O iraniano Asghar Farhadi reinventa o melodrama em cenários espanhóis

Realizado pelo iraniano Asghar Farhadi, foi o filme de abertura do Festival de Cannes de 2018:<em> Todos Sabem</em> é um belo melodrama protagonizado por Penélope Cruz e Javier Bardem.
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Por vezes, a passagem de um filme num festival de cinema constitui um momento decisivo na sua projeção internacional. Para o melhor e para o pior... Casos há em que tal apresentação pode atrair uma maldição "crítica" (com muitas aspas) difícil de combater.

Falo de Todos Sabem, do iraniano Asghar Farhadi, que serviu de abertura oficial do Festival de Cannes de 2018. Poderíamos recordar que Farhadi tem no seu curriculum dois títulos distinguidos com o Óscar de melhor filme estrangeiro: Uma Separação (2011) e O Vendedor (2016). Já agora, acrescentando que o impacto de tais trabalhos resulta da sua invulgar capacidade de colocar em cena personagens e cenários da sociedade iraniana, sem que isso contrarie, antes pelo contrário, um apelo universal enraizado em temas familiares e conjugais tecidos de tocantes emoções.

Pois bem, dir-se-ia que a maior parte das opiniões acharam por bem penalizar Farhadi por ter feito um filme... espanhol. Como se a mudança de geografia envolvesse qualquer coisa de automaticamente menor, porventura suspeito.

Todos Sabem é a história do reencontro de um homem e uma mulher, namorados de adolescência, num ambiente rural de Espanha, com diálogos em espanhol e aquele que é, por certo, o par de atores espanhóis com maior popularidade internacional: Penélope Cruz e Javier Bardem (sem esquecer a participação do argentino Ricardo Darín).

Se são as marcas autorais que estão em jogo, convenhamos que será difícil sustentar a ideia segundo a qual Todos Sabem se opõe à obra anterior de Farhadi. Bem pelo contrário, creio. Tal como os títulos anteriores, esta é uma história passional, entrecortada por um elemento policial (o rapto que ocupa o centro dos acontecimentos), em que assistimos à desmontagem de um "vício" com raízes familiares: por um lado, como diz o título, todos sabem a verdade das relações que estão em jogo; por outro lado, quase todos se empenham em elaborar simulacros ou usar máscaras que contrariem a verdade visceral desse saber.

Enfim, Farhadi é um dos cineastas contemporâneos que mais e melhor tem sabido relançar os pressupostos do melodrama clássico. Infelizmente, na gíria anti-cinéfila a noção de "melodrama" surge reduzida a qualquer coisa de anedótico e ridículo, ignorando a riquíssima tradição melodramática europeia, americana e asiática. Vale a pena resistir a semelhante banalidade e (re)descobrir o trabalho de Farhadi para acedermos à complexidade humana, e também à beleza formal, do que está em jogo.

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