O homem que sabia tudo sobre Eça

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Morreu Alfredo Campos Matos, autor de Dicionário de Eça de Queiroz e por muitos considerado a maior autoridade no grande romancista português do século XIX. A notícia da morte chegou-me por Carlos Kessel, um diplomata brasileiro hoje colocado nas Caraíbas, mas que foi quem, na sua passagem como adido cultural por Lisboa, primeiro me informou do grande especialista queirosiano A. Campos Matos (era assim que assinava). Confesso que fiquei impressionado, pois recordo-me de ter entrevistado Campos Matos era ele já nonagenário e me ter parecido tão bem de corpo como de cabeça. A conversa partiu da relação de Eça com o Diário de Notícias e senti-me fascinado com a grande cultura deste arquiteto que decidiu se dedicar apaixonadamente ao estudo da obra do escritor nascido na Póvoa de Varzim, também sua terra.

À pergunta "para quem faz a história de Eça de Queiroz, para quem fez a biografia e o Dicionário de Eça de Queiroz, o DN e o Eduardo Coelho são figuras que fazem parte da vida deste homem?" a resposta foi: "Parte integrante e parte muito importante." E quando insisto, estávamos em 2019, se "não é o DN, apesar dos seus 155 anos, que se está a pôr em bicos de pés quando diz que faz parte da história de Eça e que Eça faz parte da história do DN?", responde-me de novo Campos Matos que "isso é uma coisa indiscutível, basta estudar as relações do DN e do Eduardo Coelho com a vida literária do Eça e verifica-se que é de uma importância muito grande".

De facto, um jovem Eça, então com 24 anos, era amigo de Eduardo Coelho, o fundador do nosso jornal, e, respondendo ao desafio deste, foi como repórter ao Egito, em 1869, cobrir a inauguração do Canal do Suez. São quatro magníficos textos publicados no DN, que estão disponíveis se for feita uma pesquisa na internet, e mais tarde publicados em livro, ainda que numa versão revista e alargada.

Biógrafo de Eça, conhecedor de todos os pormenores, Campos Matos conversou comigo na sua casa em Lisboa sobre inúmeros aspetos da vida do escritor e diplomata, incluindo sobre a complicada amizade com Ramalho Ortigão, com quem divide a autoria de O Mistério da Estrada de Sintra, romance que começou por ser um folhetim publicado no DN como se de um acontecimento real se tratasse, um golpe genial de marketing de Eduardo Coelho que se refletiu nas vendas do jornal.

Maria João Martins assina hoje no DN o obituário de Campos Matos, que intitulou de "O arquiteto que se apaixonou por Eça de Queirós", uma bela síntese de vida numa única frase. Confessava ser um leitor compulsivo de Eça e sobretudo de Os Maias. Essa sua paixão, essas suas leituras e releituras, ajudam-nos hoje a conhecer melhor o génio de Eça. Presto, pois, aqui homenagem a este intelectual e recomendo àqueles que leram Os Maias como obrigação nos tempos de escola e que nunca mais ao romance voltaram que o releiam agora, por puro prazer, descobrindo um retrato de certa sociedade portuguesa e sobretudo uma escrita deliciosa.

Diretor adjunto do Diário de Notícias

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