Crónica de amores de verão com a habitual câmara sexual e sensual de Abdellatif Kechiche, neste momento o mais consagrado dos cineastas franceses. Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro é um desenvolvimento natural dos procedimentos da causa de A Vida de Adèle: filmar o amor sem filtros. E o amor para este grande cineasta é entrar pelo suor do sexo, pelo paladar da comida e pelo ritmo da música. E fá-lo através de um memorial dos nossos verões enquanto jovens: os grupos de amigos, os passeios pelas praias, a noite e o embate com as escolhas do futuro. É escusado: todos estamos aqui..Mektoub é em si mesmo uma exportação do elogio do excesso verticalizado. Sentimos os corpos, o peso do álcool e a vertigem do desejo. Mas, ao mesmo tempo, há uma orientação romântica que baralha as contas. Estamos no verão de 1994 e o local é uma cidade de praia francesa onde se encenam jogos de convivência social entre os franceses do norte de África e os louros, neste caso, as louras. Coisa de confrontos de corpos e raça através de uma história que narra o verão de Amin, que pode ser o próprio Kechiche há duas décadas atrás, um jovem argumentista que procura inspiração entre os amigos e as noitadas sem fim. Entre ele e as jovens turistas há atração mas Amin procura antes uma outra coisa: uma busca filosófica sobre o poder do romance..Esta premissa é precisamente o cerne da investigação do cineasta, alguém que filma sexo de verão com uma carnalidade sensual, tão sensual que nos dias do politicamente correto foi acusado de visão machista. A câmara quando toca os corpos das mulheres a dançar ou a fazer amor assume um conceito sério de contacto físico, mas houve quem achasse que isso era "rebarbativo" ou "indecente". Kechiche também filma a comida da Tunisia como achado de transe, tal como acontecia já no seu O Segredo de um Cuscuz. É um cineasta livre, capaz de estar sempre em movimento perpétuo atrás de uma luz que não é de diretor de fotografia, mas sim de cineasta..Também muito convincente é como transforma aquela energia de juventude numa corrente de ar de nostalgia. Uma nostalgia de quem observou no meio da pista de dança torrencial..Menos conseguido é toda uma dialética para encontrarmos um ponto de suspensão na comunidade tunisina. Parece que o mecanismo é fotocopiado daquilo que era mais orgânico nos outros filmes de Kechiche. Mas nada que anule o peso de um imaginário romanesco clássico que deve ter mais desenvolvimentos muito em breve (Kechiche teve problemas com os produtores porque este canto afinal é mesmo para ter sequelas)..A dada altura, na procissão deste verão azul com grãos da areia da praia, surge uma vastidão de prazer que não se explica. Não se pode explicar, tal como o momento em que Amin fica a ver a vida a acontecer quando acompanha o nascimento de um vitelo. É a vida a acontecer e Kechiche apostou neste cinema orgânico onde o nosso olhar ganha a sensação de ser testemunha voluntária..3 ***