A eleição de domingo passado continua a dar que falar. Seja pelo nível recordista de abstenção eleitoral (69,3%) seja pelas derrotas assinaláveis, tanto à direita (PSD+CDS) como à esquerda (CDU). O PAN, ao conseguir eleger pela primeira vez um eurodeputado, trouxe efeito surpresa ao xadrez político..Muito se pode dizer destas eleições, mas pouco se pode retirar para as eleições legislativas que se realizarão já em outubro e que redesenharão a composição da Assembleia da República. As eleições europeias possuem particularidades e não é demais reforçar a cautela que devemos ter quando da leitura dos resultados..Algumas notas gerais e introdutórias: a abstenção foi a grande vencedora da noite - mas nisso não há nenhuma novidade..Segunda nota (de que pouco ou nada se fala): nestas eleições tivemos quase 7% de votos brancos e nulos (quase 230 mil ao todo), o que é bastante significativo numa eleição com uma abstenção tão elevada. Os votos nulos e em branco ganharam, inclusivamente, à CDU, que, com os seus 228,1 mil votos (6,88%), teve a segunda pior prestação europeia de sempre. Em terceiro, elegemos mais mulheres nesta eleição (nove eurodeputadas), ultrapassando até o limiar mínimo de 40% de mulheres nos cargos e órgãos de decisão política estabelecido pela nova lei da paridade - embora esta a lei não se aplicasse ainda a estas eleições..Finalmente, esta eleição mudou a paisagem local do país. Distritos e concelhos considerados como autênticos bastiões sociais-democratas no centro e norte do país sofreram grandes alterações, tal como regiões consideradas como bastiões comunistas em que a CDU perdeu terreno para outros partidos. Resta saber se estas mudanças terão continuidade ou não em outubro..PS. Vitória sem sabor e pouco homogénea pelo país fora.O PS foi o partido mais votado nas eleições europeias de domingo passado. Elegeu nove eurodeputados (mais um do que em 2014), acrescentou dois pontos percentuais ao score de então (passando de 31,46% para 33,38%) e conquistou 73 mil novos votos (mais uma vez, comparando com as últimas europeias)..Contudo, a vitória não foi um grande resultado (comparando com 2014), nem homogénea pelo país fora. O PS ganhou sobretudo no centro e no sul do país (zonas litorais). Em Portugal continental, foi no concelho do Alandroal, distrito de Évora, que o partido mais cresceu percentualmente, continuando o trabalho feito nas autárquicas de 2017, onde ali ganhou todos os órgãos autárquicos. As maiores perdas foram nos distritos da Guarda, do Porto e de Castelo Branco. A surpresa aqui não é Porto nem Guarda, ambas localidades onde a direita costuma sair vitoriosa, mas sim Castelo Branco, onde o PS ganhou as europeias, as legislativas e as autárquicas anteriores. Na Lisboa do socialista Fernando Medina o saldo foi rigorosamente nulo: nem perdas nem ganhos..PSD-CDS. Igual a 2014 mas com perda de bastiões.Nota prévia: o PSD e o CDS concorreram coligados em 2014. Daí que esta análise comparativa seja agora conjunta, apesar de os dois partidos terem concorrido separadamente. O mau resultado do PSD e do CDS é especialmente difícil de compreender e explicar porque não resulta de um bom resultado do PS. Em 2014, a coligação havia obtido 27,7% e agora os dois partidos somam 28,13% - um aumento inferior a um ponto percentual. Contudo, no continente, o conjunto PSD-CDS deixou de ser a maior força nos distritos de Braga, Aveiro, Viseu, Leiria, Bragança e Viana do Castelo (e em todos perdeu para o PS). Destaque para o concelho de Viseu, onde a soma PSD-CDS perdeu seis pontos percentuais em relação a 2014, sendo agora o PS a maior força. As maiores perdas e os maiores ganhos deram-se nas ilhas. Na Madeira, bastião PSD, sociais-democratas e centristas reforçaram-se, sobretudo em concelhos como Funchal e Câmara de Lobos (mais de 15 pontos percentuais). Já nos Açores, onde o PS manda desde 1996, as perdas foram acima de dez pontos percentuais..BE. Crescer em 307 concelhos e consolidar-se como 3.