O Natal é paz, pensar nos outros, família, prendas...e os doces da avó
O Natal é a época em que as crianças são rainhas. Mas o que pensam elas desta quadra festiva? Como vivem e preparam a festa? "A nossa perceção sobre o Natal vai mudando ao longo da vida", começa por esclarecer Marina Miranda, de 16 anos. Ela e os colegas do Agrupamento de Escolas dos Olivais, em Lisboa, explicam ao DN como vivem a quadra natalícia.
Se os mais velhos são mais contidos, junto dos mais pequeninos, que frequentam a Escola Sarah Afonso (do mesmo agrupamento), a expectativa confirma-se: "Para mim o mais importante do Natal são os presentes", diz Isaac Ribeiro, de 9 anos. Para logo Beatriz, Tiago e Martim concordarem com o colega de turma. Ainda que todos tenham começado por caracterizar o Natal como uma época de "paz e amor", de "família e de felicidade". Martim Catarino junta o desejo de que "o próximo ano seja melhor, que não haja tantas pessoas a morrer e haja mais a nascer".
Beatriz Carvalho é a última a falar e, por isso, sintetiza o Natal como "um momento de estar em família, todos juntos e a receber muitas prendas". Um tema sensível nesta idade é o Pai Natal. Beatriz escreveu-lhe e espera que ele lhe traga os presentes pedidos, mas Isaac mete-se na conversa para anunciar que sabe um segredo, mas não o vai revelar "porque há quem ainda acredite".
No grupo dos mais velhos, alunos da Secundária António Damásio, já não há segredos e pode-se falar sobre a preparação do Natal sem rodeios. "Fazemos uma lista para os primos mais pequenos com o que eles querem e tentamos comprar tudo um bocadinho antes da confusão do Natal. Para os mais velhos compramos assim um licor de canela, só para oferecer qualquer coisa", conta Marta Cunha, aluna do 7.º ano. O seu colega de turma António Freitas também já foi com a mãe escolher o presente do pai: "Fomos ao centro comercial escolher uma camisa, porque ele contenta-se com roupa." A estes presentes, o estudante de 12 anos junta um postal de Natal feito por ele. Mais os chocolates para o avô, que toda a família ajuda "a despachar".
Joana Vaz aproveita o jeito que tem para a cozinha para poupar nas prendas. "Dou algo feito por mim, umas bolachas, por exemplo." Além disso, a aluna do 11.º de Ciências gosta de "pensar em presentes que se adequem às pessoas". "É para a minha irmã [mais velha] que tenho mais cuidado, e ela faz o mesmo comigo."
Ainda a juntar dinheiro para fazer as compras, Inês Medley tem uma parte da família em que usa "o método amigo secreto". "Encontramo-nos antes do Natal, por volta do dia 22, e damos presentes até cinco euros. No ano passado, por exemplo, calhou-me uma almofada que faz o barulho de puns." "É para ser assim coisas engraçadas", justifica, a rir.
Mariana também troca presentes com as amigas - "com limite de cinco euros" - e já fizeram essa troca no último dia de aulas. No seu caso, sabendo que a amiga que lhe calhou no sorteio do amigo secreto gosta de um ator de uma série: "Fiz um cartaz com ele a desejar-lhe bom Natal e mais umas piadas nossas."
À espera de desodorizantes e tricô
As três jovens de 16 anos já têm uma visão menos centrada nos presentes. O que não significa que não estejam ansiosas para saber o que lhes vai calhar no sapatinho. Além das surpresas, estão à espera dos clássicos presentes inesperados, mas que, por isso mesmo, são tão ou mais especiais do que os outros.
Joana Vaz aguarda as peças de tricô que a avó dá às netas. "E nós gostamos sempre muito, porque é algo feito por ela." Além disso, "os meus pais dão-me sempre algo que eu gosto". Este ano, tudo o que vier será bem-vindo, já que Joana não pediu nada.
Na mesma expectativa está Mariana Miranda. "Este ano, sinceramente estou com mais espírito de dar do que de receber. Nem pensei em nada, por isso, não pedi nada, logo tudo o que receber será surpresa." Até os presentes, sempre certeiros da tia: "Ela dá-nos sempre desodorizantes e coisas assim. No ano passado, os rapazes receberam aftershave num conjunto de cremes, e as raparigas, um livrinho que parecia um diário."
Inês recebe sempre algo que pediu: "A minha família pergunta sempre aos meus pais o que é que eu gosto." Mas há uma coisa a que não acha muita piada: "Receber dinheiro." Ou pelo menos, notas sem estarem embrulhadas. "Gosto daquela euforia de rasgar o papel de embrulho, até podia ser uma caixinha com dinheiro, mas com um embrulho. Também não gosto de receber vales de oferta. Depois são cinco euros na Fnac. O que é que eu compro com cinco euros na Fnac?", questiona, para logo explicar que às vezes recebe apenas uma lembrança no Natal, porque o seu aniversário é um pouco antes.
