O hino religioso que se tornou na música dos protestos de Hong Kong

Além de ser fácil de repetir, o cântico dá uma cobertura de legitimidade aos protestos frente à Assembleia Legislativa, visto que as reuniões religiosas podem realizar-se sem autorização no centro financeiro da cidade.
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O cântico religioso cristão "Sing Hallelujah to the Lord" (Canta Aleluia ao Senhor) tornou-se o improvável hino dos protestos em Hong Kong contra uma lei da extradição para a China que tem levado milhões de pessoas às ruas.

É frequente nos protestos em todo o mundo o desenvolvimento de uma banda sonora própria, composta normalmente de músicas com letra de desafio e solidariedade, com o objetivo de manter os manifestantes focados e com energia.

Mas o hino que se tem ouvido nas ruas da Hong Kong não preenche esses requisitos.

Na última semana, o cântico tem sido ouvido quase sem parar no principal local de protesto, frente à Assembleia Legislativa, mas também nas marchas e até em momentos de tensão com a polícia.

Começou com um grupo de estudantes cristãos que cantaram vários cânticos religiosos no principal local de protesto, com o "Canta Aleluia ao Senhor" a conseguir ganhar mais vozes entre a multidão, apesar de só cerca de 10% dos cidadãos de Hong Kong serem cristãos.

"Foi este que as pessoas pegaram, porque é fácil para as pessoas repetirem com uma mensagem simples e melodia fácil", contou à Reuters Edwin Chow, de 19 anos, presidente da Federação de Estudantes Católicos de Hong Kong.

Os estudantes cantam as músicas na esperança de dar uma cobertura de legitimidade ao protesto. As reuniões religiosas podem realizar-se sem autorização no centro financeiro da cidade.

"Como as assembleias religiosas estavam isentas, isso podia proteger os manifestantes. Também mostra que é um protesto pacífico", acrescentou Chow.

O hino foi composto em 1974 por Linda Stassen-Benhamin, nos EUA, para a Páscoa. As suas cinco palavras são repetidas ao longo de quatro estrofes num tom baixo, que lhe dá um ar de solenidade meditativa.

Os protestos nos últimos dias têm sido principalmente pacíficos, apesar de a polícia ter chegado a usar gás lacrimogéneo e balas de borracha para dispersar os manifestantes.

"Parem de disparar ou cantamos 'Aleluia ao Senhor'" lia-se num dos cartazes doa manifestantes depois de as balas de borracha terem sido disparados.

Os manifestantes dizem que o cântico religioso tem ajudado em alguns casos a fazer baixar a tensão com a polícia. "Tem um efeito calmante", disse Timothy Lam, de 58 anos, um padre na Grace Church de Hong Kong, que tem estado presente nas manifestações para promover a paz.

"A polícia tinha muito equipamento, estavam muitos tensos e à procura de pessoas. Os estudantes cantaram isto para mostrar que eram pacíficos", disse Lam de um evento específico na semana passada.

A líder do governo de Hong Kong, Carrie Lam, que é apoiada por Pequim, adiou a introdução da lei de extradição e pediu desculpas após os grandes protestos.

Os críticos consideram que a lei iria minar a independência do sistema judiciário de Hong Kong, garantido sob a fórmula "um país, dois sistemas", segundo a qual a antiga colónia britânica foi devolvida ao controlo da China, em 1997.

Carrie Lam é católica e alguns manifestantes dizem que adotar a música "Canta Aleluia ao Senhor" pode ter ajudado a fazê-la mudar de ideias. "Afinal de contas ela é católica, é uma das principais razões porque cantamos a música", disse Jamie, um estudante de 18 anos que não é católico.

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