"O enredo". A regionalização e os referendos vistos por Vasco Pulido Valente em 1998
"Em três meses de férias de jornalismo, não me consegui interessar pelo referendo sobre as regiões, pela simples razão de que não consegui perceber os efeitos do meu improvável voto.
Se, por exemplo, responder "sim" à primeira pergunta ("Concorda com a instituição em concreto das regiões administrativas?"), segundo o Tribunal Constitucional, aprovo o mapa das oito regiões. Mas se responder "não" à segunda pergunta ("Concorda com a instituição em concreto da região administrativa da sua área de recenseamento eleitoral?"), em boa lógica invalido o "sim" à primeira, porque, necessariamente, a mudança de uma região implica a mudança do mapa geral das regiões.
O meu voto pode, portanto, anular o meu voto. E não só isso. A Constituição determina que, se mais de metade do eleitorado se abstiver, o "sim" não obriga a que as regiões "se façam".
Para Guterres, no entanto, a Constituição também não o proíbe de as "fazer", com um terço, um quarto ou um décimo do país, se lhe der na gana e o "sim" ganhar. O Dr. Sampaio, por seu lado, como de costume, oscila e vai (já prometeu) pôr oportunamente a trapalhada, se trapalhada houver, ao colo do Tribunal Constitucional. Depois do referendo, claro. Para nessa altura os senhores juízes decidirem se ele foi de facto um referendo ou uma sondagem.
Entretanto, por motivos inexplicáveis, o "não" às regiões (caso prevaleça) vale sempre, mesmo se 99 por cento dos portugueses resolverem não votar. Infelizmente, como a Constituição obriga a que se "instituam as regiões em concreto" e não dispensa um referendo sobre a matéria, se este referendo as não instituir, teremos referendos e referendos até ao fim dos séculos. Eu não levo isto a sério. Alguém leva?"