assim foi, o que é que tem mantido o PCP agarrado a esta solução?

Os passos em diante, mesmo que tímidos, são sempre positivos. Nós temos a teoria de que quanto pior, pior. Esta coisa do quanto pior, melhor não resulta. Não é fator de empenhamento e disponibilidade, designadamente para a luta, defender uma política de "façam lá pior que depois lixam-se nas próximas eleições," passe o termo. E por isso mesmo é que valorizamos estes avanços; insuficientes, limitados é verdade, podíamos ter ido mais longe, é um facto, mas isto não invalida o valor que têm. Vocês não imaginam, por exemplo, este aumento pequeno de dez euros nas reformas e nas pensões, o impacto que teve nas pessoas. Possivelmente não resolveu a vida de muitos, como é natural sendo um valor tão pequeno, mas aquela satisfação de não sentir o perigo do corte ou do congelamento e ver esse aumento deu um sentimento, não digo de alegria, mas de conforto às pessoas. Por isso mesmo é que essa ideia do quanto pior, melhor connosco não resulta.

Dizia também que "à legislação laboral o que é da legislação laboral, ao Orçamento o que é do Orçamento," o PCP vai conseguir manter estas águas separadas durante o debate do Orçamento?

Em relação ao Código do Trabalho e às propostas de alteração da legislação laboral, eu diria que é um processo marcante. Marcante porque o PS não se conseguiu libertar de traços da política de direita. Eu considero que esta questão dos direitos dos trabalhadores é a zona de fronteira entre a esquerda e a direita. E o PS, afirmando-se um partido de esquerda, mantém o cutelo da caducidade dos contratos coletivos, um direito importantíssimo que vem de uma luta até de antes do 25 de Abril - eu era um jovem dirigente sindical antes do 25 de Abril e lutávamos pelo contrato coletivo, e conseguimos -, portanto, como é que se admite uma proposta de negociação entre as partes e haver uma que tem uma arma mortífera que é "ou negoceias como eu entendo, ou acabo o contrato." Ou, por exemplo, uma outra medida que é, caducado o contracto, o trabalhador ter o direito pelo menos de aquilo que é legal, aquilo que está na lei lhe ser aplicado, o chamado tratamento mais favorável que corresponde, no essencial, ao espírito e à letra da própria Constituição da República, na parte laboral, nos artigos 53º, 54º, 55º, 56º. Portanto, o Partido Socialista não se libertou dos seus constrangimentos perante os interesses do grande patronato e faz uma definição ideológica que contraria o posicionamento de esquerda.

O ministro do Trabalho, sentado nessa mesma cadeira, dizia há duas semanas que a proposta do Governo vai alargar a negociação coletiva e vai precisamente fazer retornar essa questão do tratamento mais favorável.

[Risos] O diabo sabe muito, não é por ser diabo é por ser velho. Essa estatística que foi apresentada pelo senhor ministro do Trabalho até pode ter alguma verdade que é negociar um contrato sob uma imposição daquilo que é determinante para a entidade patronal. Ou seja, eu quero negociar um contrato consigo desde que você abdique da questão do horário de trabalho - fazendo aqui um banco de horas -, que aceite que acabe o feriado municipal; isto é, um conjunto de propostas que, se forem aceites, está aqui um contrato coletivo, só que é um contrato coletivo mais empobrecido porque o patrão, com base na tal proposta da caducidade dos contratos, pode impor o corte de direitos e regalias que estão contidos nesse mesmo contrato coletivo. É por isso que, podendo ser verdade, é uma verdade relativa.

É um equilíbrio de forças, portanto?

Claro. Eu lembro-me - era constituinte -, de que houve uma grande discussão entre saber se seriam equitativos os interesses dos trabalhadores e os interesses do poder económico. Foi uma discussão impressionante, mas os constituintes fizeram uma opção, que está vertida ainda na Constituição da República, pelo lado dos trabalhadores, pelo lado da parte mais fraca. Aqui, o Governo, nessa matéria da contratação coletiva, não fez isso.

Se na próxima noite eleitoral (das eleições legislativas) os resultados apontarem para um quadro semelhante ao atual, vai ser possível voltar a ouvir o Jerónimo de Sousa dizer que o PS só não forma o Governo se não quiser?

Eu não sou capaz de fazer futurologia...

Isto é outra forma de lhe perguntar se está arrependido.

Não, nem eu nem o meu partido, porque demos uma contribuição valiosa, pois sem o PCP não se teria ido tão longe. Demos uma contribuição valiosa nesse processo de reposição de rendimentos e direitos. Podíamos dizer que até houve uma reposição que nunca é falada: a reposição da esperança, de que era possível outro caminho em vez daquele que foi seguido durante quatro anos, de que era possível reformas mais justas, salários mais justos, de que era possível voltar a ter os feriados que foram tirados aos trabalhadores, de que era possível aumentar as reformas e as pensões, o abono de família. Isto, com todas as insuficiências, sublinho, repôs um pouco a esperança que estava a ser perdida pela violência dos últimos quatro anos.

E num cenário semelhante, o PCP admitiria integrar um Governo liderado pelo Partido Socialista nas próximas eleições?

Ao Partido Comunista Português coloca-se sempre a questão, naturalmente, de se estamos em condições de assumir as responsabilidades governativas, mas há uma pergunta primeira a fazer: Para fazer o quê? Para partilhar que política? Sem esta questão dirimida, naturalmente que essa questão do governo está condicionada. Nós defendemos uma política alternativa e quando o povo português o entender assumiremos essa responsabilidade.

Podemos dizer que chegados aqui o país está melhor, três anos depois, mas a geringonça está pior?

Não. Podemos dizer que o país está melhor, mas continua com muitos problemas por resolver, o que só será possível com uma política diferente, com uma política alternativa que nos liberte desses constrangimentos que aqui foram tão referidos, que vá mais longe nessa reposição e rendimentos e direitos, que revogue normas prejudiciais para o trabalhador. O país está melhor, mas continua com problemas estruturais que têm que ter respostas com outra política, mas em relação à solução política, ela está a andar e vamos ver que proposta de Orçamento o governo do PS faz.

Ficou claro nesta conversa que a Europa continua a ser o grande divisor entre PS e PCP. Como é que a Geringonça vai conseguir sobreviver à campanha das eleições europeias que há-de começar já no início do ano, a caminho de Maio quando forem as eleições?

Em relação às eleições europeias, nós estamos perfeitamente tranquilos e confiantes no papel que aqueles três deputados tiveram no Parlamento Europeu. São conhecidas as nossas posições de denúncia e de crítica, mas nunca perdemos, também aí, uma oportunidade que fosse para beneficiar o nosso país; seja em relação aos fundos, seja em relação a medidas ou a políticas, os três deputados comunistas tiveram sempre um papel ativo, não de negação, mas sim voluntariamente de crítica, de procura, de dar uma contribuição para a defesa do interesse nacional.

Será João Ferreira o cabeça de lista?

Ainda não temos lista nem temos ainda candidatos. É uma discussão que tem de ser feita no plano coletivo, mas ainda não está feita.

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