O Estado gosta é de uma boa ramboia
Já se sabe que o Estado arrebanha grande parte da riqueza (na maioria dos casos pobreza, mas os economistas preferem a primeira expressão) produzida pelos seus cidadãos. O afã recoletor do Estado vai ao ponto de entrar na intimidade das pessoas, retirando-lhes meios de subsistência para uma vida sexual ativa. É como se "fazer o amor" desenfreadamente fosse apenas uma prerrogativa do Estado, ficando todos os demais confinados a uma prática mais serena e contida.
No processo 61/10.4TAACN (Tribunal da Relação de Coimbra), várias pessoas foram condenadas pela prática do crime de lenocínio (auxílio à prostituição). Não se bastando com a pena de prisão aplicada, o tribunal decidiu ainda declarar perdidos a favor do Estado os seguintes itens: "Páginas do jornal Correio da Manhã com anúncios classificados convívio, todos os preservativos independentemente dos lugares onde se encontrem, duas saquetas de gel íntimo de cor verde, uma embalagem de toalhetes de marca ECO, 1 ovo Kinder contendo um saco plástico cor-de-rosa com um pó de cor branca, seis comprimidos e metades com a referência N, uma embalagem de bicarbonato de sódio, um cachimbo artesanal para fumar estupefacientes, duas facas, sendo uma de cabo preto e outra de cabo vermelho, uma colher de sopa, uma colher de sobremesa, um rolo de alumínio, uma prata queimada, uma prata em forma de canudo, três saquetas de gel íntimo de cor verde". Deve ter sido uma grande festa.
Isto de declarar perdido a favor do Estado preservativos e outros objetos de cariz sexual parece ser uma prática comum e levanta questões de constitucionalidade. Isto é, por que motivo é que os cidadãos, que já pagam impostos, têm que, de certa forma, financiar o apetite sexual do Estado? Indiferente a esta dúvida mais do que razoável, em 2003, o Supremo Tribunal de Justiça declarou, noutro processo, anular a decisão de um tribunal de primeira instância que declarou perdidos a favor do Estado uma determinada quantia de dinheiro e um automóvel no âmbito de um processo de lenocínio, mas manteve a perda de "preservativos, vibradores, dilatador anal e mais utensílios destinados a fins sexuais que se encontram apreendidos".
Já se percebeu que o Estado gosta de uma boa ramboia. E com o poder de administrar a justiça "em nome do povo" consegue arranjar material a baixo custo para animar uma boa festa sexual. Noutro processo que correu no Supremo Tribunal de Justiça (2002), os juízes conselheiros fizeram questão de elencar no acórdão a extensa coleção cinéfila que tinha sido apreendida a um arguido e que, muito provavelmente, foi declarada perdida a favor do Estado. Foi como se dissessem "isto agora é nosso e vocês nem lhe tocam". Daí que, no meio de dezenas de páginas de pensamento profundo sobre as mais complexas questões do Direito, lá surgisse a lista de 65 filmes, entre os quais "As Novas Mamonas Assassinas", "As Surfistas do Amor", "Ninjas do Anal", "Sexo Louco e Falcon Breast", "Pimba a Três", "O Capitão Vibrador" e, para finalizar os exemplos, "Na Cozinha Há Mamas e Serrabulho".
Para tentar acabar com o deboche, segundo uma publicação num grupo do Facebook, em 2014 um advogado de Vila Franca de Xira foi notificado para proceder ao levantamento de preservativos que tinham sido apreendidos aos seus clientes. Desta vez, o Estado, talvez por já registar excesso de stock na matéria, notificou o causídico para o levantamento de mais de 100 preservativos apreendidos aos seus dois arguidos, clientes dos chamados "estabelecimentos de diversão noturna".
Com a caneta bem afiada, o advogado lá informou o meritíssimo que ambos os rapazes já não frequentavam tais locais e que até tinham perdido "as faculdades motoras dos órgãos sexuais". Um, relatou "é doente do estômago", o outro "atravessa grande depressão". Para finalizar, o "Barbie Bar" em Vila Franca de Xira até já estava fechado.
Portanto, aconselhou o advogado, o melhor era ver se os preservativos estavam dentro do prazo de validade. Os que estivessem, sugeriu, deveriam ser entregues ao Ministério da Saúde. Os outros, continuou, poderiam ser "ofertados a um clube de pesca de Vila Franca de Xira". "Pois uma das técnicas ancestrais usadas no mar e no rio consiste em meter a minhoca dentro do preservativo de forma a enganar o peixe que se deixa agarrar pelo anzol, usando a mesma minhoca e o mesmo preservativo para apanhar mais pescado", esclareceu. E assim poupa-se "na compra e uso da minhoca que é caríssima". Aos costumes, nada mais foi dito.