O humor de Bocage, Cesariny e O Meu Pipi
Uma adivinha: "É pau, e rei dos paus, não marmeleiro. (...) verga mas não cai. (...) Brando às vezes (...), outras vezes mais rijo que pinheiro." E por aí vai, que isto é só o começo do espectáculo Que vergonha, rapazes, one-man show que Miguel Guilherme estreou ontem à noite no palco do Maxime, em Lisboa.
A partir da Antologia do Humor Português, editada pela Texto em 2008 com coordenação de Nuno Artur Silva e Inês Fonseca Santos, o actor fez uma selecção de textos humorísticos de vários autores portugueses e trata de os "recitar", "enquadrando-os de forma dramática" para que o espectáculo não se torne rotineiro. "Digo-os de maneira diferente, como um conto infantil, como um relato de futebol, como se fosse uma conversa." Essa foi a sua principal preocupação, "encontrar textos que tivessem alguma teatralidade, que fossem mais cómicos ditos por uma pessoa do que se os estivéssemos a ler sozinhos em casa."
A abrir, Manuel Maria du Bocage. "É um bocadinho uma carta fora do baralho. Os outros são todos do século XX mas fiz questão de ter o Bocage, tenho uma predilecção por ele", explica. Abertas as hostilidades, com uns trocadilhos e umas expressões mais picantes a partir daí, os textos tornam-se mais explícitos - com muito sexo e muitos palavrões. Há textos mais sérios, de um cómico menos óbvio, como os de Alexandre O'Neill ("Que vergonha, rapazes, nós pràqui caídos na cerveja ou no uísque a enrolar conversa"), Mário Henrique Leiria ("Uma nêspera estava na cama, deitada, muito calada") ou José Sesinando (com uma pequena história da música clássica). Este será, talvez, o menos conhecido dos autores e Miguel Guilherme decide apresentá-lo : "Um dia, perguntaram a José Sesinando quantas pessoas trabalhavam na sua empresa. 50%, respondeu ele." E terminado o texto, apaga o nome do autor do quadro. "Em O'Neill as palavras são como salmonetes a saltar na lota, fresquinhos ainda", diz o actor. O'Neill é muito bom mas a verdade, reconhece o actor, "é que o sexo e os palavrões nos fazem rir. Os palavrões ainda são um bocado proibidos e nós rimo-nos do proibido. Era inevitável".
E não, não fica tudo, como em O'Neill "em balbúrdias de língua, cabriolas de mão". Há sexo mesmo explícito nas palavas de Cesariny ("não são os melhores textos que ele escreveu mas têm um efeito cómico", sublinha) ou de O Meu Pipi (um dos melhores momentos do espectáculo), há o mundo encantado de Adília Lopes e o fabuloso texto de Miguel Esteves Cardoso sobre o modo como os portugueses usam (ou não) os palavrões no seu sentido literal ou metafórico. Impossíveis de citar. Trata-se, não haja dúvidas, de um espectáculo com bolinha vermelha.
O espectáculo Que vergonha, rapazes fica em cena no Maxime às terças e quartas-feiras, às 22.00, até Junho. "Disse."