É-me impossível não começar esta conversa com Vasco Becker-Weinberg, presidente do Instituto Português de Direito do Mar, com uma pergunta sobre o apelido composto, e quando me responde que os avós eram alemães e chegaram nos anos 30 do século XX a Portugal, sei que a história tem de ser mais um pouco complicada. O meu convidado sorri perante a insistência. E explica, finalmente: "O meu avô Siegfried Weinberg era judeu. Conheceu e apaixonou-se pela minha avó na Alemanha. Ela chamava-se Magdalena Becker e não era judia, portanto não podiam estar juntos. Era a época já das leis raciais nazis. O meu avô, que estava bem integrado, como a maioria dos judeus, na sociedade alemã, resistiu algum tempo às perseguições de Hitler, mas há um momento em que decide partir antes que seja tarde. Vem para Portugal e a minha avó chega logo depois. Mas a ideia era irem para os Estados Unidos. Portugal era um ponto de passagem. Só que a minha avó engravida quando eles estão a tentar a viagem para a América e o meu avô acaba por ir de Lisboa para Coimbra, onde nasce, em 1938, o meu pai, e a partir daí tudo muda.".A história familiar continua no Porto, onde, em dado momento, os Becker-Weinberg se instalam, criando uma empresa de colchões, a Molaflex. "O meu avó era um empreendedor, tinha tido já negócios na Alemanha, tinha muitas ligações e conhecia os ingleses com a patente", acrescenta Vasco. Siegfried morre em 1954, mas o filho, já nascido em Portugal, Máximo Dário, herda o espírito empresarial e, depois de trocar o Porto por Lisboa, vende a participação na Molaflex e cria a Climax.."Identifico-me como judeu tradicional. No judaísmo, o princípio de tudo é o livre-arbítrio. O importante é a liberdade de sermos o que queremos, de forma responsável. Eu nasci em 1979 e nunca senti preconceito contra mim como judeu em Portugal. As pessoas geralmente sabem que sou judeu antes de me conhecerem... percebem pelo nome. Mas nunca senti antissemitismo", diz Vasco, enquanto pede um chá de jasmin. Eu opto por um chá de menta e peço também um scone com manteiga. Estamos na esplanada da Pastelaria Versalhes, no centro de Lisboa, e esse brunch a meio da tarde mais parece um chá das cinco..Comentamos que Salazar tinha como grande amigo Moisés Amzalak, professor no Instituto Superior Técnico que era líder da comunidade judaica, e Vasco, que não conheceu o avô, sublinha que a avó nunca lhe falou de antissemitismo em Portugal. Nem Siegfried nem Frida Magdalena adotaram a religião do outro e foi Máximo Dário, o primeiro nascido Becker-Weinberg, a assumir-se como judeu. Para fecharmos este capítulo sobre o judaísmo, pergunto se já visitou Israel e a resposta é sim. "Já visitei e foi muito emocionante, desde logo porque a minha família saiu da Alemanha a tempo, o meu avô conseguiu trazer pessoas e na família próxima ninguém morreu, mas houve parentes mais distantes vítimas da Shoah. Penso que esse sofrimento é património que faz parte da Humanidade, não só do povo judeu. Ainda que os judeus tenham sido especialmente perseguidos pelos nazis, houve também a comunidade cigana, os homossexuais e os dissidentes políticos. Tudo isto faz parte da história da Humanidade e todos temos de nos relacionar com este passado", argumenta o professor universitário, jurista de formação, que, depois de fazer a licenciatura na Universidade Católica e o mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi para a Alemanha fazer o doutoramento na Universidade de Hamburgo, com especialização em Direito do Mar.."Estudei em criança num colégio alemão. Em pequeno falava alemão e depois o que ficou foi a memória fonética, porque o meu pai morreu cedo e eu deixei de ter com quem falar alemão. Voltei a ter alemão no secundário, mas ainda me recordo de em 2007, na primeira vez que fui à Alemanha, quando cheguei lá só conhecia auf wiedersehen, não conhecia o tschüss, então, quando me disseram tschüss pela primeira vez, eu não percebi, não sabia que era também adeus, mas informal. De qualquer forma, em termos de estudos, não era decisivo. Fiz um programa de doutoramento internacional em inglês", conta, notando que o interesse pelo direito do mar vem da licenciatura. "Tive um professor muito bom, Armando M. Marques Guedes, que é o pai fundador do direito do mar no ensino superior em Portugal. Era um homem excecional", acrescenta Vasco, que deixou o escritório de advogados onde trabalhava para, com uma bolsa, ir estudar para a grande cidade portuária do Norte da Alemanha..Recordo, a propósito, que