Um dia de tempestade em 2019 permanece na memória da diretora do castelo de São Jorge, Maria Antónia Amaral. Apesar do "temporal desgraçado", com um céu negro assustador e chuva intensa, o miradouro daquele monumento de Lisboa estava cheio de gente. Foi há dois anos, mas parecem ter passados muitos mais, tal o cenário que agora se vive por ali, em pleno verão. Os pontos de interesse são os mesmos - alguns até melhorados -, mas agora há a malvada pandemia que afasta os turistas. As diferenças saltam à vista: já não há filas para entrar, circula-se sem atropelos e chega-se ao muro do miradouro sem ter de esperar que alguém decida seguir caminho. Mesmo assim, este continua a ser o monumento mais visitado de Lisboa..De Lisboa e do país, realça Maria Antónia Amaral, que ali chegou para ser diretora no verão de 2019, vinha o castelo de um ano recordista em termos de visitas. "Tivemos um expoente máximo em 2018 com mais de dois milhões de visitantes. Em 2019 não atingimos os dois milhões, mas ficámos muito perto", concretiza. Depois, veio a pandemia e as visitas caíram a pique, para as 420 mil, fruto do confinamento, da redução dos horários e lotações e da quebra do turismo. "Houve realmente uma quebra acentuada, mas mantivemo-nos sempre como o monumento mais visitado de Portugal", diz..Os turistas estrangeiros, que representavam 96% dos visitantes, deixaram de aparecer. "Mas captámos muitos visitantes nacionais e muitos visitantes residentes em Lisboa, que viram neste espaço, que é 90 e muitos por cento de ar livre, um espaço que pode ser usufruído em segurança, além de que tem esta vista maravilhosa", realça a diretora do castelo..A paisagem que se alcança até ao outro lado do rio e à ponta oposta de Lisboa é um dos atrativos do castelo, mas não faltam outros pontos de interesse. "Tem o castelo medieval em si, tem o Paço de Alcáçova, que foi residência dos reis medievais até final do século 16, tem um núcleo arqueológico com uma presença islâmica muito importante a nível peninsular e até europeu, e que também tem vestígios que remontam à ocupação deste sítio ao século VII a.c.. Portanto tem aqui a história toda de Portugal até aos nossos dias, e tem também uma unidade museológica que, no fundo, mostra a cultura material destes povos que viveram neste sítio", resume Maria Antónia Amaral. Há ainda - embora se encontre atualmente desativado devido à pandemia - o periscópio instalado numa das torres do castelo, o qual oferece uma vista de toda a cidade em tempo real..Maria Antónia Amaral acredita que "os castelos exercem um fascínio muito grande" e este, que ao longo dos séculos passou por várias transformações e teve várias funções, ganhou grandiosidade durante o Estado Novo. "No âmbito das grandes comemorações nacionais, em 1940, houve aqui uma grande intervenção de procura do castelo original e dos edifícios mais antigos, sendo que era uma procura quase inglória porque todos eles tinham cicatrizes já de tempos modernos, dos séculos XVI, XVII e por aí fora. Mas uma coisa que é interessante é que esta visão que temos hoje em dia do castelo, o reposicionamento do castelo na cidade, deveu-se ao Estado Novo. Porque ele estava parcialmente engolido por estes edifícios, por exemplo, os quartéis militares, que tinham uma presença fortíssima na cidade. Pode-se criticar a intervenção, mas houve um resgate imenso e que nos permite hoje em dia ser tão atrativos", defende a responsável, arqueóloga de formação..Faz falta um grande estudo arqueológico daquele espaço, diz, mas indica que "a esplanada que agora temos com a muralha exterior é uma intervenção de meados do século XVII e que teve o propósito de conter a colina". E que debaixo do solo há muitas estruturas. "Percebemos isso até pelo ambiente natural. As árvores, por exemplo, os pinheiros, que tendem a ter raízes a entrusarem dentro do solo, verticais, estão com as suas raízes expandidas na horizontal"..Comunidade de pavões quase duplicou.Havia intervenções que eram necessárias e a pandemia acabou por torná-las possíveis. Partes do pavimento foram melhoradas e ficaram acessíveis a pessoas com mobilidade reduzida, algumas infraestruturas elétricas ou de canalização foram modernizadas e fez-se uma nova loja com produtos de merchandising com imagens de marca do castelo, como os rebocos das casas islâmicas do núcleo arqueológico ou os pavões que se passeiam pelo castelo..Mas até esta comunidade, que quase duplicou para cerca de 70 exemplares, vai de ter ser intervencionada. "Fruto do confinamento e da pouco afluência de visitantes, eles reproduziram-se imenso e a taxa de sucesso da natalidade foi como nunca vista. Inclusivé, as pavoas este ano puseram ovos duas vezes", constata Maria Antónia Amaral, acrescentando que os machos começaram a ter reações agressivas para com as crias e tiveram de ser separados..O restaurante e a cafetaria estão fechados e assim deverão continuar até ao próximo ano, enquanto decorre o processo de atribuição de nova concessão, mas a praça das armas vai ganhar wi-fi. É um piscar de olho aos residentes na cidade, tal como a programação de verão, com dança, música e cinema, com entrada livre. Sem esquecer que quem mora no concelho de Lisboa não paga bilhete para visitar o castelo. "E não precisam de estar nas filas longas, de que temos saudades", remata a diretora do monumento..sofia.fonseca@vdigital.com