"O filme mostra como as eleições no Reino Unido são sempre surpreendentes"
Kirsty Hayes, embaixadora do Reino Unido, não tem "idade" para se lembrar de Winston Churchill como primeiro-ministro do Reino Unido ou dos tempos retratados em A Hora Mais Negra, que ontem chegou às salas de cinema, e que juntou a diplomata numa conversa com o crítico de cinema João Lopes e o repórter principal João Céu e Silva, moderada pelo subdiretor do DN Leonídio Paulo Ferreira. "Para nós, mesmo depois da guerra a personagem de Churchill continua a ser marcante e pode servir para explicar as características britânicas", disse, abrindo o debate no Nos Amoreiras, em Lisboa.
"Vemos isso nas opiniões sobre a Europa", explicou a embaixadora, nascida em 1977, recordando que este foi um assunto sobre o qual se deteve Winston Churchill, anos antes de haver União Europeia, muito menos nos moldes de hoje. Kirsty Hayes trouxe a história de 1940 para 2018 - da II Guerra Mundial ao Brexit. Desses dias de maio em que Churchill rejeita a rendição até às negociações para a saída do Reino Unido da União Europeia. "O filme mostra como as eleições no Reino Unido são sempre surpreendentes. Ou referendos", disse Kirsty Hayes, lembrando que o primeiro-ministro perde as eleições, apesar da popularidade entre os britânicos, como o sim ao Brexit venceu o referendo de 23 de junho de 2016 contra os resultados das sondagens.
À plateia de jovens, entre eles estudantes do 2º ano de Ciência Política do ISCTE, Kirsty Hayes lembrou os três círculos majestosos descritos por Winston Churchill num discurso de 1946: a Commonwealth, o mundo da língua inglesa e a Europa unida. "Não acho que o Reino Unido tenha abandonado este círculo, a frase continua a ser válida depois da saída [da União Europeia]", defendeu a embaixadora, falando do Reino Unido como uma "potência europeia", um país "orgulhoso da sua herança" e da língua inglesa como "um idioma dos negócios, da ciência e do cinema e da diplomacia".
No filme, Churchill é interpretado pelo ator Gary Oldman, vencedor do Globo de Ouro para melhor interpretação neste biopic de Joe Wright, retomando "a tradição do fllme histórico", segundo João Lopes.
O crítico do DN chama-lhe "um excelente objeto de discussão", apesar de ter "problemas em equilibrar a realidade histórica deslizando para a quase-caricatura". "É importante sublinhar o contexto não apenas o contexto cinematográfico, mas a cultura cinematográfica, em que surge este filme", nota. "Nos últimos tempos, para o melhor e para o pior, para o pior no meu ponto de vista, deixámos de ter heróis, só superheróis. Não sou fundamentalista, mas uma certa ocupação do espaço pelos superheróis tem sido redutoraem relação àquilo que é uma tradição riquíssima, nomeadamente no cinema britânica, e que este filme retoma".
Desses filmes históricos britânicos, João Lopes refere três "grandes produções" dos anos 50 e 60: Ponte do Rio Kwai, Lawrence da Arábia e Dr. Jivago. "São todos assinados por um grande mestre do cinema britânico e mundial, David Lean. "Esses filmes correspondem ao património imaginário em que este filme de Joe Wright se insere", situa. "Tudo o que fizermos para se conhecer essa memória, valorizar e dar a ver filmes que retomam essa herança, considero francamente positivo".
A Hora Mais Negra foi escrito por Anthony McCarten (autor de A Teoria do Tudo) e, além de guião, é também um livro de quase 300 páginas, com o mesmo nome, editado em Portugal pela Objetiva, em que o argumentista regista a pesquisa mais vasta que deu origem ao filme. "Ler o livro é fundamental para perceber a dimensão maior do problema", afirma o repórter principal João Céu e Silva. "É um escritor de argumento que consegue desafiar os académicos sobre alguns equívocos em torno de Churchill."