"O mar vai ser uma carta fundamental no século XXI"
Tiago Pitta e Cunha, administrador executivo da Fundação Oceano Azul, é o vencedor do Prémio Pessoa 2021. O anúncio foi feito ontem pelos promotores da iniciativa - o jornal Expresso com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos - que tem por objetivo reconhecer a atividade de pessoas portuguesas com papel significativo na vida cultural e científica do país.
Tiago Pitta e Cunha estava em casa, na manhã desta sexta-feira, quando o telefone tocou. E foi "com alguma estupefação" que recebeu a notícia. "Sinceramente, nunca me vi na categoria dos galardoados do Prémio Pessoa. E além disso é um prémio em que as pessoas não sabem que estão a ser escrutinadas. Por isso atribuo mais ao facto de estar a trabalhar num tema a que se está a atribuir mais importância, como é a questão da sustentabilidade, da natureza, do oceano, da importância do oceano para o país". Tiago acredita que não será alheio também o facto de trabalhar numa organização como a Fundação Oceano Azul, que apesar de ser ainda recente (2017) "tem criado um impacto grande, não só em Portugal".
Aos 54 anos, Tiago Pitta e Cunha tem já uma longa carreira ligada à luta "pela necessária mudança de atitude das sociedades humanas em relação aos assuntos do Mar e dos Oceanos". De resto, é assim que o júri justifica a atribuição do prémio.
A ligação ao mar começou ainda na juventude, depois da licenciatura em Direito. Já era professor na Universidade Católica, quando resolveu fazer um mestrado em Inglaterra. "Nessa altura, em 1993, nós podíamos escolher as disciplinas que queríamos fazer. E então, entre 80 disciplinas tínhamos que escolher cinco. Uma delas foi Direito do Mar. O professor perguntava o nome e a nacionalidade dos alunos e anotava num papel. No fim disse-me que eu devia fazer aquele curso, por ser português. Quando lhe perguntei porquê, disse-me que Portugal tinha a maior zona económica exclusiva da Europa e ele achava que esse facto não era muito conhecido em Portugal. E que não havia um grande desenvolvimento doutrinal em Direito do Mar nas escolas portuguesas. E essa foi a verdade que me acertou mais em cheio na cara".
Volvidos todos estes anos, Tiago tem a certeza de que foi essa a conversa que lhe mudou a vida. Não raras vezes conta que é "um filho do PREC, de uma altura em que o país tinha dificuldade em ter água e eletricidade ao mesmo tempo; em que havia falta de leite ou falta de pão. Em que Portugal levava abadas até no futebol. Na verdade, eu não tive muitas razões de auto-estima para crescer, senão uma pessoa estrangeira que me diz que eu tenho no meu país uma coisa que é a maior da Europa. E isso para mim foi verdadeiramente disruptor". A partir daí, andaria sempre às voltas com aquela ideia. Depois foi trabalhar para as Nações Unidas, envolveu-se nas políticas dos oceanos. "Depois nunca mais deixei de trabalhar nisso. Mudei de país, andei por vários sítios, toda a vida cresci com os políticos a dizerem que Portugal era um país pequeno, pobre e irresponsável, em que no fundos os líderes nos diminuíam. E sinceramente, nunca vivi bem com isso. É verdade que não somos grandes, não devemos estar em bicos de pés, mas devemos ter mais ambição e ter um modelo de desenvolvimento económico que nos permita realizar mais as aspirações das pessoas e do país, para deixarmos de ver ou mais atrasados e menos endividados ou menos atrasados e mais endividados, como tem sido nos últimos dois séculos. Isso não tem de ser necessariamente uma sina. Acho que o mar vai ser uma carta fundamental no século XXI, porque é uma chave fundamental quer para a descarbonização quer para toda a questão do equilíbrio ambiental, como salta à vista de todas as pessoas. São 71% da área do planeta".
Os assuntos do Mar e dos Oceanos têm estado presentes na sua atividade profissional "com a intensidade de uma escolha vocacional", refere uma nota enviada pelo júri do prémio. Desempenhou cargos nacionais e internacionais, nomeadamente na ONU, na Comissão Europeia e como Consultor do Presidente da República. É Administrador Executivo do Conselho de Administração da Fundação Oceano Azul, desde a sua criação em 2017.
"A Fundação Oceano Azul é ela própria resultante de um processo de diálogo e convergência de atores e perspetivas diferenciados, onde se destaca o papel da filantropia e da responsabilidade social privadas", sublinha a mesma nota.
O Prémio Pessoa foi criado em 1987, ano em que o galardão acabou por ser atribuído ao historiador José Mattoso. Da longa lista de premiados ao longos destas 35 edições fazem parte nomes tão diversos como Herberto Helder, Vasco Graça Moura, João Lobo, José Cardoso Pires, Eduardo Souto Moura, Manuel Alegre, Manuel Sobrinho Simões, Luís Miguel Cintra, D. Manuel Clemente ou Eduardo Lourenço. No ano passado o prémio foi entregue a Elvira Fortunato.