Motos, bicicletas e trotinetas, conduzidas por homens e algumas mulheres, brasileiros e outros imigrantes, sacos às costas verdes e amarelos. Mais de 50 estafetas circulam pelas ruas de Lisboa, agora a meio gás, no triângulo entre o Saldanha, António Augusto de Aguiar e Campo Pequeno. É hora do almoço e começam a cair as encomendas de take away para entregar em casa. Ganham por pedido e ao km e é preciso suar muito para conseguir um rendimento razoável. Mas tem vantagens: "O melhor é a liberdade e não sentir discriminação", diz a Gabriela Rocha. O pior são "a chuva e o frio"..Gabriela Rocha é estafeta há ano e meio. Imigrou do Brasil, de Goiás, há dois, vive na baixa de Lisboa. O primeiro emprego foi num lar, onde não lhe pagaram o que deviam. "Como eu não tinha documentos, não se preocuparam em cumprir", diz. Respondeu a anúncios para restaurantes, sentiu que a viam como ameaça, discriminada por ser brasileira e mulher, ainda por cima bonita. Alugou uma mota e inscreveu-se na plataforma Uber Eats. "Fui a terceira a trabalhar nas entregas, agora são mais de 100", assegura..Gabriela não vê que esteja em desvantagem em relação aos homens. "As hipóteses de ganhar mais aumentam com as horas de trabalho. Começo às 10:00 e acabo às 21:00/22:00, conheço muitos homens que não ficam tanto tempo". Já comprou uma mota, fato de motard impermeável, um saco verde às costas, o da Uber Eats. É assim "de domingo a domingo", para tirar cerca de 300 euros por semana. Está parada junto ao McDonald"s da Avenida da República, onde se juntam dezenas de outros estafetas. A cadeia reduziu o horário com a covid-19, abre às 11:00 e fecha às 22:00, ainda assim um período mais alargado que a restauração em geral, o que, juntando aos preços acessíveis, faz crescer o número de pedidos..Escolhem aquele local, também por facilmente poderem subir à praça do Saldanha, descer ao Campo Pequeno ou tentar Amoreiras e Campo de Ourique. Outros juntam-se perto do Ground Burguer, na avenida António Augusto de Aguiar. O critério é sempre o mesmo, estacionar perto dos serviços de take away com mais procura. É terça-feira, um dia fraco, e há muita concorrência. Gabriela decide guiar até Campo de Ourique, à procura de pedidos. Sexta-feira e sábado são os dias mais fortes..Mais gorjetas e concorrência.Gabriela sentiu um maior número de pedidos nas primeiras semanas do Estado de Emergência, justifica que as pessoas ficavam mais tempo em casa e que, provavelmente, teriam mais dinheiro. Entretanto, há mais pessoas a trabalhar nas entregas, alguns desempregados devido à covid-19 ..É o caso de Bruno Barbosa, 28 anos, que tinha encontrado o emprego de sonho. Fazia os check-in numa rede de hostels. É licenciado em Direito e imigrou do Brasil há cinco meses. Começou por vender serviços porta-a-porta (energia e telecomunicações), algo impensável: "Não percebi o que era quando aceitei, é uma atividade mal vista no Brasil, quem entra num prédio é vizinho ou familiar". E ganhava à comissão. Correu mal..As coisas melhoraram substancialmente quando foi trabalhar para a rede de hostels. "Tinha uma agenda e ia de hostel em hostel receber as pessoas. Era um emprego excelente, praticava o meu inglês e ia ganhar o meu contrato", conta. Em meados de março, o sonho desvaneceu-se, ficou desempregado. A solução foi ser estafeta e inscreveu-se na Glovo. "Estou muito agradecido por esta oportunidade, mas é completamente diferente. Um imigrante, sem família, num país onde nunca viveu, depende exclusivamente de si, é muito complicado", acrescenta..Não tem carta de condução, a hipótese é trabalhar de bicicleta: neste caso as Giras de Lisboa. Também isso acha uma bênção, o transporte depende mais das suas pernas