O furacão Canijo em Berlim

João Canijo vezes dois. Um filme que é afinal dois olhares. De<em> Mal Viver</em> nasceu uma outra obra, <em>Viver Mal</em>. O primeiro teve a honra de ser selecionado para a competição do Festival de Berlim e o segundo está na secção Encounters. Jackpot histórico para o cinema português. A Berlinale arranca a 16 de fevereiro.
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Depois de em 1994 a Berlinale ter apostado no díptico Smoking/No Smoking, de Alain Resnais, agora é a vez de João Canijo com a sua dupla rajada: Mal Viver e Viver Mal. O primeiro está em competição e o segundo na secção Encounters. Dois filmes que se cruzam no mesmo cenário e com as mesmas personagens. Mais um momento grande do cinema português na alta roda dos festivais.

A lista da competição foi ontem divulgada e surge como uma consagração para o cineasta português, pela primeira vez a competir pelo Urso de Ouro, depois de já ter estado em Toronto, Cannes (na seleção oficial chegou apenas ao Un Certain Regard), Roterdão e San Sebastián. Os filmes deste feito inédito são duas faces da mesma moeda, a saber: o mal-estar num hotel do norte do país. Mal Viver é um relato sobre a família que gere esse hotel e Viver Mal foca-se mais nos hóspedes e nas suas relações. As ações de ambos os filmes cruzam-se e o elenco é igual. Em Mal Viver os protagonistas são Anabela Moreira (porventura no seu momento maior da carreira), Rita Blanco, Cleia Almeida e Madalena Almeida, enquanto em Viver Mal sobressaem Beatriz Batarda, Nuno Lopes, Leonor Vasconcelos, Carolina Amaral e Rafael Morais.

Curiosamente, mesmo sem estrear, Mal Viver foi a votos na Academia de Cinema Portuguesa para poder ser o filme português a representar Portugal nestes próximos Óscares, acabando por perder para Alma Viva, de Cristèle Alves Meira, igualmente produzido por Pedro Borges. De realçar que para este díptico, o cineasta de Sangue do Meu Sangue chamou Leonor Teles para a direção de fotografia. Será caso para dizer que o cinema de Canijo ganha uma nova luz, uma limpidez que contrasta bem com a causticidade do costume. Esta aventura dupla tem já estreia confirmada nos cinemas nacionais, 11 de maio.

Da competição internacional salta à vista um carácter mais exploratório. O diretor artístico Carlo Chastrian, talvez refém pelo timing de Cannes, volta a querer ir pelos caminhos das descobertas e não temos nomes consagrados. Quem esperava por Ari Lester e o seu Beau tem Medo, por André Téchiné e o seu Les Ames Soeurs ou que Eillen, o já celebrado novo de William Oldroyd, estivessem nesta lista, pode ficar desconcertado. A verdade é que no passado as desconfianças eram muitas e, no fim das contas, a seleção oficial era forte.

Do Canadá chega uma incógnita: BlackBerry, de Matt Johnson, a história da queda e ascensão do primeiro smarphone. Tem Jay Baruchel e Cary Elwes no elenco. Mas da produção independente americana a Berlinale dá boas vindas a uma primeira obra: Past Lives, de Celine Song, crónica de encontros e desencontros de dois amigos afastados devido à emigração para os EUA. Será uma espécie de Minari? A Coreia do Sul a entrar nos temas americanos. Trata-se do único filme do festival repescado de Sundance. De resto, americano, nada, a não ser Superpower, de Sean Penn e Aaron Kaufman, documentário que seguiu de perto os primeiros dias da invasão de Putin à Ucrânia. Superpower, contudo, está fora de competição na Berlinale Special Gala. Seja como for, será sempre uma das sessões mais concorridas de um festival que prescinde do efeito das estrelas, mesmo tendo em conta que Cate Blanchett vai estar presente para uma sessão especial de Tár e que Kristen Stewart é a presidente do júri.

Pelos europeus talvez ainda se possa seguir a pista das estrelas. O tapete vermelho espera por Louis Garrel, protagonista com a irmã Esther em La Lune Crevée, realizado pelo pai Philipe, autor sempre com lugar cativo nesta competição. Um filme ainda co-escrito pelo mestre Jean-Claude Carrière, o argumentista que era amigo destes Garrel. Trata-se de uma obra sobre uma família que trabalha junta num espetáculo de marionetas.

Expectativa alta para o cinema alemão, sobretudo através de Margerethe von Trotta, Emily Atef, Angela Schanelek e Christian Petzold. A veterana von Trotta em Ingeborg Bachmann - Viagem no Deserto discorre sobre a relação entre os escritores Ingeborg Bachmann e Max Frish, podendo dar a Vickie Krieps mais um momento de glória. Em Someday We'll Tell Each Other Everythinhg, Atef interroga-se sobre romances improváveis, enquanto em Musik Angela Schabnelek propõe um romance incestuoso, mas todos os olhos estão em Afire, no qual Christian Petzold fala sobre umas férias em grupo e volta a dirigir a fabulosa Paula Beer. À partida, pode estar aqui um candidato forte ao palmarés.

E o que seria de Berlim sem um documentário bem intencionado? Este ano, Nicolas Philibert, um dos mais celebrados documentaristas franceses e autor do incontornável Ter e não Ter, explora o L'Adamant, um centro de dia em Paris que acolhe adultos a recuperar de maleitas psiquiátricas . O filme chama-se L'Adamant e acompanha um grupo de profissionais que fazem da sua vida uma luta para apagar o estigma da loucura.

Nesta radicalizada Berlinale chamada de atenção ainda para a secção Fórum onde Susana Nobre tem a ficção Cidade Rabat, na qual Raquel Castro, atriz e criadora de teatro, tem a sua vez no cinema. Mais uma vez, a Terratreme, produtora nacional, a impor a sua lei em Berlim...

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