numa visita a Hamburgo, há uns anos, fui a um museu dedicado à história marítima e que na entrada havia uma placa a anunciar: "Os sete grandes navegadores da humanidade", e que, representados por bustos como os outros, estavam três portugueses: Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães. Vasco conhece o museu mas não se recorda dos sete bustos. De qualquer forma, em termos de orgulho pátrio, prefere relembrar que apanhou na Alemanha o Mundial de Futebol de 2010. "Ia sempre para o bairro português ver nos restaurantes os jogos da seleção e conhecia muito bem a comunidade." Quanto ao contacto com os alemães, numa sociedade que assumiu os erros do passado e hoje até voltou a ter uma comunidade judaica, Vasco conta que nunca lhe perguntavam pelo apelido, só mesmo pelo nome, Vasco. "Toda a gente achava o apelido normal.".Continuava na Alemanha, agora também como investigador do Instituto Max Planck, quando surgiu uma oportunidade "irrecusável" em Portugal. Trabalhar no Ministério do Mar, então tutelado por Assunção Cristas. A missão que lhe foi entregue passava pela produção de matéria legislativa e no desenvolvimento de políticas do mar. E dá como exemplo o que fez: o regime jurídico sobre o ordenamento e a gestão do espaço marítimo nacional. Dessa passagem pelo governo PSD-CDS ficou a ligação a Cristas, que, enquanto líder do CDS, convidou Vasco para ser candidato nas eleições europeias de 2019. Hoje é militante e tido como figura próxima do novo líder dos democrata-cristãos, o eurodeputado Nuno Melo, mas política partidária é tema que prefere não abordar, ainda por cima quando, sublinha, "temos esta Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos realizada em Lisboa e que tão importante é para Portugal e para o mundo em geral"..Conheci Vasco num almoço organizado pelo IPDAL - Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas, e, por coincidência, o nosso último reencontro antes deste lanche foi no hotel Pestana Palace, quando eu vinha de uma entrevista a Iván Duque e o meu parceiro de conversa na Versalhes era o seguinte a ser recebido pelo presidente colombiano, de visita a Lisboa. Mas a América Latina, confessa, é só um dos seus muitos interesses. "Gosto de ler sobre muitos países, muitas regiões. Se alguém olhar para a minha biblioteca, vai perceber isso. Por exemplo, gosto muito de ler sobre o mundo árabe e recomendo sempre um livro que considero de referência, que é Uma História dos Povos Árabes, de Albert Hourani." Admito que sofro também dessa indecisão sobre a que parte do mundo mais atenção dedicar, e de repente estamos a falar de As Cruzadas vistas pelos Árabes, de Amin Maalouf, mas saltando logo para Timor-Leste, onde eu estive em dezembro do ano passado e que Vasco também conheceu em fevereiro de 2020, a ponto de ter criado uma ligação com Xanana Gusmão que lhe permitiu ter o antigo guerrilheiro e primeiro presidente do novo Timor livre da ocupação indonésia como orador na conferência que o Instituto Português do Direito do Mar organizou esta semana, juntamente com o Instituto Diplomático (e à qual o colombiano Iván Duque acabou por se dirigir numa mensagem gravada em vídeo).."Conheci Xanana Gusmão antes da pandemia, quando fui a Timor a convite da União Europeia para falar sobre temas ligados com o direito do mar, economia azul, vida marinha, a necessidade de ter um ordenamento jurídico do espaço marítimo. A conferência foi o evento inaugural - a primeira conferencia anual - do IPDM - Instituto Português de Direito do Mar, uma estrutura criada para reunir peritos portugueses e lusófonos com o objetivo de estudar, promover e divulgar o direito do mar em Portugal no âmbito da lusofonia, com a missão de apoiar jovens investigadores de países lusófonos. Quando estou a montar o programa surgiu a possibilidade de convidar Iván Duque e Xanana, por razões distintas. O presidente Iván Duque não pôde estar na conferência, mas enviou um vídeo, depois falou Xanana. Há nele um enorme carisma. O discurso foi muito bom. Houve três intervenções importantes: a do ministro de Minas e Energia da Colômbia, a de Xanana e a abertura pelo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Francisco André. Fez-se no final a fotografia de grupo e aí toda a gente quer o seu momento com Xanana. Eu já tinha visto isto em Timor: toda a gente tem grande admiração e respeito, não é só para a foto, por tudo o que ele representa. Para mim foi uma honra tê-lo na primeira conferência anual do IPDM. O IPDM tem um papel