"O jogador português é respeitado e caro nos EUA. Treinar Ronaldo seria um sonho"

Num português invejável, o luso-canadiano que orienta o ex-sportinguista Fredy Montero nos Vancouver Whitecaps fala do seu trajeto e dos objetivos que projeta para a carreira. Depois de títulos nas divisões secundárias dos Estados Unidos, vive a época de estreia na Major League Soccer.
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Filho de pai natural de Vila Nova de Gaia e mãe de Aveiro, Marc dos Santos nasceu em Montreal, no Canadá, há quase 42 anos. Viveu em Portugal, jogou futebol em Moçambique e voltou para o Canadá, onde tem evoluído como treinador. Fez um percurso vitorioso na North American Soccer League (NASL) e na United Soccer League (USL) e este ano teve finalmente a sua oportunidade num campeonato abrilhantado por estrelas como Nani, Zlatan Ibrahimovic, Wayne Rooney, Bastian Schweinsteiger ou David Villa.

Depois de vários anos na NASL e na USL e como adjunto dos Los Angeles FC na MLS, o Marc teve nesta época a primeira oportunidade como treinador principal na MLS. Como está a correr?

É um ano de reconstrução no clube onde estou. O Vancouver quer mudar a mentalidade e a visão. As experiências na NASL e como adjunto em Los Angeles prepararam-me para estar nesta posição. Estão a ser uns primeiros meses de grande trabalho e entrega de toda a gente, sempre com a ambição de fazer o clube crescer e que o mercado de Vancouver possa crescer na MLS.

Os Vancouver Whitecaps não conseguiram apurar-se para os playoffs no ano passado e nesta época estão a sentir dificuldades. Qual é o objetivo para esta temporada?

O objetivo é tentar colocar a equipa nos sete primeiros lugares da Conferência Oeste, que dão acesso aos playoffs, e ao mesmo tempo tentar chegar à final da Taça do Canadá e quem sabe vencê-la, o que nos permitiria estar na Liga dos Campeões da CONCACAF no próximo ano.

Filho de pais portugueses, nasceu no Canadá, viveu em Portugal, jogou futebol na zona de Aveiro mas depois voltou ao Canadá. Fale-nos um pouco sobre a sua história de vida, sobretudo a ligação a Portugal...

O meu pai é de Vila Nova de Gaia, a minha mãe de Aveiro. Sempre tive uma ligação forte a Portugal, com o país e com o treino. Nasci no Canadá, em Montreal, mas fui muito cedo para Portugal, com 10 anos, e aí comecei a jogar futebol em Aveiro. O meu pai era treinador de futebol semiprofissional e chegou a treinar em Moçambique, o Benfica da Beira se não me engano. Ele foi para Moçambique em 2002 e acabei por ir com ele. Fui com intuito não só de trabalhar na empresa de construção do meu pai mas também de estar ligado ao futebol.

A partir daí, construiu-se uma carreira...

Colaborei com a Federação Moçambicana em alguns projetos, joguei na Liga Muçulmana de Maputo e na Académica de Maputo, mas desde muito novo que tinha um grande fascínio pelo treino e pela metodologia de treino. A pouco e pouco fui desenvolvendo a minha paixão pelo treino, fui lendo livros e biografias e a partir daí estive em vários projetos ligados ao treino em academias no Canadá, incluindo o centro de treino nacional, onde treinam os melhores jogadores de cada província. Já treinava equipas de sub-14 e sub-16 quando tinha 22 e 23 anos e depois tive a minha primeira oportunidade como treinador na equipa B do Montreal Impact, o Trois-Rivières Attak. Entretanto orientei a equipa principal do Montreal Impact, fomos campeões da US League em 2009 e fui para o Brasil em 2011. Trabalhei nas camadas jovens do Palmeiras e do Desportivo Brasil. A seguir fui para o Ottawa construir um novo clube na NASL, o Ottawa Fury, e ganhámos a nossa divisão em 2015 e perdemos na final dos playoffs com o New York Cosmos. Daí fui treinar a equipa B do Sporting Kansas City e chegámos à final do USL Championship. Seguiu-se o San Francisco Deltas, no ano de expansão da NASL, e fomos campeões. No ano passado fui adjunto do Bob Bradley no Los Angeles FC e agora estou no Vancouver Whitecaps. Foi um trajeto de muito sacrifício e muitas mudanças, mas sempre à procura da melhor oportunidade para crescer como treinador.