do que do bolso. Paga um valor anual de 25 euros e mais 20 cêntimos (elétrica) por cada período de 45 minutos. Convém trocar de veículo ao fim desse tempo para não aumentar a taxa. Olhos no telemóvel, Bruno vai atualizando a agenda, à espera que caiam pedidos. À espera de melhores dias e de concretizar um sonho maior: ser DJ e viver da música..Estefany Belicio, 23 anos, também tinha "um bom emprego". Era empregada de mesa no Café Gelo, no Rossio, muitos turistas, também gorjetas. Chegou do Brasil há um ano, ainda estava em período experimental no restaurante. Foi despedida quando este fechou, a 15 de março. "Mas tinha muitos clientes", lamenta..Sem condições e sem inscrições na Uber, "alugou" uma conta pela qual paga 30 % do que recebe. Com esse dinheiro, o detentor da conta paga 23 % de IVA, o imposto que cabe a cada estafeta. Também ela faz entregas de bicicleta. "Esta é a minha terceira semana, a primeira correu bem, a segunda já foi pior. Há mais estafetas", justifica. Entra ao serviço às 10:00 para terminar às 18:00, folga à segunda-feira. A semana passada ganhou 70 euros, dá para a renda. Mora em Almada..Filipe Costa, 34 anos, não tem razão de queixa. Estima que os seus rendimentos aumentaram em 30 % desde que foi decretado o confinamento social, mas isso também pode ter a ver com o facto de ter trocado Almada por Lisboa nas entregas. E recebe mais gorjetas: "Antes, para falar verdade, não recebia muitas gorjetas, agora sim"..Filipe veio de Santos (São Paulo) há ano e meio, para trabalhar na construção civil. O dinheiro não compensava, o trabalho era incerto, foi para as entregas. Entretanto, passou para a TVDE (transporte individual remunerado), atividade que reduziu substancialmente com a pandemia. Voltou a ser estafeta mas espera regressar aos carros. "Volto assim que a situação melhorar, quando voltar o turismo. Ficar todo o dia numa mota é muito complicado, o frio, a chuva"..Trabalha para a Glovo, em Almada, e para a Uber Eats, em Lisboa, onde prefere estacionar junto ao Ground Burguer. É possível estar em simultâneo em mais de uma plataforma como na TVDE. Trabalha nos períodos com maior caudal de pedidos, à hora de almoço e ao jantar, folga à quinta-feira. Faz 75 horas semanais, o que lhe rende 1200 euros por mês. "Conheço quem ganhe 2000 euros, mas trabalham mais horas", conta Filipe..Uns dizem que têm mais pedidos, outros que têm menos, depende também da estratégia para angariar clientes. O que é consensual é que, agora, recebem mais gorjetas, via online ou no ato de entrega. A Uber passou a permitir as gorjetas na aplicação, o que não acontecia. A Glovo não tem essa possibilidade, recebem à mão e quem paga a conta arredonda o valor. Embora, agora, as entregas sejam metidas nos elevadores, deixadas à entrada dos prédios, de preferência. Também há quem tenha lançado uma corda com um cesto da janela para recolher o pedido.."Sentem que o nosso trabalho é importante, vamos levar a comida a casa, aos hospitais, a sítios onde as pessoas não podem sair, já o fazíamos antes, mas só agora perceberam", lembra Gabriela Rocha..Oportunidade para aplicações.A Glovo e a Uber Eats são as duas empresas de estafetas em Portugal, mas brevemente haverá também a Bolt Food. Não divulgam o número de estafetas e dos pedidos diários, justificando que são "dados sensíveis de mercado". Mas gostam de anunciar as cidades que cobrem e as parcerias que vão fazendo, cada vez mais, e não só na restauração. Confirmam, no entanto, que a pandemia possibilitou a expansão do mercado online e que a progressão é para continuar..A Glovo entrou em Portugal há cinco anos, está em 34 cidades e tem por lema: "Entregar o que quiser, onde quiser". Os seus estafetas