O moldavo sem medo do mar
"O Canal do Norte, entre a Irlanda e a Escócia, e o Canal Molokai foram os mais difíceis para mim. O primeiro por causa da água gélida, uns dez graus, ao ponto de ter ficado sem as unhas dos pés. Também é terrível por causa das alforrecas. Já o segundo, embora em águas mais quentes, ou não fosse no Havai, exigiu que eu começasse a nadar ao final da tarde, pelo que passei a noite ali no meio da escuridão, com vagas de seis metros, mas sempre sem pensar em desistir. Do Oceans Seven, o Canal de Molokai é o mais longo, tive de nadar 50 quilómetros em 18 horas. Nunca se vai a direito", conta Ion Lazarenco Tiron, um moldavo que faz parte de um seleto grupo de menos de 20 pessoas em todo o mundo que já nadou através dos sete mais difíceis canais. O pioneiro foi o irlandês Stephen Redmond, que completou a série, imagine-se, só em 2012!"
"Nado não para acumular recordes mas para trazer uma mensagem de paz ao mundo. Por isso a minha primeira grande distância a nadar foi no Dniestre", rio da Moldova (um pequeno país de língua maioritária romena) que separa a maior parte do território da parcela alongada chamada Transnistria, habitada por russófonos e com tentações secessionistas desde o fim da União Soviética.
"Adoro o meu país. Faço tudo por ele. Angario fundos para ajudar os que lá ficaram, em algumas famílias as crianças e os velhos, porque os adultos em idade de trabalhar emigraram, como eu", sublinha Tiron, numa conversa na Embaixada da Moldova em Lisboa. Por iniciativa do embaixador Dumitru Socolan, a comunidade moldova em Portugal, umas 30 mil pessoas desde médicos a pedreiros, ouviu no fim de semana passado no Algarve e na zona da capital a experiência de vida deste nadador extraordinário, cujo papel como promotor da paz levou já o seu nome a ser proposto para o Nobel.
Tiron, que aos 41 anos mostra uma compleição atlética invejável, nadou o estreito de Gibraltar (4 horas e 41 minutos), o canal da Mancha (13 horas e 34 minutos), o canal do Norte (16 horas e 23 minutos), o canal de Catalina, na Califórnia (12 horas e 1 minuto), o canal de Tsugaru, no Japão (11 horas e 20 minutos), o estreito de Cook, entre as duas grandes ilhas da Nova Zelândia (11 horas e 5 minutos), e, claro, o canal Molokai (18 horas e 11 minutos).
"Habituei-me aos tubarões. Até acho que gostam de mim. Bem, na verdade, é raríssimo atacarem um ser humano. Mas as alforrecas são terríveis, sobretudo as caravelas portuguesas. Se os tentáculos nos tocam é todo o sistema respiratório que fica ameaçado, os pulmões deixam de funcionar", conta.
A vida deste moldavo nascido em Braviceni, no distrito de Orhei, em janeiro de 1978, está cheia de episódios dramáticos, que o próprio admite que acabaram sobretudo por reforçar a força do seu carácter, a determinação com que luta por objetivos, sejam o Oceans Seven, seja as causas humanitárias que promove com a sua natação. "Saí da minha terra em 1997, era muito jovem. Fui emigrante ilegal, andei fugido de país em país, cheguei a passar um mês em Portugal. Na época era muito raro encontrar outros moldavos na Europa ocidental, hoje não. São 50 mil na Irlanda onde vivo, onde construí finalmente a minha vida. Sou casado com Angela e tenho o Dennis de 22 anos e a Donnatella de 14", relata o motorista de autocarros de Bray, localidade costeira, um pouco para Dublin o que Cascais é para Lisboa.
Tal como há quem se dedique a escalar as sete maiores montanhas, uma por continente incluindo a Antártida, os nadadores que se lançam no Oceans Seven têm, além da forma física e da força de vontade, de conseguir apoios financeiros. Tiron sempre se preocupou em manter os gastos em níveis mínimos, de modo a angariar mais para as escolas na Moldova que faz questão de apoiar. Junto a ele, quando nadava nas águas mais selvagens do planeta, estava uma pequena embarcação de apoio, pois além do socorro em caso de desfalecimento há ainda que fornecer alimentos a quem está há horas a mexer braços e pernas sem parar. Angela acompanhou o marido em várias das travessias.
"Este compatriota é muito popular na Moldova. Uma figura muito admirada tanto pelo lado desportivo como pelo lado humanitário. E aqui em Portugal, à nossa comunidade, veio trazer inspiração, desafiar os mais novos a fazer desporto, pôr a gente a lutar pelos seus sonhos", comenta o embaixador Socolan, que fala português, uma língua latina como esse romeno falado na Moldova, país com pouco mais de três milhões de habitantes.
Tiron conta que gosta de ver como os moldavos se integraram bem na sociedade portuguesa, mas ao mesmo tempo continuam ligados ao país de origem, transmitindo aos filhos o amor à pátria. E espera que aquilo que aprenderam em Portugal um dia sirva para ajudarem a Moldova a desenvolver-se mais. Também se diz agradecido à Irlanda por tudo aquilo que deu à sua família. "Devemos ser patriotas com o país que nos viu nascer mas também com o país adotivo", insiste num inglês com sotaque irlandês.
"O frio é mesmo o pior de tudo nas travessias. E as correntes. Nunca vamos em linha reta, por isso as distâncias percorridas são muito maiores do que aquelas que surgem nos mapas. Quando nadei entre as ilhas neozelandesas, de repente passei de uma corrente para outra, de água fria para água ainda mais fria. É um enorme sofrimento. Mas não sou homem para desistir", recorda enquanto bebe um chá e vai conversando.
Tal como dizem regras que vêm do século XIX, quando a travessia do canal da Mancha a nado começou a atrair cada vez mais nadadores, só é autorizado um calção de banho como equipamento. Qualquer travessia dos sete canais feita com um fato de borracha vestido não tem valor, não será homologado. Por isso o escasso número de gente que pode dizer que fez o mesmo do que Tiron.
Preocupado com a paz no mundo, o moldavo tem agora uma nova batalha pela frente e para a qual quer mobilizar as pessoas: a luta contra o aquecimento global. "Peço a todos. Acordemos antes de ser tarde de mais. Tomemos em mãos as ações certas. Salvemos o planeta, salvemos a paz", apela Tiron.