Congressos fechados e saídas feias. PAN, o partido que ninguém conhece bem
"Eu sou de direita e votei em vocês. Infelizmente não há partidos à direita que tenham qualquer tipo de respeito pelos animais ou reconheça os direitos dos mesmos. E tal como eu há muita gente a votar em vocês como alternativa. Força!!"
Catarina Araújo manifesta assim a sua alegria com o resultado do PAN na respetiva página no Facebook. É logo questionada, porém: "Quem disse que o PAN é de esquerda?" E cria-se um debate nos comentários. Há quem assevere que é "centro-esquerda" porque é "o que diz na Wikipédia", quem comente "que eu saiba o PAN viabilizou um governo de extrema esquerda", e quem conclua: "Não é de esquerda, é de extrema esquerda!" E quem certifique: "Nem esquerda, nem direita, nem centro. PAN é um partido de CAUSAS! Esta é a grande diferença em relação ao status político atual."
10 anos após ser lançado, a 22 de maio de 2009, como Partido pelos Animais (PPA) e oito depois de nas legislativas, já com o novo acrónimo - Partido pelos Animais e pela Natureza - e recém-autorizado pelo Tribunal Constitucional, se ter apresentado com um programa no qual se definia como defendendo "uma sociedade onde todos os seres sencientes, humanos e não humanos, possam viver numa harmonia tão ampla quanto possível, com bem-estar e felicidade", com "os interesses humanos e animais" a deverem "ser igualmente considerados e, quando pareçam estar em conflito, deve procurar-se a solução eticamente mais justa, tendo em conta as suas especificidades", obtendo na sua estreia eleitoral mais de 50 mil votos e assim o direito a uma subvenção estatal, o PAN continua a não se definir como "esquerda ou direita", reputando essas classificações de "do século passado".
E, apesar de uma boa parte das suas propostas, quando não passam pela defesa dos direitos dos animais (nesta legislatura, conseguiu o fim de abate dos animais nos canis e gatis e a proibição de uso de animais em circos, e falhou a ilegalização das touradas), coincidirem com as da ala esquerda do parlamento, mais concretamente com o BE - da eutanásia à legalização da canábis medicinal e recreativa, passando pela legalização da adoção por casais do mesmo sexo -, e as suas votações nesta legislatura alinharem muitas vezes com o PS, a verdade é que consegue atrair eleitores de outros quadrantes.
Por vezes no extremo oposto, como é o Catarina Araújo. Esta profissional de marketing de 34 anos afirma até ter sido militante do CDS e sentir "simpatia por algumas posições do PNR", nomeadamente "políticas anti-imigração, antirrefugiados": "Toda a minha ideologia política é de direita, só não me defino como de extrema-direita porque abomino racismo." Porém, votou PAN, e sem ligar, aparentemente, à posição do mesmo sobre refugiados, tão diferente da sua. "Porque acima de tudo preocupo-me com o meio ambiente e com os animais", justifica. "Foi principalmente por causa das touradas que passei a votar PAN." Desde quando não sabe precisar: "Acho que desde que o PAN existe."
Pelo contrário, Rodrigo, 38 anos, web designer a residir no Algarve, votou sempre à esquerda ("alternava entre BE e PS") e estas eleições foram as primeiras em que escolheu o PAN. "Porque sou vegan [não usar qualquer produto de origem animal na alimentação ou vestuário] há quase dois anos e é único partido que defende tudo aquilo em que acredito." E aquilo em que crê é que "a máxima prioridade de qualquer sociedade hoje em dia seja garantir que as próximas gerações tenham um futuro digno, e não vejo mais nenhum partido em que isso seja sequer considerado seriamente. Ao ver as coisas por esta perspetiva, todas as outras forças políticas me parecem extremamente antiquadas e até irresponsáveis. Considero que o PAN é um dos raros partidos políticos em que as suas ações estão alinhadas com as suas palavras."