fazem a distribuição em motos (56 %), bicicletas (26 %) e carro (18%).."Os pedidos de restaurantes são menores devido ao encerramento de alguns deles. Verificamos uma dinâmica significativa de crescimento de pedidos de supermercado e de parafarmácia", avança Ricardo Batista, o responsável pela plataforma no país. Entre 30 de março e 5 de abril, registaram um aumento de 375% nos pedidos de parafarmácia e de 92% na categoria "qualquer coisa". Esta "permite aos utilizadores solicitar qualquer coisa, a única condição é que o pedido seja feito numa área geográfica coberta pela aplicação (app) e caiba na mochila da Glovo"..Os responsáveis da Uber Eats, que chegou a Portugal em 2017, sublinham que concentraram o apoio aos restaurantes em investimentos que aumentassem a procura para os seus parceiros. "Sabíamos que essa seria a sua principal preocupação nestes tempos excecionais", justificam. Cobrem, atualmente, 50 % da população portuguesa, com estafetas em 44 cidades. Começaram com 90 restaurantes e atingiram os 3000 estabelecimentos, recentemente fizeram parcerias com mercearias e lojas de conveniência..As duas empresas têm regras diferentes, desde logo, as condições exigidas para ser estafeta. A Uber não está a aceitar novos estafetas, além de pedir autorização de residência, num mercado laboral que é dominado por imigrantes. O DN não encontrou um português entre as dezenas de estafetas a circular pelo centro de Lisboa. Uma grande parte são brasileiros, a que se juntam alguns oriundos do Bangladesh, Paquistão e Índia..AbdoulKedir, 25 anos, veio do Bangladesh há meio ano e não fala português. O que não é grave quando se fazem entregas e se é guiado por app até ao destino. Anda numa bicicleta para trás e para a frente, à espera dos pedidos. Vê grande vantagem no veículo de duas rodas. "Estão em todo o lado, são baratas e, agora, não temos os carros a dificultar". Faz uma média de 200 euros por semana, mas teme que esse rendimento possa baixar com a entrada de novos estafetas..Não é só na forma de acesso que a Uber Eat e a Glovo são diferentes. A Uber paga à semana e não envolve dinheiro, é mais seguro: 1,20 euros por cada pedido, mais 60 cêntimos por Km. A Glovo paga à quinzena, 1,50 euros pelo pedido, mais 35 cêntimos ao Km, encomendas que também podem ser cobrados em dinheiro, embora Ricardo Batista, tenha dito ao DN, "que estão a encorajar o pagamento por cartão". Os estafetas também têm um cartão da empresa para pagamentos. Nesta fase, dispensam a assinatura de receção, para reduzir o contacto humano..Outra diferença substancial é a facilidade de captar entregas. Na Uber, o estafeta apenas tem de ficar online para ser elegível para os pedidos. Na Glovo é por agenda, a empresa vai disponibilizando horários, aos quais os estafetas têm de se candidatar e estes esgotam. Nas duas, fica com o pedido quem está mais perto do estabelecimento para onde foi feito; a pontuação dos clientes (e das empresas que fornecem o serviço) também conta..São as condições de trabalho indicadas ao DN pelos próprios estafetas, sendo notório que preferem a Uber. Além de que na Glovo sujeitam-se a roubos. " muitos assaltos, o que não existe com a Uber, eles não mexem em dinheiro", queixa-se Gabriel Albuquerque, 20 anos, um carioca que veio para Portugal há três anos. Vive em Lisboa mas residiu seis meses no Porto. Trabalha na Glovo há dois, ultimamente era um part-time, que conciliava com o serviço num call center. Foi despedido no início da pandemia..Gabriel teve outros trabalhos, vendeu contratos de energia, faz tudo para continuar em Portugal, que adora. Foi pai de uma menina há quatro meses, que ainda está no hospital devido a problemas de saúde. "Não é fácil!"