muito importante a desenvolver. Não apenas na criação e internacionalização de conhecimento sobre o direito do mar em Portugal e no âmbito da lusofonia, o que é central à missão do instituto, mas também contribuir para a construção de soluções que permitam a concretização dos objetivos fundamentais de uma boa governação do oceano, desde a proteção do ambiente marinho ou a criação de áreas marinhas protegidas, com planos de gestão e de monitorização, ao desenvolvimento de uma economia azul sustentável, por exemplo através de energias renováveis offshore.".Sobre o evento da ONU em Lisboa, que reuniu no Altice Arena delegações de mais de centena e meia de países e gerou um debate que nem a tensão internacional gerada pela guerra na Ucrânia pôs em causa, Vasco considera que a Conferência dos Oceanos "é muito importante, porque é um momento político decisivo para uma série de questões que estão na agenda internacional, sobretudo a necessidade de desenvolver uma economia azul sustentável, e que não podem ser palavras vãs... E depois há uma série de desafios que vamos conseguir ultrapassar, não na nossa geração, mas criando um momento que permita a sua perpetuação no tempo: lidar com as alterações climáticas, ter um oceano saudável e um aspeto fundamental, que é termos de chegar a um tratado internacional para a conservação da diversidade marinha, que está além da gestão nacional, porque é um espaço muito grande, com regras internacionais gerais, mas que não são robustas o suficiente.".Vasco, que depois de deixar o governo ajudou a criar na Universidade Nova um mestrado em Direito e Economia do Mar, afirma sem hesitação que "o futuro de Portugal estar no mar não pode ser um chavão, tem mesmo de ser. O próprio futuro da Humanidade passa por ter um oceano saudável. As economias devem passar pela sua descarbonização, sobretudo agora com a guerra, em que se viu a importância de apostar nas energias renováveis, e no caso português é uma grande oportunidade. Temos de tomar medidas que não sejam só um desígnio nacional, mas que possamos desenvolver todos os aspetos da cadeia de valor da economia azul que faltam. Tens de ter investimento, serviços associados... é preciso juntar tudo e é preciso ação"..leonidio.ferreira@dn.pt
É-me impossível não começar esta conversa com Vasco Becker-Weinberg, presidente do Instituto Português de Direito do Mar, com uma pergunta sobre o apelido composto, e quando me responde que os avós eram alemães e chegaram nos anos 30 do século XX a Portugal, sei que a história tem de ser mais um pouco complicada. O meu convidado sorri perante a insistência. E explica, finalmente: "O meu avô Siegfried Weinberg era judeu. Conheceu e apaixonou-se pela minha avó na Alemanha. Ela chamava-se Magdalena Becker e não era judia, portanto não podiam estar juntos. Era a época já das leis raciais nazis. O meu avô, que estava bem integrado, como a maioria dos judeus, na sociedade alemã, resistiu algum tempo às perseguições de Hitler, mas há um momento em que decide partir antes que seja tarde. Vem para Portugal e a minha avó chega logo depois. Mas a ideia era irem para os Estados Unidos. Portugal era um ponto de passagem. Só que a minha avó engravida quando eles estão a tentar a viagem para a América e o meu avô acaba por ir de Lisboa para Coimbra, onde nasce, em 1938, o meu pai, e a partir daí tudo muda.".A história familiar continua no Porto, onde, em dado momento, os Becker-Weinberg se instalam, criando uma empresa de colchões, a Molaflex. "O meu avó era um empreendedor, tinha tido já negócios na Alemanha, tinha muitas ligações e conhecia os ingleses com a patente", acrescenta Vasco. Siegfried morre em 1954, mas o filho, já nascido em Portugal, Máximo Dário, herda o espírito empresarial e, depois de trocar o Porto por Lisboa, vende a participação na Molaflex e cria a Climax.."Identifico-me como judeu tradicional. No judaísmo, o princípio de tudo é o livre-arbítrio. O importante é a liberdade de sermos o que queremos, de forma responsável. Eu nasci em 1979 e nunca senti preconceito contra mim como judeu em Portugal. As pessoas geralmente sabem que sou judeu antes de me conhecerem... percebem pelo nome. Mas nunca senti antissemitismo", diz Vasco, enquanto pede um chá de jasmin. Eu opto por um chá de menta e peço também um scone com manteiga. Estamos na esplanada da Pastelaria Versalhes, no centro de Lisboa, e esse brunch a meio da tarde mais parece um chá das cinco..Comentamos que Salazar tinha como grande amigo Moisés Amzalak, professor