Tão raro que conseguiu, segundo Tânia Carvalho, de 43 anos, bióloga e gestora de projetos clínicos, convencê-la a ela e aos pais a voltar a votar, depois de terem integrado as fileiras dos abstencionistas. "Imediatamente antes de votar PAN votava em branco, por não me sentir representada. Revejo-me no seu modo de fazer política -- discutir soluções e problemas e não passar a vida a caluniar o "governo este" ou "o governo aquele", fulano ou sicrano. Isso não ajuda em nada, empurrar culpas uns para os outros."
Certificando que não é vegetariana - "Não como só alfaces" - elege "as questões do clima" como uma das motivações do seu voto. "Não vejo mais nenhum partido a dar grande importância ao assunto." Quanto aos pais - uma técnica de análises clínicas e um advogado, de 73 e 72 anos, ambos reformados, só pode dizer que não tinham votado antes no PAN. "O meu pai disse-me: "Agora é o meu partido do futuro." Fiquei super feliz porque nem fui eu que os influenciei, não costumamos falar de política."
O partido do futuro do pai de Tânia tem um passado, porém. E o seu primeiro presidente e também fundador, Paulo Borges, conhecido como seguidor do budismo, não se quer fazer esquecer. O resultado das europeias inspiraram-lhe dois posts públicos no Facebook. Um em que se lê "Ganhar é mau. Ilude. Perder é bom. Desilude - Livro da Moral da História" e outro no qual interroga: "Como é que há partidos a cantar vitória quando a abstenção aumentou para quase 70%, o que significa que foram eleitos pela pequena minoria dos que votaram?"
Borges, que num discurso em 2011 afirmava que em Portugal se vivia um ambiente semelhante ao do pré 25 de Abril e sob cuja liderança o PAN defendia a redução do número de deputados, o "saneamento" das contas públicas e a diminuição da despesa do Estado enquanto lamentava "as nossas pensões e salários diminuídos e muitos de nós privados dos nossos subsídios", demitiu-se da presidência em 2014 com uma série de acusações. Falou de "manobras maquiavélicas, falta de ética, difamação e lutas pelo poder" e acusou André Silva (o deputado do PAN no parlamento e atual porta-voz, designação que o partido usa para aquele que na prática é o líder), de "carreirismo", "arrivismo" e de "golpe".
"Claro que tudo isto é legítimo e próprio do que habitualmente chamamos "política" em termos depreciativos, mas não era isto que intencionava e estava à espera quando ajudei a criar o PAN. Isto no fundo não é política, mas sim politiquice maquiavélica igual à ou pior do que aquela que tanto condenamos nos partidos do sistema", escreveu Borges num post no qual punha mesmo a hipótese de se desvincular do partido, o que veio a suceder.
O mesmo ocorreu com Célia Feijão, filiada de primeira hora (tinha o número 12) que disputou a liderança com André Silva e se desvinculou de seguida, em 2015, depois de perder - numa eleição na qual, assevera, votaram apenas 173 dos 940 filiados --, falando da "maior inversão de valores jamais vista na classe política" e de "irregularidades internas, atropelos estatutários, perseguições e tentativa de expulsão a filiados". Comentando que "o PAN atingiu hoje um estado preocupante: o mero título Animais e Natureza traz votos (mesmo sem se ser verdadeiramente pelos Animais ou pela Natureza)", concluía: "O PAN atual nada mais é do que um manto de retalhos constituído nos seus órgãos de direção por elementos renegados de outros partidos, ou que nunca tiveram oportunidade de integrar um, e encontram aqui a sua tábua de salvação que lhes confere as oportunidades que não conseguem encontrar fora dele."
Acusações violentas que André Silva, pelo menos publicamente, parece ter decidido não valorizar. Quando o Expresso recentemente o confrontou com elas, respondeu de modo não pessoalizado: "Havia um desconforto geral das pessoas na comissão política sobre o rumo do partido, a inação, a falta de iniciativa e de abertura." E sobre o discurso do PAN, ao qual a sua direção acrescentou, no final de 2014, a palavra "Pessoas" - passando assim a assumir o atual nome de Pessoas, Animais, Natureza - reconhece: "Tivemos de ter cuidado com a linguagem, era mais crua, perentória. Éramos mal interpretados e tem sido uma aprendizagem."
