O imprevisível final de um condenado à morte
"Cruzar os braços não, não é desta personagem", diz Virgílio Castelo ao fotógrafo que, no final do ensaio de imprensa da peça O Último Dia de Um Condenado, lhe pede para assumir essa posição. Essa personagem, que ainda mantém colada, é o homem - pai, marido, filho -, do qual nunca saberemos o nome nem que crime cometeu para receber a sentença de pena de morte. Um homem que nunca perde a esperança de conseguir alterar a sua sorte, e até de outros que venham a estar na sua situação. Nem mesmo com a guilhotina à vista, em plena Praça de Grèves, em Paris, palco das execuções públicas.
O texto, um original de Victor Hugo, publicado em 1829, quando tinha apenas 27 anos, foi uma tomada de posição política que lançou um profundo debate sobre a abolição da pena de morte. E num ano em que se assinalam os 150 anos da abolição da pena de morte em Portugal, a Yellow Star Company apresenta esta peça no Teatro Armando Cortez, em Lisboa.
No entanto, o facto de se assinalarem os 150 anos da abolição da pena de morte é mera coincidência. "Foi um livro que li com 18 anos, que me marcou muito, e que, depois de ter entrado para o teatro, sempre pensei que um dia o iria pôr em cena. Senti que era agora não por causa dos 150 anos da abolição da pena de morte, isso foi uma coincidência", explica ao DN o encenador Paulo Sousa Costa.
"A primeira vez que adaptei o texto foi há quatro anos. Já andava aqui há muito tempo a trabalhar. Acho que é um texto tão rico, tão necessário nesta altura em que vivemos questões sociais e de humanidade tão difíceis que achei que era agora o momento", refere ainda. Apesar de a pena de morte não ser atualmente o assunto mais discutido em termos de defesa dos direitos humanos, lembra que há países onde este ainda é um tema. Uma coisa que devemos aprender com a história é, acima de tudo, não voltarmos atrás. Porque ainda há muitas vozes que se levantam a favor da pena de morte".
A escolha de Virgílio Castelo para vestir a pele deste Condenado foi simples, explica Paulo Sousa Costa: "Temos um grande autor, precisava de um grande ator, porque isto não se faz sem matéria-prima. Este texto é difícil, do ponto de vista do trabalho do ator, não é um texto que se faça com duas cantigas. Achei que ele tinha essas condições, acima de tudo pela experiência que tem de teatro, pela veracidade que dá às personagens e pela seriedade com que ele encara cada projeto".
Para Virgílio Castelo, a colaboração com a Yellow Star há muito que estava no horizonte, mas as datas disponíveis na agenda do ator nunca coincidiam com as dos espetáculos propostos. "Antes tinham-me convidado para fazer algumas comédias e coisas mais simples, e agora, quando me convidaram, com um texto tão fora daquilo que é a dinâmica desta companhia achei muito curioso e vim com todo o gosto", afirma Virgílio Castelo. Até porque, continua, "acho que também é uma aposta forte deles de quererem fazer um teatro que não sendo subsidiado é um tipo de teatro que não está pensado para um público simples. Embora o espetáculo também não tenha nada que não seja percetível, acho é que de facto este é um tema que não entra tão depressa como uma comédia".
Se o cenário não bastasse, a primeira frase deste monólogo interpretado por Virgílio Castelo transporta até o espectador mais desatento para a temática: "Condenado à morte". Frase que repete, logo de seguida, mais lentamente, como que tomando o peso do seu significado: "Condenado.. à... morte". Assim começa o monólogo em que Virgílio Castelo dá voz a várias personagens, até com diálogos entre si, um papel difícil, mas não o mais difícil da sua carreira - esse lugar é ocupado por um texto de Pirandello.
"Sabia que era este o texto que tinha iniciado toda a discussão na Europa e no mundo a favor da abolição da pena de morte, mas não o conhecia antes de o ter começado a trabalhar [para este espetáculo]. Conhecia outras coisas do Victor Hugo, conhecia a carta que ele escreveu ao Diário de Notícias em 1867", afirma Virgílio Castelo. "Quando o li, percebi que isto era de facto uma complicação. E depois, tanto o Paulo [Sousa Costa] como eu temos como objetivo, independentemente do tema, chegar ao maior número de pessoas possível e, portanto, temos sempre a tendência para tornar a mensagem eficaz, simples, não sendo básica. Porque este não é um texto básico e essa é a nossa preocupação e esperamos conseguir isso e que o público goste", conta o ator.
Sobre a personagem interpretada por Virgílio Castelo, Paulo Sousa Costa defende que "não foi à toa que Victor Hugo escolheu um criminoso com alguns valores. Também não quis que se pensasse que qualquer criminoso tem direito à vida. Victor Hugo, que não queria a pena de morte, tinha na sua cabeça que se escolhesse um indigente, cheio de más intenções, o texto não seria tão bem aceite pelos leitores". Por isso mesmo, conta o encenador, "quando desenhamos até a forma de vestir, achei que se Victor Hugo teve este cuidado de escolher um homem com família, então tínhamos de o apresentar bem, não podia ser um maltrapilho. Daí o cuidado com a roupa, porque as pessoas têm de ficar do lado dele, não contra ele".
Reconhecendo que "é um texto para pensar", Paulo Sousa Costa defende que "este espetáculo reúne uma boa temática, sobre a qual todas as pessoas têm uma opinião, não é um assunto do foro intelectualoide". Mais, destaca ainda: "Este texto tem uma história do princípio ao fim e o que defendo no teatro é isso, conteúdo, história. Se tiveres uma história bem contada, do início ao fim, seja em comédia seja em drama, o público vai ficar preso a ela do princípio ao fim e vai sair a gostar." E até o próprio título ajuda: "O Último Dia de um Condenado. As pessoas não sabem se ele vai ser condenado. Até isso nos ajuda a prender a atenção dos espetadores. Como é que ele vai acabar? Qualquer pessoa que não tenha sequer hábito de ir ao teatro, que nunca tenha lido Victor Hugo, fica presa a esta história, até ao fim". E garante: "Tem um final grandioso". Com Victor Hugo a deixar em aberto a sorte final deste condenado, e com o ensaio de imprensa a revelar apenas um terço do espetáculo, fica a dúvida sobre o final desta história.
O Último Dia de um Condenado
Teatro Armando Cortez, Lisboa
Encenação de Paulo Sousa Costa
Com Virgílio Castelo
De quinta a sábado, às 21.30; domingos às 18.00
Até janeiro