O gato de Vito Corleone
Contracenou com os melhores e mais belos de Hollywood, mas não há memória que alguém lhe tenha roubado uma cena. Marlon Brando (1924-2004) entrava em qualquer plateau e iluminava-o instantaneamente, por vezes sem pronunciar palavra. Foi assim desde a estreia, nos anos 50 quando a sua t-shirt branca em O Elétrico Chamado Desejo o tornou um sex symbol mundial, até à velhice quando o carisma e o talento se sobrepunham ao peso excessivo e aos sinais de uma vida sem moderação. Até que um dia, nas filmagens de O Padrinho, alguém que não Brando se pôs diante da câmara e captou toda a nossa atenção. Al Pacino? Diane Keaton? James Caan? Não, alguém que oferecia mimos ao elenco como um favor que este não podia recusar: o gato tigrado, em tons de preto e branco que aparece ao colo de Vito Corleone logo na abertura do filme.
Ao certo, ninguém sabe como o animal chegou tão facilmente onde tantos candidatos ao estrelato gostariam de estar: uns dizem que, ao vê-lo a cirandar pelos estúdios da Paramount, Brando, a quem as crianças e os gatos conseguiam baixar a guarda, tê-lo-ia levado para a maquilhagem e daí para o set. Outros consideram que terá sido o realizador Francis Ford Coppola a encontrá-lo e, sabendo dos gostos da "estrela", pareceu-lhe boa ideia introduzir esta "contratação" de última hora. O contraponto entre a dedicação que um capo da Mafia tem por um pequeno animal e a violência do seu modo de vida consegue desconcertar o espetador ao mesmo tempo que introduz uma nota de ambiguidade moral que dominará toda a saga.
A cena passa-se logo na abertura do filme: durante o faustoso casamento da filha Connie, Don Vito recebe, no escritório de sua casa, amigos e parceiros. Num tom de voz tão suave como as carícias que faz ao gato no seu colo, comunica a Buonasera o seu desgosto por o ver tão pouco envolvido nas atividades da famiglia. E isso não pode ser, sentencia penalizado. O momento é extremamente tenso porque a suavidade dos modos não encobre a ameaça. Mas, no colo da estrela, o animal decide dar um ar da sua graça e não pára de brincar, movendo-se e querendo agarrar-lhe as mãos. Em determinado momento, ouvimos-lhe mesmo o miado. Décadas mais tarde, Francis Ford Coppola recordaria que, já na montagem, tiveram de cortar algumas partes dessa cena porque o ronrom deliciado do animal se sobrepunha totalmente à voz de Brando. Mas esteve sempre fora de questão refilmar a sequência sem este entusiasmado figurante.
O amor do ator pelos pequenos felinos não era uma novidade. Ao longo da sua vida, Brando foi frequentemente fotografado com os seus animais de companhia, e chegou a dizer aos jornalistas que vivia numa casa de gatos. Estes correspondiam-lhe com a mesma intensidade. Como se só eles, na suavidade dos seus modos, tivessem a chave para tão bravio coração.