A imagem de André Silva, engenheiro civil nascido a 2 de abril de 1976, é aliás de serenidade, contenção, de bom comportamento. Nunca o vimos na Assembleia da República aos berros a invetivar adversários, nem a dar entrevistas incendiárias. Tudo o que diz parece ponderado e centrado em questões e não pessoas, e chega mesmo a admitir que às vezes se abstém em algumas votações por não ter informação suficiente.
Se foi, como conta numa entrevista ao Observador, apenas em 2012 que "mudou a agulha" para o ambientalismo e vegetarianismo, deixando de comer carne e peixe, e nos primeiros tempos se radicalizou, terá chegado à liderança do partido, numa muito rápida ascensão, apenas dois anos depois. Diz ele que mais moderado. Ou, pelo menos, com a consciência de que não se apanham moscas com vinagre: "Hoje em dia sou muito menos radical do que era nas minhas posições. E até acho que muitas vezes os argumentos mais radicais podem chegar a prejudicar a defesa ou o ativismo em torno de uma causa."
Se nada se sabe, além das acusações de dissidentes, do que se passa no interior do partido - o último congresso, segundo foi reportado, decorreu à porta fechada, só sendo possível aos jornalistas assistir ao encerramento -- na assembleia os outros deputados também não parecem ter o único deputado do PAN como um radical. Parecem até encarar André Silva com alguma bonomia; não o vimos até agora ser alvo do tipo de ataques verrinosos tão comuns no parlamento. Como se não soubessem bem o que pensar dele ou o desvalorizassem como oponente -- pelo menos até agora, quando a dada altura da noite eleitoral o PAN esteve empatado com o CDS.
Diz Jorge Costa, do BE, ao Observador: "Às vezes o André [Silva] é tratado com alguma condescendência e com algum paternalismo sobretudo por alguns setores dos partidos de direita, e essa postura é até pouco comum naquilo que é prática parlamentar. É certo que tem uma agenda suscetível a alguma caricatura mas nós, no Bloco, por exemplo, sempre optámos pela não ostracização do PAN."
Com o crescimento, a manter-se, virá decerto o fim do defeso. O PAN, de resto, já lançou, pela voz de Francisco Ferreira, o eurodeputado eleito este domingo, alfinetadas aos Verdes, o parceiro de coligação do PCP: "Não podemos dizer que existia um partido ecologista antes de o PAN estar no Parlamento, porque para se perceber como é que se defende um programa tem de se ir a eleições. O Partido Ecologista "Os Verdes" nunca foi a eleições. As pessoas precisam de saber se um determinado partido, seja ele qual for, vale dez votos, vale cem, vale mil, vale dez mil, vale cem mil... Isso nunca aconteceu!"
E de contar votos pode o PAN gabar-se: o partido que diz ter dois mil militantes mereceu as cruzinhas de mais de 165 mil pessoas, triplicando a sua votação nas europeias de 2014 (56 mil, um pouco acima da das legislativas de 2011) e duplicando a do escrutínio de 2015, quando, com 75 mil, elegeu André Silva.
Aquele que foi o único partido a abster-se no episódio da contagem do tempo dos professores pode até agora pôr a hipótese, caso aumente o grupo parlamentar, de ser o parceiro do PS no apoio de um futuro governo, em troca de viabilização de algumas das suas propostas.
Entre acabar com as touradas e caça desportiva e com os subsídios à pecuária, promover o apoio à agricultura biológica e a distribuição de copos menstruais nos centros de saúde, passando pela extensão da licença de parentalidade para um ano, redução das horas de trabalho semanais para 30, a aplicação de uma fiscalidade verde, que penalize a pecuária intensiva e faça depender o valor do IVA da "pegada ecológica" dos bens (incentivando o consumo de produtos locais) e a criação de um Rendimento Básico Incondicional, ou seja, um valor mínimo atribuído a todos, independentemente dos seus proventos, o PAN não tem falta de ideias. Se tem um projeto para o país e a Europa é outra coisa. Mas tal dúvida não se aplica só a ele.