Rita Redshoes apresenta o seu Lado Bom. Este é o nome do seu quinto trabalho que traz duas novidades: é o primeiro álbum totalmente em português; e o primeiro desde que se estreou no papel de mãe. Aliás é essa "viagem" que nos conta através das suas novas canções. Uma espécie de "diário de bordo" do processo desde a maternidade ao pós-parto, com tudo o que de bom e mau passou. Rita ressalva que apesar de feminino não é um álbum só para mulheres, "é para todos"..Este trabalho tem várias novidades. É o seu álbum mais intimista? Sim, tem essa novidade porque é o primeiro álbum totalmente em português. É um trabalho muito pessoal e emotivo porque foi escrito num período de tempo ainda alargado desde que engravidei ao pós-parto. É uma espécie de diário de bordo dessa experiência tão avassaladora que é ter o primeiro filho. Acho que nunca se está preparado para ser mãe ou pai pela primeira vez. É todo um mundo novo. E também há aquela questão de voltarmos às memórias da nossa infância e até, de certa forma, compreendermos melhor os nossos pais. Esse processo tem sido tão rico e tão assustador ao mesmo tempo que resultou numa série de canções..Ao mesmo tempo passámos pelos confinamentos, isso também influenciou as suas canções? Já não fui a tempo, ou melhor, a pandemia já não veio a tempo de me influenciar. O disco já estava terminado uma ou duas semanas antes do primeiro confinamento. A única coisa em que a pandemia interferiu com o disco foi na espera para dar à luz o disco. Talvez num próximo disco venha alguma coisa desta situação de ficção científica de série B..Citaçãocitacao"Tive uma depressão pós-parto e foi um período muito complicado, sobretudo o primeiro mês e meio. Acho que é bastante útil partilharmos estas coisas de uma forma cada mais normalizada.".Mas outros artistas foram lançando discos mesmo nessa altura. Porque preferiu guardar para agora? Foi mesmo uma escolha. Várias datas foram sendo postas em cima da mesa, mas não me fez sentido lançar um disco que depois não podia ser tocado e partilhado ao vivo. E como é um disco cuja temática me acompanha todos os dias, nunca senti que estava distante do assunto. Se fosse um disco mais centrado num determinado período podia não fazer sentido, neste caso é muito presente..E agora, depois de toda essa experiência, está preparada para voltar aos palcos? Estou preparadíssima, haja datas que estou de malas feitas para ir. Mas agora é um desafio, há muitas salas que têm uma espécie de lista de espera. Mas já tive a oportunidade de tocar este disco três vezes em datas espaçadas, terei uma data para o próximo mês e espero fervorosamente que a agenda se componha para mostrar as canções ao vivo..Volto ao assunto: qual a razão da escolha de cantar somente em português, foi uma nova descoberta? Não sendo uma escolha racional tem algo de racional. Foi um processo que fui experimentando nos últimos anos, com algumas músicas do álbum anterior e algumas participações com artistas que cantavam em português. E cada vez que cantava em português sentia sempre uma grande empatia com o público. Por outro lado, acho que pela temática do disco não devia existir a barreira da língua, porque foi escrito em carne viva e saiu tudo em português..E no futuro, é para continuar a cantar em português? Não ponho de parte voltar a cantar em inglês, mas depois de experimentar tive uma sensação muito boa de cantar em português..É um disco feminino? Diz mais às mulheres do que aos homens? Ainda não tenho uma resposta clara, mas acho que quem não seja pai ou mãe possa ter um entendimento diferente do disco. Mas para quem é tem uma ligação direta a muitas das coisas que estão ali escritas e partilhadas. Obviamente que os papéis do pai e da mãe são diferentes, a mãe tem um papel muito exigente e presente, mas são papéis que se complementam. Contudo, é um disco feminino porque é escrito por uma mulher, mas que fala sobretudo do amor incondicional a partir do momento em que se gera uma criatura..Recentemente falou numa entrevista na depressão pós-parto e no turbilhão de sensações por que também passou. Isso reflete-se nas canções? Tive uma depressão pós-parto e foi um período muito complicado, sobretudo o primeiro mês e meio. Acho que é bastante útil partilharmos estas coisas de uma forma cada mais normalizada. O meu parto correu muito bem, mas o pós-parto foi muito complicado. Aquilo que fui percebendo é que é algo muito normal e natural. E é assustador porque nunca se fez tal coisa e daí vêm as inseguranças todas. Fala-se muito de os bebés cheirarem bem, do maravilhoso que são, mas fala-se muito pouco da privação do sono, da ansiedade e da adrenalina, do corpo a mudar, e da mudança na dinâmica do casal. É brutal. Às tantas no processo isolei-me e percebi que precisava de ajuda, sobretudo naqueles dias em que estamos exaustas e pensamos: "Não dá para ir devolver à maternidade?" Enfim, somos humanos. E também há depressão pós-parto nos homens que é muito pouco falada, sobretudo porque os homens não têm grande oportunidade de mostrar esse lado mais emotivo porque passam logo por seres fracos. A minha canção Vai Tristeza foi escrita com a minha bebé ao colo e eu em plena depressão, a tentar escrever no telemóvel toda aquela situação..E como pensa que a sua filha quando for mais velha e ouvir o disco o vai achar? Vou ser sincera: não foi fácil. Já não tenho essa culpabilidade, mas durante muito tempo senti que falhei à minha filha pela depressão e isso às vezes ainda me assalta um pouco. Mas acho que lhe vou contar a história por detrás do disco. O último single que lancei tem o nome dela, Rosa Flor, quando a ouve dança e canta e percebe que é para ela, e isso é muito bonito. O outro lado vai ter de ser explicado de outra forma..Mas considera que é um trabalho menos alegre? Acho que é um trabalho realista. Tem lá tudo. E também tem a magia de ter uma criança. Sou uma pessoa mais inteira hoje que sou mãe do que era antes. E isso é muito valioso. Mas lá está, a canção Amor Intermitente pergunta se serei capaz de amar incondicionalmente. Tem esse lado que não acho pesado, acho apenas que é o que tenho a partilhar neste momento..filipe.gil@dn.pt