O maquinista que podia escrever histórias sobre os passageiros
José Coelho senta-se aos comandos da sua máquina, o primeiro metro que partirá de Telheiras para o Cais do Sodré. Faz o protocolo de segurança, a inspeção ao comboio, abre e fecha as portas, vê as câmaras, verifica se tudo está ok tanto da parte mecânica como eletrónica e liga à central para confirmar que os rádios estão ativos. Depois segue do término para a estação de Telheiras. Passados 15 minutos, abrem-se os portões da estação e entram os primeiros passageiros do dia: 6:33 e aí vai o metro. Próxima estação, Campo Grande.
A trabalhar há 26 anos no Metropolitano de Lisboa - primeiro foi fator, uma função que já não existe, e que abria e fechava as portas ao lado do maquinista - nunca pensou escrever um livro sobre as personagens que vê quando a composição entra nas estações, mas a verdade é que acaba por congeminar histórias sobre elas. Às primeiras horas da manhã são quase sempre as mesmas pessoas e José Coelho já as conhece, sabe de cor onde entram e onde saem.
"Há duas mulheres que estão sempre juntas no Areeiro, não sei se são irmãs... Uma delas estava grávida e agora não tem aparecido. Deve estar de licença de maternidade", diz, naquele que é só um exemplo de que a sua cabeça se ocupa a fazer tramas para as personagens que conhece, mas não o conhecem a ele, para "lutar contra a solidão e a monotonia" que é o seu trabalho. Afinal, o maquinista transporta centenas e centenas de pessoas, sem falar com nenhuma delas, confinado a um espaço exíguo.
E porque estão sozinhos aos comandos da composição, há preceitos de segurança para que o comando central saiba que está tudo bem. Uma delas é estarem sempre a pressionar um comando, com a mão ou com o pé, o chamado sistema homem morto. "Se deixarmos de carregar, em poucos segundos o comboio faz uma travagem de urgência." Outro é o facto de o botão para a abertura e fecho de portas que está no painel não estar ativado. O maquinista tem que levantar o braço, por cima da cabeça, para dar essa ordem ao mecanismo.
Um movimento suspeito, uma desacato dentro de uma carruagem e a central é imediatamente alertada entrando logo a polícia em ação.
Jorge Coelho poderia escrever histórias inspiradas, mas há outras bem reais com que os maquinistas se deparam, como os casos de quem salta para a linha. Ele tem uma para contar e o final só não foi dramático porque ao entrar com o comboio na estação do Martim Moniz percebeu o que ia acontecer: "O homem sentou-se no chão para saltar para a via. Travei de emergência."
Em seis horas de turno, José Coelho faz mais de 30 viagens. Cada vez que chega ao término da linha observa todas as carruagens, para ver se não ficou nenhum passageiro. E depois sai e volta à outra extremidade do comboio, porque irá andar em sentido oposto.