O PCP e a Rússia. Inimigo do meu inimigo meu amigo é

Com o fim dos regimes de Leste, comunistas portugueses adotam um discurso contra o "imperialismo americano". Sem "defesa positiva" de Vladimir Putin ou da Rússia.
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Desaparecida a União Soviética, já há muito que o PCP deixou de ter na Rússia uma referência, mas em matéria de política externa os comunistas portugueses parecem dar razão ao dito popular de que o inimigo do meu inimigo meu amigo é. A recente crise entre a União Europeia, os Estados Unidos e outros países ocidentais e a Federação Russa, que se traduziu na expulsão de diplomatas russos de dezenas de países, motivou - como também acontece na questão da Síria, por exemplo - uma posição crítica da atitude ocidental.

Para Carlos Brito, em declarações ao DN, "a razão principal" para estas posições do partido no qual foi um histórico dirigente, antes de ser suspenso (hoje pertence à associação Renovação Comunista), "é a luta anti-imperialista e o combate às posições do imperialismo americano". A conclusão é a de que "todos aqueles que combatem o imperialismo americano, muitas vezes a partir de posições que não são as melhores, têm o apreço do PCP".

A esta luta anti-imperialista e ao "apreço por todos aqueles que a travam, independentemente muitas vezes da sua própria conduta, em termos nacionais e internacionais", soma-se um "sentimentalismo" que Carlos Brito não descarta: "O sentimentalismo de uma velha grande amizade, tout court, a recordação dessa velha grande amizade, com aquele povo, não com aquele regime. Existem ainda muitos dirigentes do PCP que passaram por lá, que conheceram a realidade, conheceram aquele povo."

Com o abalo que foi a queda do Muro de Berlim e o fim dos regimes comunistas de Leste, o PCP "rapidamente se adaptou a essas mudanças", como nota ao DN o politólogo António Costa Pinto. "O PCP, enquanto partido comunista, que mantém no fundamental a sua estrutura ideológica, ficou um partido mais nacional com grande dificuldade de inserção internacional numa família política", aponta o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

No plano externo, verifica-se aquilo que Costa Pinto identifica como "uma atitude formal de apaziguamento". "Não encontramos uma defesa positiva do atual funcionamento da Rússia", considera o politólogo.

As tomadas de posição do partido parecem dar-lhe razão. A resolução política saída do XX Congresso do partido, o último realizado em 2016, também aponta neste sentido.

Interpelado pelo DN, sobre a atitude que toma o PCP perante a Rússia atual de Vladimir Putin, o presidente do grupo parlamentar comunista, João Oliveira, escusou-se a comentar, remetendo para o comunicado assinado pelo gabinete de imprensa do partido sobre o "incidente ocorrido no Reino Unido", de 29 de março, numa referência ao caso Skripal, em que alegadamente as autoridades russas terão estado envolvidas na tentativa de envenenamento do ex-agente russo Sergei Skripal e da sua filha.

Nesse texto, não há uma "defesa positiva" da Rússia, mas para o PCP toda esta "controvérsia" beneficia o Reino Unido. O caso, argumentam os comunistas, está por esclarecer e "ocorre num momento em que se desenvolve um conjunto de manobras e pressões no quadro do processo de saída do Reino Unido da União Europeia, e em que a situação internacional é marcada pela escalada de tensão e confronto levada a cabo pelos EUA e seus aliados, que se expressa no aumento das despesas militares e na corrida aos armamentos". A frase segue com outros exemplos de "ações de desestabilização e agressão", mudando para outras latitudes, como o Médio Oriente.

Como descreve Carlos Brito, trata-se da "valorização de tudo aquilo que vai na direção do combate anti-imperialista", com os EUA à cabeça. Na Síria, o PCP também tem desalinhado do clamor contra o regime de Assad, preferindo alinhar, como a Rússia, com o atual presidente sírio.

A 29 de março, no Parlamento, a bancada comunista acusava os seus parceiros de esquerda, o BE, de "ambiguidade" por não reconhecerem "a ingerência e a agressão contra a Síria" e "a integridade territorial e da soberania síria", referindo-se ainda à "intervenção militar não autorizada pelo legítimo governo sírio", que se traduz nas "agressões externas perpetradas, de forma direta ou indireta, por EUA, Arábia Saudita, Qatar, Israel, França, Reino Unido, entre outras". De fora do olhar censurador do PCP fica a Rússia.

Neste caso, "também coincide outra coisa", para Carlos Brito, "que é o esmagamento daquele povo e a intervenção internacional, em que os EUA têm uma enorme e vastíssima culpa. "O regime é o que é", aponta o renovador comunista, "mas também tem havido pressões internacionais que são perfeitamente inadmissíveis e contrárias ao direito internacional. Apesar de o regime ser o que é, não se pode deixar de apontar, denunciar e combater também essas intervenções externas."

Para Costa Pinto, o PCP reforçou "o modelo pacífico de não agressão, de não interferência militar", que é um "modelo anti-NATO", "mas sem qualquer defesa positiva da Rússia". "Basta ler o Avante! e O Militante", publicações do partido, sugere o politólogo, para se perceber que "não há uma defesa positiva do camarada Putin". Falhada a "tentativa de filiação numa família política que deixou de existir, que causa grandes problemas de identificação para a militância comunista", como explica Costa Pinto, o PCP prefere de facto uma "posição de distensão, um relativo pacifismo, de crítica às posições norte-americanas e ocidentais". A Rússia de Putin já não é comunista, já não serve de farol, "o partido dominante, cada vez mais autoritário, não se revê no marxismo, nem do ponto de vista formal. Enquanto a China mantém formalmente uma simbologia e uma estrutura comunistas", distingue o professor universitário.

No texto aprovado por unanimidade no XX Congresso do PCP, a China surge como um dos "países que afirmam como orientação e objetivo a construção de sociedades socialistas". À China junta-se Coreia do Norte, Cuba, Laos e Vietname, que "constituem, na sua grande diversidade de situações quanto ao grau de desenvolvimento económico e social e modelos sociopolíticos, um importante fator de contenção aos objetivos de domínio mundial do imperialismo".

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