À exceção de livros, Marta não tem mais nada específico pedido este ano. "Os presentes servem para dizer que nos importamos com as pessoas e já me contento com um pinheiro ou qualquer coisa." António também pediu "dois ou três livros" e já sabe que vai acabar por receber "cinco ou seis". As suas escolhas vão para J. K. Rowling, explicando que é a autora da saga Harry Potter, que já leu toda, e David Walliams - "o autor da Avozinha Gangster, que é muito giro".
Ao interesse literário, há outra espécie de presente que António quer conquistar: recuperar o seu iPhone, substituído por estes dias por "um telefone de teclas". "Talvez tenha ficado sem o meu telemóvel por me ter portado um bocadinho mal", resume. António espera ainda encontrar no sapatinho "monopólios" que gosta de jogar com o pai e a mãe e até com a gata, que "tem mau perder e rouba as peças".
Mais fáceis de contentar são Beatriz, Tiago, Martim e Isaac. "Desde que haja brinquedos e roupa", resume Beatriz, e todos concordam. Embora, Martim e Tiago sejam mais concretos: "Um helicóptero", diz o primeiro, "jogos para a consola", prefere o segundo.
Martim e o engorda maridos da avó
A partilhar a consoada com 29 familiares, Martim está ansioso por engordar "dois quilos" com o espera-maridos, a especialidade da avó. "É um bolo com doce de ovos, só de comer uma fatia engordei dois quilos, mas emagreci logo um quilo passado uma hora", esclarece, sem exageros.
Apenas Martim, Beatriz e António passam a quadra fora de Lisboa e ocasionalmente Marta também. António vai para Castelo Branco onde é recebido com as delícias da época. "O Natal é uma desculpa para dar presentes e engordar." A sua consoada é passada essencialmente à mesa - os presentes só se abrem na manhã seguinte, "é uma tradição da minha mãe" - e António perde-se com o bacalhau, o peru e "muitas sobremesas". "A minha família é pequena e então o Natal para mim é a minha avó e a minha mãe a cozinharem e nós a enchermos a barriga."
Beatriz vai "pela primeira vez no Natal a casa da tia, na Benedita". O dia 24 ainda é passado por Lisboa, com os pais, a irmã mais velha e os avós, mas a menina de 9 anos não esconde o entusiasmo de ir para fora. Não é fã de bacalhau, mas espera ter arroz-doce. "Ai é tão bom."
Tiago vai ter de certeza o arroz-doce da avó, já que esta guloseima "não pode faltar". Já Isaac, que passa em Lisboa, mal pode esperar "pelo bolo de chocolate", mostrando não gostar "nada de bolo-rei". O que Martim gostava de ter na sua ceia de Natal, quer passe na serra da Estrela, na Sertã ou em Lisboa, era hambúrgueres, mas vai ter de se contentar "com bacalhau com natas".
No meio de uma família grande - "tenho uma irmã mais velha, só primos direitos são uns 15, mais os primos em segundo grau, é uma grande confusão, somos uns 40, 50" -, Marta vai até Torres Novas ou a Batalha, dependendo dos anos, onde há sempre a sua perdição: "Chocolates."
Inês, Mariana e Joana passam o Natal em Lisboa com a família. A primeira tem saudades dos tempo em que "passávamos na casa da minha avó e até metíamos o ténis para receber as prendas". "Antigamente, o Natal era estar com os meus primos - somos uns dez -, era um festival, mas agora há já uns cinco anos que não conseguimos estar todos juntos. Continuo a adorar os filmes e o espírito de Natal, mas já não é a mesma coisa", lamenta. Agora, passa em casa dos pais e a eles juntam-se os avós e alguns tios e primos. Inês acaba por se concentrar nos presentes para os pais: "A minha mãe pede sempre alguma coisa de Natal, o meu pai é mais difícil e acaba por ser sempre coisas neutras, uma caneta ou um isqueiro."
Joana fica "sempre com a família mais próxima, que não é muito grande - somos uns dez -, mas depois junta-se o namorado da prima e é assim, aparece sempre mais alguém". Mariana tem os dois lados da família em Lisboa, fazendo o dia 24 "como lado da mãe" e o dia 25 "com o lado do pai".
À medida que vão crescendo, todos vão vendo a quadra de forma diferente. Mariana Miranda confessa estar mais impressionada com a ideia de que há pessoas mais sozinhas. "Fico mais atenta, na escola ou com aqueles familiares que sei que estão mais sozinhos, mas é claro que não consigo fazer grande diferença." Joana Vaz sempre viveu o Natal "com uma grande alegria". "É uma época de pensar mais nos outros, até a ideia das prendas significarem que alguém pensou em nós, gosto disso."
O Natal parece igual para todos, mas todas as famílias têm pequenas tradições que acabam por ser únicas. O importante é que, no fim, seja como diz António Freitas: "Um Natal bom."