Como correu essa experiência no Brasil?

Tive a oportunidade de trabalhar num grande clube, o Palmeiras. O que mais me impressionou foi não só a qualidade dos jogadores jovens nos escalões de formação do futebol brasileiro, que é um futebol que tem imenso talento, mas também a pressão que os treinadores têm no Brasil todos os dias. No Brasil não há amanhã, a única coisa que conta é hoje. Não só no futebol profissional, mas também no futebol de formação. Não é fácil ser um treinador estrangeiro no Brasil. Há muita competição e há muita pressão. Marcou-me muito ganhar o campeonato brasileiro em sub-15. Aprendi muito no Brasil e conheci pessoas fantásticas.

Voltando ao futebol norte-americano. Como são vistos os jogadores portugueses e o futebol português nos Estados Unidos?

Os jogadores portugueses na MLS creio que ainda estão à procura da melhor forma. O Pedro Santos tem vivido bons momentos em Columbus Crew, mas precisou de um tempo de adaptação. O André Horta ainda está à procura do melhor futebol dele no Los Angeles e penso que ainda não se conseguiu adaptar totalmente. Ainda assim, o jogador português é visto nos Estados Unidos com um jogador inteligente, com muita qualidade técnica, que é respeitado e caro no mercado norte-americano.

Gostava de vir a treinar um português na MLS?

Sim, claro. Gosto de treinar os jogadores que tenham qualidade e estarei sempre aberto ao mercado português e às melhores oportunidades. Nos meus sonhos, gostaria de treinar Cristiano Ronaldo na MLS. Era o jogador português que mais gostaria de treinar, mas também seria um sonho treinar um jogador como Bernardo Silva na liga norte-americana.

Um dos jogadores que tem à disposição no Vancouver Whitecaps é Fredy Montero, ex-avançado do Sporting. O que pensa dele?

Neste momento é um jogador que ainda está a tentar encontrar-se aqui, porque vinha já com alguns meses de competição e chegou numa fase que não é a melhor dele. O Fredy precisa de mais tempo para ganhar o ritmo adequado e precisa de crescer um pouco na intensidade de jogo, mas é um jogador que tem qualidade, conhece a MLS, é muito bom na área e que, quando tem uma oportunidade de golo, as chances de a concretizar são muito altas. É uma mais-valia para nós e estamos a tentar ajudá-lo a encontrar o melhor ritmo.

Como caracteriza o futebol da MLS?

O futebol na MLS faz-me pensar na liga inglesa mas com menos intensidade e qualidade técnica. É um futebol de muitas transições e muitos espaços, com as equipas a procurarem muito o contra-ataque. Por vezes os jogos tornam-se muito físicos. Em Portugal são mais pausados, com as equipas melhor organizadas defensivamente.

Como vê a chegada de jogadores como Ibrahimovic, Schweinsteiger ou David Villa? É positiva para a MLS ou apenas golpes de marketing? O que acha que os leva a rumar à MLS?