no Instituto Superior Técnico que era líder da comunidade judaica, e Vasco, que não conheceu o avô, sublinha que a avó nunca lhe falou de antissemitismo em Portugal. Nem Siegfried nem Frida Magdalena adotaram a religião do outro e foi Máximo Dário, o primeiro nascido Becker-Weinberg, a assumir-se como judeu. Para fecharmos este capítulo sobre o judaísmo, pergunto se já visitou Israel e a resposta é sim. "Já visitei e foi muito emocionante, desde logo porque a minha família saiu da Alemanha a tempo, o meu avô conseguiu trazer pessoas e na família próxima ninguém morreu, mas houve parentes mais distantes vítimas da Shoah. Penso que esse sofrimento é património que faz parte da Humanidade, não só do povo judeu. Ainda que os judeus tenham sido especialmente perseguidos pelos nazis, houve também a comunidade cigana, os homossexuais e os dissidentes políticos. Tudo isto faz parte da história da Humanidade e todos temos de nos relacionar com este passado", argumenta o professor universitário, jurista de formação, que, depois de fazer a licenciatura na Universidade Católica e o mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi para a Alemanha fazer o doutoramento na Universidade de Hamburgo, com especialização em Direito do Mar.."Estudei em criança num colégio alemão. Em pequeno falava alemão e depois o que ficou foi a memória fonética, porque o meu pai morreu cedo e eu deixei de ter com quem falar alemão. Voltei a ter alemão no secundário, mas ainda me recordo de em 2007, na primeira vez que fui à Alemanha, quando cheguei lá só conhecia auf wiedersehen, não conhecia o tschüss, então, quando me disseram tschüss pela primeira vez, eu não percebi, não sabia que era também adeus, mas informal. De qualquer forma, em termos de estudos, não era decisivo. Fiz um programa de doutoramento internacional em inglês", conta, notando que o interesse pelo direito do mar vem da licenciatura. "Tive um professor muito bom, Armando M. Marques Guedes, que é o pai fundador do direito do mar no ensino superior em Portugal. Era um homem excecional", acrescenta Vasco, que deixou o escritório de advogados onde trabalhava para, com uma bolsa, ir estudar para a grande cidade portuária do Norte da Alemanha..Recordo, a propósito, que numa visita a Hamburgo, há uns anos, fui a um museu dedicado à história marítima e que na entrada havia uma placa a anunciar: "Os sete grandes navegadores da humanidade", e que, representados por bustos como os outros, estavam três portugueses: Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Fernão de Magalhães. Vasco conhece o museu mas não se recorda dos sete bustos. De qualquer forma, em termos de orgulho pátrio, prefere relembrar que apanhou na Alemanha o Mundial de Futebol de 2010. "Ia sempre para o bairro português ver nos restaurantes os jogos da seleção e conhecia muito bem a comunidade." Quanto ao contacto com os alemães, numa sociedade que assumiu os erros do passado e hoje até voltou a ter uma comunidade judaica, Vasco conta que nunca lhe perguntavam pelo apelido, só mesmo pelo nome, Vasco. "Toda a gente achava o apelido normal.".Continuava na Alemanha, agora também como investigador do Instituto Max Planck, quando surgiu uma oportunidade "irrecusável" em Portugal. Trabalhar no Ministério do Mar, então tutelado por Assunção Cristas. A missão que lhe foi entregue passava pela produção de matéria legislativa e no desenvolvimento de políticas do mar. E dá como exemplo o que fez: o regime jurídico sobre o ordenamento e a gestão do espaço marítimo nacional. Dessa passagem pelo governo PSD-CDS ficou a ligação a Cristas, que, enquanto líder do CDS, convidou Vasco para ser candidato nas eleições europeias de 2019. Hoje é militante e tido como figura próxima do novo líder dos democrata-cristãos, o eurodeputado Nuno Melo, mas política partidária é tema que prefere não abordar, ainda por cima quando, sublinha, "temos esta Conferência das Nações Unidas sobre os Oceanos realizada em Lisboa e que tão importante é para Portugal e para o mundo em geral"..Conheci Vasco num almoço organizado pelo IPDAL - Instituto para a Promoção da América Latina e Caraíbas, e, por coincidência, o nosso último reencontro antes deste lanche foi no hotel Pestana Palace, quando eu vinha de uma entrevista a Iván Duque e o meu parceiro de conversa na Versalhes era o seguinte a ser recebido pelo presidente colombiano, de visita a Lisboa. Mas a América Latina, confessa, é só um dos seus muitos interesses. "Gosto de ler sobre muitos países, muitas