"O meu pai é a razão de tudo isto". Como Kikas chegou à elite mundial

Com desempenho histórico no Havaí, Frederico Morais garantiu regresso de um português ao circuito mundial. Surfista do Guincho conta ao DN como o sonho de tornou realidade
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Frederico Morais estava fadado para isto, desde que, com cinco ou seis anos, se endireitou pela primeira vez numa prancha. Tinha nos genes a paixão pelo desporto (pai e tio foram e referências do râguebi nacional). A dedicação extrema cedo lhe foi incutida pelo progenitor. E até cresceu habituado a ter o nome estampado em revistas e a imagem refletida em ecrâs de TV. Agora, aos 24 anos, Kikas cumpriu o seu destino: chegou à elite mundial do surf. "Este era o meu maior sonho, era tudo o que queria. Todos estes anos trabalhei para ele", conta ao DN.

As contas ficaram fechadas no domingo, em Oahu, Havaí, Estados Unidos da América (já madrugada de ontem, em Portugal). Com mais um brilharete na Vans World Cup (acabou em segundo lugar), Frederico Morais garantiu a promoção ao Championship Tour, divisão principal da World Surf League (liga mundial de surf) - onde Portugal só esteve representado pelo pioneiro Tiago Saca Pires (entre 2008 e 2014).

No entanto, a história deste feito emblemático para o surf nacional começou bem antes do surpreendente final de 2016 no Havaí, onde Kikas (como é conhecido) se lançou para o Championship Tour. O princípio, em bom rigor, talvez esteja no dia em que a bodyboarder Dora Gomes ofereceu ao pai de Frederico uma prancha.Nuno Morais - ele próprio um apaixonado pelo desporto, ex-jogador de râguebi, internacional português durante 12 anos e irmão do antigo selecionador Tomaz Morais - logo notou o jeito que o miúdo tinha e incentivou-o ao máximo para que seguisse o sonho.

"Se há alguém que sempre acreditou é o meu pai - até mais do que eu. Ele é a minha maior inspiração e a razão por trás de tudo isto", nota Frederico. Nuno Morais, amante de natação e figura do râguebi nacional nos anos 80 e 90, não tinha qualquer ligação ao surf mas procurou toda a formação, para apoiar o filho neste trajeto iniciado, por brincadeira, na praia de Vilamoura. "Ele fez tudo por mim, todos os sacrifícios. Deu-me muita força agora antes de vir para o Havaí", conta o atleta do Guincho.

Para Kikas, o surf foi uma paixão à primeira onda. Com sete anos, já escrevia cartas para a revista Surf Portugal a dizer "ainda vão ouvir falar muito de mim". E o talento precoce foi-lhe valendo uma crescente atenção mediática - à medida que colecionava títulos nacionais de todos os escalões (aos 14 anos, já era campeão de sub-20).

Era a evolução natural de quem desde cedo se ambientava aos melhores palcos. "Desde os 11 anos que venho ao Havaí todos os anos. Então, vínhamos um mês, em férias de família. Depois, começámos a ir ao Havaí no Natal e à Austrália na Páscoa", recorda Frederico Morais. Ficar pelas praias ou pelas competições nacionais não era suficiente para quem aspirava ao topo mundial e ainda adolescente se tornou surfista profissional - conciliou a prática desportiva com os estudos até ao 12.º ano. "Para evoluir temos de arriscar, não podemos ficar na zona de conforto: é algo que sempre me foi transmitido pelo meu pai", sublinha o surfista de Cascais.

Nova final e a Triple Crown na mira

Nos últimos anos, Frederico Morais já tinha mostrado ao mundo o que valia, ao abater estrelas como Kelly Slater (2013), Mick Fanning (2015) ou Gabriel Medina (2016), em Peniche, na etapa portuguesa do circuito mundial. No entanto, guardou para o fim desta época dois desempenhos históricos - 2.º tanto na Hawaiin Pro, há duas semanas, como na Vans World Cup, concluída domingo -, que lhe permitiram subir do 28.º ao 3.º lugar do circuito de qualificação (Qualifying Series) e garantir a presença no Championship Tour em 2017 -ao qual são promovidos os dez primeiros.

"Sabia que era difícil mas sempre acreditei que era possível, até porque gosto e enquadro-me bem nas ondas do Havaí. Fui à luta e, felizmente, consegui", resume o surfista, que voltou a brilhar na Vans World Cup - mesmo depois de ter garantido o passaporte para a elite, ao ir além dos quartos-de-final. Marcou presença na final da prova de Sunset Beach pela segunda vez (após 2013) e ficou perto do triunfo. Com 14,10 de pontuação (8,23 e 5,87), superou o havaiano Torrey Meister (9,94) e o estado-unidense Tanner Gudauskas (8,90) e só ficou atrás de Jordy Smith (15,06).

"Foi uma semana muito atribulada, com muita ansiedade à medida que via os outros [atletas que lutavam pela qualificação] a passar heats, mas valeu bem a pena. Todo o apoio que fui recebendo deu-me ainda mais força", explica Frederico, feliz por poder partilhar o sucesso com todos os que os acompanharam nesta caminhada. "É bom saber que estava tanta gente acordada até às tantas a vibrar comigo", diz.

Agora, a epopeia de Kikas em Oahu não deve ficar por aqui. Com os segundos lugares de Alii Beach (onde perdeu a final do Hawaiin Pro, para o campeão mundial John John Florence, por apenas um centésimo) e Sunset, o surfista português é o atual líder da tabela da Triple Crown havaiana - lendária competição que engloba as três provas finais da temporada no Havaí. E deverá receber um wildcard [tradicionalmente atribuído a quem comanda a classificação da "tripla coroa"] para competir na Pipe Masters, a última etapa do Championship Tour de 2016. "Só estava focado na qualificação [para 2017] : ainda nem me tinha caído a ficha quanto a isso. Ainda não tenho informação quanto ao wildcard. Se receber o convite, vamos ver como corre", afirma Frederico.

Corra como correr, o surf nacional encontrou uma nova referência de nível mundial. Kikas recusa o estatuto de líder mas admite servir de "inspiração para os surfistas que aí vêm" - como, durante anos, Tiago Pires foi para ele. O sonho de chegar à elite, como Saca, está cumprido. Agora, diz Frederico "é tempo de difinir novos sonhos".

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