O país que vai a votos é mesmo de abstencionistas?
Para que país devemos olhar, quando olhamos para a abstenção? Para o do território nacional que teve 45,5% de não votantes ou para o que inclui os emigrantes e que faz subir a abstenção [a mais alta de sempre em legislativas] para os 51,43%?
Faz sentido analisar o comportamento eleitoral como um todo - "o comportamento cívico dos portugueses" - quando, por exemplo, em 2019 só 10,79% [percentagem que desde 2009 poucas alterações sofreu] dos emigrantes votou?
Para que país devemos olhar quando mais de um milhão de "eleitores-fantasma" distorcem a abstenção em 10%, para a abstenção que fica nos 35,5% do território nacional ou para os 41,43% com os emigrantes?
Paula do Espírito Santo, professora auxiliar, no ISCSP, com agregação nas áreas de sociologia política, sociedade civil e cultura política e métodos de investigação, defende que se deve "olhar para os valores da abstenção tendo em conta o contexto demográfico, territorial e cultural da sociedade Portuguesa, um país de emigração, de diáspora e transculturalmente unido. Ou seja, quando se focam os valores da abstenção, estes devem ser lidos, não apenas, em termos globais, mas tendo em conta (também) a territorialidade, sabendo-se que uma parte significativa da população eleitora portuguesa está no estrangeiro (em torno de um milhão e meio de eleitores) e que desta parte de eleitores (os emigrantes portugueses) apenas uma parte residual vota (ex. nas eleições legislativas de 2015 e 2019, com valores de participação eleitoral em torno dos 10%, mesmo quando se multiplicou este numero de inscritos de 242852 inscritos, em 2015, para 1468754 inscritos).
A investigadora do ISCSP, avisa, por isso, que "quando se focam os valores da abstenção eleitoral, as leituras interpretativas quanto a causas da mesma devem ser mais contidas ao encontrarem-se respostas na falta de interesse pelo voto por parte dos eleitores portugueses. A suposta 'falta de interesse' no voto não explica a abstenção".
"As causas da abstenção", explica, "devem ser encontradas nos mecanismos de acesso ao voto por parte da fatia de eleitores que precisamente mais se abstém (e de que forma se abstém, se considerarmos cerca de 90% de abstenção nas eleições legislativas de 2015 e 2019)".
Ou seja, considera Paula do Espírito Santo, "o voto tem dimensões de territorialidade que o explicam e tornam desigual, e que vistas em valores globais, pode ser falimente mal interpretada com respostas e causas que encontram na desmobilização dos eleitores, como um todo, a resposta mais imediata e aparente. Ora, isto é errado: as explicações superficiais sobre a relação entre desmobilização e abstenção continuarão a promover a incapacidade de se resolver este problema, simplesmente porque o problema da abstenção eleitoral que afeta a nossa democracia está mal diagnosticado".
E ainda que a leitura e interpretação da abstenção se corrija, restará uma dificuldade: como mobilizar o voto dos eleitores portugueses no estrangeiro.
"Esse será um dos problemas centrais a atacar-se de forma a diminuir os resultados globais da abstenção, e a resposta poderá passar por uma eventual estratégia de voto eletrónico alternativo, tão prático para os emigrantes, pensada e legalmente prevista, com a devida antecedência em relação aos próximos atos eleitorais", sugere a investigadora do Instituto Superior de Ciências Sociais e políticas da Universidade de Lisboa.
Analisando a última década, os últimos quatro "ciclos eleitorais" de 2009 a 2019, a conclusão é quase imediata: quanto maior o círculo, menor a abstenção. É no restrito grupo dos círculos eleitorais que elege mais de 70% dos deputados que a abstenção é menor. É uma estreita e curta linha ao longo do litoral, de Braga a Setúbal, incluindo Santarém.
Os cinco círculos eleitorais que elegem 60% dos deputados (Aveiro, Braga, Lisboa, Porto e Setúbal) são aqueles onde a participação eleitoral é mais elevada, ficando a abstenção abaixo ou ligeiramente acima da média nacional. Logo de seguida surgem Santarém, Coimbra e Leiria, que elegem 12% dos parlamentares, com valores de abstenção semelhantes. Nos restantes, os que elegem menos deputados, excetuando Castelo Branco e Évora que se aproximam deste grupo, a abstenção é muito mais elevada.