O que os leva a rumar à MLS é o estilo de vida que cidades como Los Angeles ou Nova Iorque podem oferecer e a oportunidade de ajudar uma liga a crescer. Cada vez mais há a tendência de jogadores ainda jovens rumarem à MLS e saltarem depois para ligas maiores. Há o caso dos argentinos Ezequiel Barco e Pity Martínez, que jogam no Atlanta United, ou o coreano Hwang In-beom, que está connosco. Eles têm muito mercado no estrangeiro. Para isso foi muito importante ter na MLS jogadores como David Beckham, Andrea Pirlo ou David Villa. Há outros jogadores já com algum nome que chegam com uma boa idade à MLS, como o Carlos Vela e o Diego Rossi do Los Angeles FC. Já lá vai o tempo em que os jogadores chegavam à liga norte-americana com 36 ou 37 anos.

Que modelo de jogo Marc dos Santos preconiza para a sua equipa?

No ano passado o Vancouver era uma equipa que praticava um futebol muito direto, de contra-ataque e em que não se construía muito a partir de trás. Estamos a tentar mudar isso. Queremos ser uma equipa que construa a partir de trás, que queira ter a bola, que tenha qualidade a passar da primeira para a segunda fase de construção e consiga entrar na terceira. Quero que a minha equipa tenha uma reação muito forte à perda da bola, mas que quando esteja em organização defensiva tenha uma boa atitude e seja organizada e compacta. Esses são os nossos grandes princípios e como queremos ver a equipa no futuro.

O Marc é acompanhado na equipa técnica pelo irmão Philip. Como é tê-lo consigo?

O Philip foi uma pessoa que me ajudou muito quando eu estava no Ottawa. Ele trabalhou comigo durante dois anos e fez um trabalho muito bom. Quando ganhámos a NASL em 2017 pelos San Francisco Deltas, ele também colaborou comigo. Não tenho dúvidas de que é importante rodear-me de pessoas que fazem um trabalho de qualidade e que conhecem o mercado e a minha forma de trabalhar. É muito importante confiarmos uns nos outros quando falamos de staff e é por isso que o Philip está comigo, porque não só confio nele a 100 por cento como tem a qualidade necessária que eu procuro num adjunto.

O Marc estagiou no Boavista, no FC Porto e no Chelsea. Quando e como foram essas experiências?

Estagiei com Jaime Pacheco no Boavista em 2006, através de um contacto que tinha. Foi o início da minha aprendizagem. Acho que os cursos de treinador e as licenças da UEFA são importantes, mas mais importante do que isso é passar tempo em clubes e ver como trabalham. Isso ajuda-te a crescer enquanto treinador. No FC Porto tive a oportunidade de aprender com José Guilherme Oliveira Ilídio Vale e Vítor Frade, na equipa de juniores. Só lhes posso agradecer. Depois estive no Chelsea em 2010, em observação dos trabalhos de Carlo Ancelotti, que é uma pessoa que gere muito bem o grupo, lida bem com jogadores que têm grande ego e sabe estar no treino. É sempre importante estar com outros treinadores e ouvir coisas novas.

Vem muitas vezes a Portugal? Do que sente mais saudades?

Vou a Portugal pelo menos uma vez por ano, mas é quase sempre em trabalho, mais para observar jogadores. Claro que tenho saudades do carinho das pessoas, da comida e das cidades. Portugal é para mim um país especial e que teve um grande impacto na minha vida como treinador. Espero voltar para Portugal e passar muito tempo aí.

Como treinador, tem alguma referência?

Sim, tive treinadores que em diferentes fases me marcaram. É claro que no início, quando comecei a estudar o treino, José Mourinho teve um grande impacto, porque entre 2003 e 2005 era um treinador com ideias revolucionárias, novas e coragem, que deu muito ao futebol português e mundial. Treinadores como Maurizio Sarri e Jürgen Klopp são referências para mim e que me ajudaram no meu percurso, trazendo-me novas ideias e conceitos.

Sonha treinar em Portugal?

Não sei se é sonho ou se é algo que eu sei que pode acontecer por normalidade. Estou muito focado no trabalho que tenho em Vancouver e que eu quero ser na América do Norte, mas estarei sempre aberto a uma boa oportunidade para voltar a Portugal e crescer como treinador.

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