O medo invisível nove meses após o atentado na Breitscheidplatz

Terrorismo é a terceira maior preocupação dos alemães. Levar uma vida normal, apesar do medo, é o que tentam fazer
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Na Breitscheidplatz o ambiente é o de uma qualquer praça normal europeia. Turistas passeiam, casais namoram, amigos convivem, reformados passam o tempo, olham o infinito, jovens estão cabisbaixos absorvidos pela realidade paralela que se passa dentro dos seus telemóveis. Junto à igreja Kaiser Wilhelm, no centro da praça, um conjunto de velas chama a atenção de quem passa. Sobretudo dos turistas. São uma homenagem às vítimas mortais do ataque terrorista de 19 de dezembro do ano passado. 12 no total. Na parede, duas listas. Uma faz a contagem dos atentados que houve na Europa desde o dia em que o tunisino Anis Amri entrou com um camião roubado pela praça onde decorria na altura um tradicional mercado de natal. Outra tem a lista dos mortos do último ataque do género, em Barcelona, a 17 de agosto. Aí estão também dois nomes portugueses, Maria Lurdes Ribeiro e Maria Correia, avó e neta que perderam a vida no atentado das Ramblas. Uma placa de madeira com letras pintadas a vermelho pergunta: "Warum?" (Porquê?)

"O Estado Islâmico trouxe a guerra para a Europa. São uns loucos. Todos na Alemanha acreditam que pode haver mais atentados destes. Na minha terra, Wiesbaden, perto de Frankfurt, há muitos mercados de vinho. Agora é só polícias, camiões e blocos de cimento a tapar o caminho, por segurança", diz ao DN Christel, uma professora reformada de 67 anos. "O ano passado era para vir aqui ao mercado de natal. Ainda bem que não vim. Agora estou aqui a prestar homenagem aos que morreram", diz a alemã, confessando que alterou alguns hábitos, como andar na rua à noite, tendo-se tornado muito mais vigilante do que antes. "Tenho medo. Mas o que é que se pode fazer? A vida continua. Pode acontecer em qualquer lado", sublinha, admitindo, porém, que a política de porta aberta de Angela Merkel para com os refugiados facilitou a vida aos terroristas. "O pior que ela fez foi deixar toda a gente vir sem nenhum tipo de controlo".

É verdade que o terrorista da Breitscheidplatz, que fugiu do local depois do atentado e acabou por ser localizado e morto dias depois em Itália, era um requerente de asilo falhado e usou até 14 identidades diferentes. Mas também é verdade que os serviços de informações tinham sido alertados para o caso dele, partilharam essa informação e nem todos lhe deram a devida atenção. "Um dos problemas é que a arquitetura do sistema de segurança alemão é antiquada e, por vezes, ineficaz. Esta gente, altamente móvel, como Amri, atravessa dois dos 16 estados federados e, em teoria, já são agências completamente diferentes as responsáveis por eles", afirma ao DN Yassin Musharbash, responsável adjunto do departamento de investigação do jornal Die Zeit e um dos maiores especialistas em terrorismo na Alemanha. Musharbash e a sua equipa investigaram durante três meses o atentado de 19 de dezembro de 2016. Filho de pai jordano e mãe alemã, diz não ter dúvidas de que o Estado Islâmico vai voltar a atacar na Alemanha. "Mas não acredito que consiga preparar um ataque a tempo das eleições". Yassin admite que o facto de haver "pseudo-refugiados a cometer atentados ajudou a criar um clima e medo nas pessoas e que é esse medo que agora alimenta os partidos de extrema-direita".

Refugiados e não terroristas

Lily, estudante alemã de 17 anos, não confunde refugiados e terroristas. "Uns são pessoas normais, como nós, os outros são loucos", diz ao DN, sentada frente à igreja Kaiser Wilhelm, com duas amigas. Natural de Brandemburgo, cidade, vem muitas vezes a esta praça de Berlim. "Quando vi o atentado na televisão fiquei horrorizada. Hoje já não tenho tanto medo. É verdade que estou mais atenta. Quando vou a uma discoteca, por exemplo, estou sempre a ver se há algo estranho. Mas as pessoas devem continuar a viver as suas vidas". Uma sondagem do Kantar Emnid Institute, divulgada em agosto, revelou que o terrorismo é a terceira preocupação dos alemães, com 63% das respostas, atrás de uma nova guerra e das alterações climáticas, com 65% e 71%.

Ao contrário do choque que se seguiu ao 11 de setembro ou ao 11 de março nos EUA e em Espanha, por exemplo, parece haver agora uma banalização do terror. Um misto de medo invisível e a vida continua. "A verdade é que, passo a passo, estamos a ficar habituados a isto", confessa ao DN Roland Weber, comissário para as vítimas, da cidade-estado de Berlim. A trabalhar há duas décadas com vítimas dos mais diversos crimes, da violência doméstica, a homicídios ou violação, viu-se, subitamente, no centro dos casos das vítimas do ataque da Breitscheidplatz. "Descobrimos que não havia ninguém apenas dedicado às vítimas do terrorismo, descobrimos falhas na lei que dizia que as seguradoras não têm que pagar às vítimas de acidentes com viaturas se estes forem crime", enumera, revelando que ainda hoje há feridos internados em hospitais e que vão ficar incapacitados para o resto das suas vidas. Weber participou a semana passada na seleção do projeto de memorial às vítimas do atentado, que consistirá na inscrição do nome de cada uma nas escadarias e deverá estar pronto para a inauguração no dia 19 de dezembro. Assim, a igreja Kaiser Wilhelm, que foi destruída na II Guerra Mundial por um raide aéreo, passará a ter dois memoriais, uma vez que, até agora, já era ela própria um memorial à paz e à reconciliação e uma homenagem à determinação dos alemães em reerguerem-se. Independentemente de quem os ataque.

* Enviada a Berlim

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