Os Açores são, dos 20 círculos nacionais, aquele cuja abstenção ronda, desde 2009, os 60% - nas últimas legislativas chegou aos 63,5%. Bragança e Vila Real são, no mesmo período, os mais abstencionistas no continente seguidos por Viseu, Viana do Castelo, Guarda e Faro, cuja tendência de quebra eleitoral se vem agravando.
Braga e Porto são os únicos dois círculos onde na última década (aconteceu nas legislativas de 2009) a abstenção não passou a fasquia dos 35%.
Em média, só 17,5% dos partidos candidatos em cada círculo eleitoral consegue eleger deputados. Lisboa é, de todos, o círculo que mais partidos coloca no parlamento: 45% conseguem entrar. Ao invés, Portalegre tem a mais baixa percentagem (6,25%) de captação de partidos. O cruzamento dos partidos eleitos, círculo a círculo, com as listas de candidaturas permite perceber que, para além de Lisboa, surge um grupo de cinco distritos que mais partidos acolhe: Porto, Santarém, Setúbal, Aveiro e Braga. Logo depois surgem Faro, Leiria e Coimbra.
Este ano, Bragança é o círculo onde menos partidos se apresentam a votos (13); Lisboa (20), Porto (19), Setúbal (19) e Europa (19) são os que têm, nos boletins de voto, mais partidos inscritos. A grande maioria anda pelos 17 partidos. Évora, Viana do Castelo, Vila Real e Açores ficam ligeiramente abaixo com 15 partidos registados.
As determinações legais, criadas para travar financiamentos duvidosos e ilegais, permitem aos partidos em cada ato eleitoral receber uma subvenção pública que atenue os custos das campanhas. E neste ano a verba a distribuir é maior porque o indexante dos apoios sociais (IAS) subiu dos 438,81 para os 443,2 euros. Ou seja, há 7 091 200 euros para distribuir - mais 70 240 euros do que anteriormente.
Basta esperar pela publicação oficial dos resultados e solicitar a subvenção ao presidente da Assembleia da República. Um senão: é preciso ter apresentado listas com 11 8 candidatos efetivos e ter eleito, pelo menos, um deputado ou obtido 50 mil votos.
20% é dividido em partes iguais por todos os que preencheram os critérios, 80% é entregue em função da proporção dos votos recebidos. Simplificando as contas, 50 mil votos dão cerca de 150 mil euros de subvenção.
Com a atualização do IAS também subiu o limite máximo de despesas admissíveis por candidato, que são agora de 21 273,6 euros, e o valor máximo de donativos por pessoa singular que subiu para os 26 592 euros.
O perfil-tipo de deputado, de 1976 a 2019, resume-se de forma simples: homem, advogado/jurista ou professor, com uma idade compreendida "entre os 43 e os 62 anos de idade e, regra geral, natural do distrito pelo qual é eleito". A grande mudança, nos últimos anos, está na presença das mulheres que passou de uma participação média de cerca de 16% de deputadas para 36%. As habilitações literárias dos deputados continuam a ser "a licenciatura (70%), seguidas de mestrado (13%), doutoramento (11%), bacharelato (1%) e secundário (5%) ".
O perfil do deputado eleito identificado por Jorge Fraqueiro no doutoramento "O sistema político português. Renovação ou estagnação dos seus principais atores no período da democracia 1974-2012" e depois atualizado no pós-doutoramento com os dados de 2015 e 2019 não é muito diferente do que revelam as listas de candidatos às eleições legislativas de 2022. A principal diferença encontra-se, principalmente, no número de estudantes.
Os que ficaram poucos anos na Assembleia da República são muitos, mas há uma minoria de 475 deputados que foi ficando: uns por 12 anos, os restantes por 20, 30, quase 40 anos. Este é o retrato dos 1588 eleitos desde 1976.
Miranda Calha, Jerónimo de Sousa, Mota Amaral, José Magalhães, José Cesário, Jaime Gama, Arménio Santos, Jorge Lacão, Manuel Alegre, Pedro Pinto, Correia de Jesus, António Filipe e Ferro Rodrigues (por esta ordem) fazem parte do topo da "elite" de 475 deputados que foram permanecendo ao longo dos anos; uns 12 anos (36,8%); outros mais de 20, 30 anos (a grande maioria: 63,1%). Só dois vão votos este domingo.
Contas feitas, 70% dos parlamentares estiveram, alguns ainda estão, na Assembleia da República por dois mandatos ou menos e 30% permaneceram, e ainda permanecem alguns, por três ou mais legislaturas.