Motos, bicicletas e trotinetas, conduzidas por homens e algumas mulheres, brasileiros e outros imigrantes, sacos às costas verdes e amarelos. Mais de 50 estafetas circulam pelas ruas de Lisboa, agora a meio gás, no triângulo entre o Saldanha, António Augusto de Aguiar e Campo Pequeno. É hora do almoço e começam a cair as encomendas de take away para entregar em casa. Ganham por pedido e ao km e é preciso suar muito para conseguir um rendimento razoável. Mas tem vantagens: "O melhor é a liberdade e não sentir discriminação", diz a Gabriela Rocha. O pior são "a chuva e o frio"..Gabriela Rocha é estafeta há ano e meio. Imigrou do Brasil, de Goiás, há dois, vive na baixa de Lisboa. O primeiro emprego foi num lar, onde não lhe pagaram o que deviam. "Como eu não tinha documentos, não se preocuparam em cumprir", diz. Respondeu a anúncios para restaurantes, sentiu que a viam como ameaça, discriminada por ser brasileira e mulher, ainda por cima bonita. Alugou uma mota e inscreveu-se na plataforma Uber Eats. "Fui a terceira a trabalhar nas entregas, agora são mais de 100", assegura..Gabriela não vê que esteja em desvantagem em relação aos homens. "As hipóteses de ganhar mais aumentam com as horas de trabalho. Começo às 10:00 e acabo às 21:00/22:00, conheço muitos homens que não ficam tanto tempo". Já comprou uma mota, fato de motard impermeável, um saco verde às costas, o da Uber Eats. É assim "de domingo a domingo", para tirar cerca de 300 euros por semana. Está parada junto ao McDonald"s da Avenida da República, onde se juntam dezenas de outros estafetas. A cadeia reduziu o horário com a covid-19, abre às 11:00 e fecha às 22:00, ainda assim um período mais alargado que a restauração em geral, o que, juntando aos preços acessíveis, faz crescer o número de pedidos..Escolhem aquele local, também por facilmente poderem subir à praça do Saldanha, descer ao Campo Pequeno ou tentar Amoreiras e Campo de Ourique. Outros juntam-se perto do Ground Burguer, na avenida António Augusto de Aguiar. O critério é sempre o mesmo, estacionar perto dos serviços de take away com mais procura. É terça-feira, um dia fraco, e há muita concorrência. Gabriela decide guiar até Campo de Ourique, à procura de pedidos. Sexta-feira e sábado são os dias mais fortes..Mais gorjetas e concorrência.Gabriela sentiu um maior número de pedidos nas primeiras semanas do Estado de Emergência, justifica que as pessoas ficavam mais tempo em casa e que, provavelmente, teriam mais dinheiro. Entretanto, há mais pessoas a trabalhar nas entregas, alguns desempregados devido à covid-19 ..É o caso de Bruno Barbosa, 28 anos, que tinha encontrado o emprego de sonho. Fazia os check-in numa rede de hostels. É licenciado em Direito e imigrou do Brasil há cinco meses. Começou por vender serviços porta-a-porta (energia e telecomunicações), algo impensável: "Não percebi o que era quando aceitei, é uma atividade mal vista no Brasil, quem entra num prédio é vizinho ou familiar". E ganhava à comissão. Correu mal..As coisas melhoraram substancialmente quando foi trabalhar para a rede de hostels. "Tinha uma agenda e ia de hostel em hostel receber as pessoas. Era um emprego excelente, praticava o meu inglês e ia ganhar o meu contrato", conta. Em meados de março, o sonho desvaneceu-se, ficou desempregado. A solução foi ser estafeta e inscreveu-se na Glovo. "Estou muito agradecido por esta oportunidade, mas é completamente diferente. Um imigrante, sem família, num país onde nunca viveu, depende exclusivamente de si, é muito complicado", acrescenta..Não tem carta de condução, a hipótese é trabalhar de bicicleta: neste caso as Giras de Lisboa. Também isso acha uma bênção, o transporte depende mais das suas pernas