regiões. Se alguém olhar para a minha biblioteca, vai perceber isso. Por exemplo, gosto muito de ler sobre o mundo árabe e recomendo sempre um livro que considero de referência, que é Uma História dos Povos Árabes, de Albert Hourani." Admito que sofro também dessa indecisão sobre a que parte do mundo mais atenção dedicar, e de repente estamos a falar de As Cruzadas vistas pelos Árabes, de Amin Maalouf, mas saltando logo para Timor-Leste, onde eu estive em dezembro do ano passado e que Vasco também conheceu em fevereiro de 2020, a ponto de ter criado uma ligação com Xanana Gusmão que lhe permitiu ter o antigo guerrilheiro e primeiro presidente do novo Timor livre da ocupação indonésia como orador na conferência que o Instituto Português do Direito do Mar organizou esta semana, juntamente com o Instituto Diplomático (e à qual o colombiano Iván Duque acabou por se dirigir numa mensagem gravada em vídeo).."Conheci Xanana Gusmão antes da pandemia, quando fui a Timor a convite da União Europeia para falar sobre temas ligados com o direito do mar, economia azul, vida marinha, a necessidade de ter um ordenamento jurídico do espaço marítimo. A conferência foi o evento inaugural - a primeira conferencia anual - do IPDM - Instituto Português de Direito do Mar, uma estrutura criada para reunir peritos portugueses e lusófonos com o objetivo de estudar, promover e divulgar o direito do mar em Portugal no âmbito da lusofonia, com a missão de apoiar jovens investigadores de países lusófonos. Quando estou a montar o programa surgiu a possibilidade de convidar Iván Duque e Xanana, por razões distintas. O presidente Iván Duque não pôde estar na conferência, mas enviou um vídeo, depois falou Xanana. Há nele um enorme carisma. O discurso foi muito bom. Houve três intervenções importantes: a do ministro de Minas e Energia da Colômbia, a de Xanana e a abertura pelo secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Francisco André. Fez-se no final a fotografia de grupo e aí toda a gente quer o seu momento com Xanana. Eu já tinha visto isto em Timor: toda a gente tem grande admiração e respeito, não é só para a foto, por tudo o que ele representa. Para mim foi uma honra tê-lo na primeira conferência anual do IPDM. O IPDM tem um papel muito importante a desenvolver. Não apenas na criação e internacionalização de conhecimento sobre o direito do mar em Portugal e no âmbito da lusofonia, o que é central à missão do instituto, mas também contribuir para a construção de soluções que permitam a concretização dos objetivos fundamentais de uma boa governação do oceano, desde a proteção do ambiente marinho ou a criação de áreas marinhas protegidas, com planos de gestão e de monitorização, ao desenvolvimento de uma economia azul sustentável, por exemplo através de energias renováveis offshore.".Sobre o evento da ONU em Lisboa, que reuniu no Altice Arena delegações de mais de centena e meia de países e gerou um debate que nem a tensão internacional gerada pela guerra na Ucrânia pôs em causa, Vasco considera que a Conferência dos Oceanos "é muito importante, porque é um momento político decisivo para uma série de questões que estão na agenda internacional, sobretudo a necessidade de desenvolver uma economia azul sustentável, e que não podem ser palavras vãs... E depois há uma série de desafios que vamos conseguir ultrapassar, não na nossa geração, mas criando um momento que permita a sua perpetuação no tempo: lidar com as alterações climáticas, ter um oceano saudável e um aspeto fundamental, que é termos de chegar a um tratado internacional para a conservação da diversidade marinha, que está além da gestão nacional, porque é um espaço muito grande, com regras internacionais gerais, mas que não são robustas o suficiente.".Vasco, que depois de deixar o governo ajudou a criar na Universidade Nova um mestrado em Direito e Economia do Mar, afirma sem hesitação que "o futuro de Portugal estar no mar não pode ser um chavão, tem mesmo de ser. O próprio futuro da Humanidade passa por ter um oceano saudável. As economias devem passar pela sua descarbonização, sobretudo agora com a guerra, em que se viu a importância de apostar nas energias renováveis, e no caso português é uma grande oportunidade. Temos de tomar medidas que não sejam só um desígnio nacional, mas que possamos desenvolver todos os aspetos da cadeia de valor da economia azul que faltam. Tens de ter investimento, serviços associados... é preciso juntar tudo e é preciso ação"..leonidio.ferreira@dn.pt