O general que tinha um gato chamado Che Guevara
Loureiro dos Santos foi o primeiro do curso da Escola do Exército que produziu o maior número de generais de quatro estrelas na história das Forças Armadas.
Ramalho Eanes, Melo Antunes, Gabriel Espírito Santo e Almeida Bruno foram alguns dos 34 cadetes que integraram o curso de 1953 na Escola do Exército. O curioso é que Loureiro dos Santos não ligava muito aos livros: "Estudava muito pouco, mas prestava muita atenção nas aulas e saía de lá a saber tudo", recorda o militar ao DN.
Hoje, e desde meados dos anos 1990, continua a fazer o que mais aprecia: "Gosto de ensinar, transmitir aos outros o que sei, recebo muitos estudantes aqui em casa, que vêm falar comigo sobre relações internacionais, defesa e segurança" - sempre com o gato de estimação, a que deu o nome de Che Guevara, por perto.
Apesar de não precisar de estudar muito, Loureiro dos Santos encantou o professor da escola primária de Vila Pouca de Aguiar. "Pensava chegar só até ao 2.º ano", pois a família tinha poucas posses e o seu destino era "ir para caixeiro do senhor Gomes da Costa". "Só não fui porque o professor chateou o meu pai: é estupidez [não o deixar estudar mais], não faça isso..."
O pai, cabo da GNR que chefiava o posto local, acabou por ceder à insistência do professor e deixou-o ir estudar "até ao 5.º ano", no liceu Rodrigues de Freitas, no Porto, onde uma tia materna tinha casa. Pelo meio, já com 13 anos, começou a dar explicações - a um sobrinho do político, escritor e historiador Jaime Cortesão, à época exilado no Brasil - e a ganhar os primeiros tostões.
Com 17 anos, concluiu os estudos ganhando o prémio nacional de melhor aluno dos liceus - mas não o foi receber porque já tinha entrado na Escola do Exército (como voluntário). De nada valeram os esforços dos professores e do reitor: "Andaram à minha volta, para não ir" para a tropa, mas a decisão estava tomada.
Eles até lhe garantiram que arranjavam as bolsas que fossem necessárias para lhe pagar a continuação dos estudos, mas nada feito.
O pai acabou por ir receber o prémio nacional de melhor aluno dos liceus - "a maior alegria da sua vida", recorda, emocionado, Loureiro dos Santos.
O curso de Artilharia levou-o para Vendas Novas. Quando rebentou a guerra colonial, foi tirar um Curo de Operações Especiais a Lamego, cabendo-lhe depois a responsabilidade de dar formação nessa área aos seus camaradas da Escola Prática.
Mas quando foi mobilizado para Angola, no verão de 1965, nomearam-no chefe de uma bataria antiaérea. "Não sabia nada, só a teoria, estava desgraçado", lembra o militar. Para agravar a sua situação, foi atacado pela gripe asiática durante as aulas do estágio preparatório.
A solução veio do quartel de Cascais: fizeram um curso "só para mim... foi o pior curso da minha vida", confessa Loureiro dos Santos, a rir. Os seus homens, milicianos que "estavam quase a ir para a peluda", acabaram por ver adiada a saída da tropa e, apesar de a unidade "não estar pronta para combater", foram assumir a responsabilidade pelo Norte de Angola.
Quando se deu o 25 de Abril, Loureiro dos Santos estava colocado em Cabo Verde. Convencido o almirante chefe das Forças Armadas no arquipélago a exprimir apoio político aos revoltosos em Lisboa, os militares ali estacionados acabaram por receber "a mensagem n.º 1 escrita pela Junta de Salvação Nacional, a agradecer o apoio de Cabo Verde".
Nomeado encarregado do Governo, delegado da Junta de Salvação Nacional e comandante-chefe das Forças Armadas em Cabo Verde, ainda em 1974, tornou-se secretário permanente do Conselho da Revolução no ano seguinte.
A vida política pós-revolução foi agitada: já como tenente-coronel, foi graduado no posto de general e nomeado, pelo Presidente Ramalho Eanes, vice-chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Reestruturar as Forças Armadas, no pós-guerra colonial, era o objetivo. Mas as resistências foram tantas que Loureiro dos Santos acabou por enviar, a Ramalho Eanes, o pedido de passagem à reserva. Eanes recusou, mas acabou por reconhecer a incapacidade política de obter resultados - e Loureiro dos Santos saiu. Mas foi por pouco tempo: em 1978 integrou o VI Governo Constitucional, como ministro da Defesa (cargo que manteve no Executivo seguinte, em 1979).
A principal preocupação consistia em estabelecer pontes entre poder político e militares, numa época em que os chefes eram ministros (faziam a própria legislação) e ainda existia o Conselho da Revolução.
Em 1979 regressou à vida académica. Porém, em 1991, o então ministro da Defesa, Fernando Nogueira, escolhe-o para chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) - talvez por conhecer a sua veia reformista. O problema é que o general não estava disposto a reestruturar a qualquer custo. Por isso, a chamada "Lei dos Coronéis" (1992) fê-lo bater com a porta.
"Tudo o que sou é por ser militar e assumir essa condição", enfatiza Loureiro dos Santos, pai de três filhos e com um genro, economista, que frequentemente o apoia nas investigações com que fundamenta os seus escritos e comentários.