do que do bolso. Paga um valor anual de 25 euros e mais 20 cêntimos (elétrica) por cada período de 45 minutos. Convém trocar de veículo ao fim desse tempo para não aumentar a taxa. Olhos no telemóvel, Bruno vai atualizando a agenda, à espera que caiam pedidos. À espera de melhores dias e de concretizar um sonho maior: ser DJ e viver da música..Estefany Belicio, 23 anos, também tinha "um bom emprego". Era empregada de mesa no Café Gelo, no Rossio, muitos turistas, também gorjetas. Chegou do Brasil há um ano, ainda estava em período experimental no restaurante. Foi despedida quando este fechou, a 15 de março. "Mas tinha muitos clientes", lamenta..Sem condições e sem inscrições na Uber, "alugou" uma conta pela qual paga 30 % do que recebe. Com esse dinheiro, o detentor da conta paga 23 % de IVA, o imposto que cabe a cada estafeta. Também ela faz entregas de bicicleta. "Esta é a minha terceira semana, a primeira correu bem, a segunda já foi pior. Há mais estafetas", justifica. Entra ao serviço às 10:00 para terminar às 18:00, folga à segunda-feira. A semana passada ganhou 70 euros, dá para a renda. Mora em Almada..Filipe Costa, 34 anos, não tem razão de queixa. Estima que os seus rendimentos aumentaram em 30 % desde que foi decretado o confinamento social, mas isso também pode ter a ver com o facto de ter trocado Almada por Lisboa nas entregas. E recebe mais gorjetas: "Antes, para falar verdade, não recebia muitas gorjetas, agora sim"..Filipe veio de Santos (São Paulo) há ano e meio, para trabalhar na construção civil. O dinheiro não compensava, o trabalho era incerto, foi para as entregas. Entretanto, passou para a TVDE (transporte individual remunerado), atividade que reduziu substancialmente com a pandemia. Voltou a ser estafeta mas espera regressar aos carros. "Volto assim que a situação melhorar, quando voltar o turismo. Ficar todo o dia numa mota é muito complicado, o frio, a chuva"..Trabalha para a Glovo, em Almada, e para a Uber Eats, em Lisboa, onde prefere estacionar junto ao Ground Burguer. É possível estar em simultâneo em mais de uma plataforma como na TVDE. Trabalha nos períodos com maior caudal de pedidos, à hora de almoço e ao jantar, folga à quinta-feira. Faz 75 horas semanais, o que lhe rende 1200 euros por mês. "Conheço quem ganhe 2000 euros, mas trabalham mais horas", conta Filipe..Uns dizem que têm mais pedidos, outros que têm menos, depende também da estratégia para angariar clientes. O que é consensual é que, agora, recebem mais gorjetas, via online ou no ato de entrega. A Uber passou a permitir as gorjetas na aplicação, o que não acontecia. A Glovo não tem essa possibilidade, recebem à mão e quem paga a conta arredonda o valor. Embora, agora, as entregas sejam metidas nos elevadores, deixadas à entrada dos prédios, de preferência. Também há quem tenha lançado uma corda com um cesto da janela para recolher o pedido.."Sentem que o nosso trabalho é importante, vamos levar a comida a casa, aos hospitais, a sítios onde as pessoas não podem sair, já o fazíamos antes, mas só agora perceberam", lembra Gabriela Rocha..Oportunidade para aplicações.A Glovo e a Uber Eats são as duas empresas de estafetas em Portugal, mas brevemente haverá também a Bolt Food. Não divulgam o número de estafetas e dos pedidos diários, justificando que são "dados sensíveis de mercado". Mas gostam de anunciar as cidades que cobrem e as parcerias que vão fazendo, cada vez mais, e não só na restauração. Confirmam, no entanto, que a pandemia possibilitou a expansão do mercado online e que a progressão é para continuar..A Glovo entrou em Portugal há cinco anos, está em 34 cidades e tem por lema: "Entregar o que quiser, onde quiser". Os seus estafetas fazem a distribuição em motos (56 %), bicicletas (26 %) e carro (18%).."Os pedidos de restaurantes são menores devido ao encerramento de alguns deles. Verificamos uma dinâmica significativa de crescimento de pedidos de supermercado e de parafarmácia", avança Ricardo Batista, o responsável pela plataforma no país. Entre 30 de março e 5 de abril, registaram um aumento de 375% nos pedidos de parafarmácia e de 92% na categoria "qualquer coisa". Esta "permite aos utilizadores solicitar qualquer coisa, a única condição é que o pedido seja feito numa área geográfica coberta pela aplicação (app) e caiba na mochila da Glovo"..Os responsáveis da Uber Eats, que chegou a Portugal em 2017, sublinham que concentraram o apoio aos restaurantes em investimentos que aumentassem a procura para os seus parceiros. "Sabíamos que essa seria a sua principal preocupação nestes tempos excecionais", justificam. Cobrem, atualmente, 50 % da população portuguesa, com estafetas em 44 cidades. Começaram com 90 restaurantes e atingiram os 3000 estabelecimentos, recentemente fizeram parcerias com mercearias e lojas de conveniência..As duas empresas têm regras diferentes, desde logo, as condições exigidas para ser estafeta. A Uber não está a aceitar novos estafetas, além de pedir autorização de residência, num mercado laboral que é dominado por imigrantes. O DN não encontrou um português entre as dezenas de estafetas a circular pelo centro de Lisboa. Uma grande parte são brasileiros, a que se juntam alguns oriundos do Bangladesh, Paquistão e Índia..AbdoulKedir, 25 anos, veio do Bangladesh há meio ano e não fala português. O que não é grave quando se fazem entregas e se é guiado por app até ao destino. Anda numa bicicleta para trás e para a frente, à espera dos pedidos. Vê grande vantagem no veículo de duas rodas. "Estão em todo o lado, são baratas e, agora, não temos os carros a dificultar". Faz uma média de 200 euros por semana, mas teme que esse rendimento possa baixar com a entrada de novos estafetas..Não é só na forma de acesso que a Uber Eat e a Glovo são diferentes. A Uber paga à semana e não envolve dinheiro, é mais seguro: 1,20 euros por cada pedido, mais 60 cêntimos por Km. A Glovo paga à quinzena, 1,50 euros pelo pedido, mais 35 cêntimos ao Km, encomendas que também podem ser cobrados em dinheiro, embora Ricardo Batista, tenha dito ao DN, "que estão a encorajar o pagamento por cartão". Os estafetas também têm um cartão da empresa para pagamentos. Nesta fase, dispensam a assinatura de receção, para reduzir o contacto humano..Outra diferença substancial é a facilidade de captar entregas. Na Uber, o estafeta apenas tem de ficar online para ser elegível para os pedidos. Na Glovo é por agenda, a empresa vai disponibilizando horários, aos quais os estafetas têm de se candidatar e estes esgotam. Nas duas, fica com o pedido quem está mais perto do estabelecimento para onde foi feito; a pontuação dos clientes (e das empresas que fornecem o serviço) também conta..São as condições de trabalho indicadas ao DN pelos próprios estafetas, sendo notório que preferem a Uber. Além de que na Glovo sujeitam-se a roubos. " muitos assaltos, o que não existe com a Uber, eles não mexem em dinheiro", queixa-se Gabriel Albuquerque, 20 anos, um carioca que veio para Portugal há três anos. Vive em Lisboa mas residiu seis meses no Porto. Trabalha na Glovo há dois, ultimamente era um part-time, que conciliava com o serviço num call center. Foi despedido no início da pandemia..Gabriel teve outros trabalhos, vendeu contratos de energia, faz tudo para continuar em Portugal, que adora. Foi pai de uma menina há quatro meses, que ainda está no hospital devido a problemas de saúde. "Não é fácil!"