ª força.O Bloco de Esquerda conseguiu nestas europeias passar de quinta maior força para terceira maior força - consolidando assim a posição relativa que já havia alcançado nas eleições legislativas de 2015. O partido duplicou o número de votos e isso foi conseguido crescendo em todos os concelhos do país (continente e ilhas), com uma única exceção (Mourão, em Évora, onde manteve o resultado de 2014). As duas maiores vitórias foram no distrito de Coimbra, uma no concelho da capital de distrito (onde o partido teve dez pontos percentuais e mais do que duplicou a votação); e outra em Condeixa-a-Nova - uma surpresa ou talvez não. O Bloco de Esquerda não tem, nem tem tido, expressão local na região, mas foi onde escolheu terminar campanha eleitoral, até porque a cabeça-de-lista, Marisa Matias, é natural do distrito. O partido conseguiu ainda boas prestações em terras alentejanas, como Alvito, Évora e Beja, bastiões historicamente comunistas. O mesmo aconteceu a sul, em Faro e em Tavira, onde a CDU costumava ficar à frente dos bloquistas..CDU. Perder mais onde tinha mais votos .A CDU foi um dos perdedores da noite eleitoral. Embora a dicotomia perdedores/vencedores possa ser redutora, é inevitável mencionar que a CDU perdeu em várias frentes. A coligação liderada pelo mais velho partido português - mais velho tanto em termos históricos como no perfil sociodemográfico do seu eleitorado - perdeu votos sobretudo nos distritos alentejanos. Ou seja: os comunistas perderam percentualmente mais em zonas onde historicamente o partido tem maior implantação. As perdas maiores (mais de (14% em cada) foram em dois concelhos que em autárquicas anteriores já tinham deixado de ser CDU: Alandroal (Évora) e Barrancos (Beja). As perspetivas de longo prazo do PCP não são muito animadoras, na medida em que as tendências demográficas apontam para uma crescente perda de população nos seus bastiões alentejanos. De salientar ainda que o voto ecológico, que tem ganho balanço em Portugal dado a urgência da crise climática, parece não ter ido para Os Verdes, parceiro de coligação do PCP, mas sim para o PAN..PAN. Tendência para crescer totalmente confirmada.A surpresa das eleições. Com 168 501 votos (mais três pontos percentuais do que em 2014), o PAN conseguiu pela primeira vez eleger um eurodeputado, Francisco Guerreiro. Globalmente, o PAN melhorou a sua performance eleitoral em quase todos os concelhos. Apenas em 11 dos 308 concelhos apresentou o mesmo resultado de 2014 e somente em Barrancos teve um resultado pior do que o obtido em 2014 (no único concelho do país onde são permitidas touradas de morte o partido não tem um único voto). Nas zonas em que o PAN detém já uma forte presença territorial, com a implantação local de comissões políticas concelhias, o aumento chega aos cinco pontos percentuais dos votos. São sobretudo as zonas urbanas do distrito de Lisboa, em Sintra, Cascais e Oeiras, mas também do distrito do Porto, em Valongo, Maia e Gondomar, e a sul, no distrito de Faro, em Aljezur e Vila do Bispo. E também no arquipélago dos Açores. Estas vitórias de norte a sul acompanham uma tendência de crescimento que já se manifestara nas legislativas de 2015..ALIANÇA. Forte no eixo Lisboa-Cascais .Entre os três novos partidos que concorreram nestas eleições europeias, o Aliança foi o mais votado, com 1,9% a nível nacional - o primeiro partido dos que não conseguiram eleger ninguém. Liderado por um ex-primeiro-ministro, Pedro Santana Lopes, e com Paulo Sande, ex-chefe da delegação do Parlamento Europeu em Portugal e ex-assessor do Presidente da República, como cabeça-de-lista, o partido ficou muito longe dos dois eurodeputados que desejava eleger. Os melhores resultados no continente foram no distrito de Lisboa, nos concelhos mais urbanos, como Lisboa, Oeiras e Cascais, com 4% dos votos, e ainda a centro, na Figueira da Foz, no distrito de Coimbra com 5% dos votos (mas Santana foi ali presidente de câmara durante dois mandatos). Também nas ilhas, o partido somou resultados acima do total nacional, cerca de 4% dos votos, sobretudo nos Açores. Nas Lajes das Flores e em Lagoa (São Miguel) ficou à frente do CDS. Piores resultados foram no Alentejo (concelhos de Mora e Reguengos, em Évora, e de Serpa e Castro Verde, em Beja)..BASTA. Mediatismo do líder não deu votos .A candidatura do Basta, uma coligação formal entre o PPM e o PPV-CDS (Partido Cidadania e Democracia Cristã) a que se juntaram líderes de outros partidos ainda em formação (Chega e Democracia 21), esteve envolta em polémicas, ora pelo seu não reconhecimento inicial no TC ora por declarações polémicas do cabeça-de-lista André Ventura, advogado e comentador de futebol na CMTV que admite, por exemplo, a pena de morte. O melhor resultado percentual foi no Corvo, com 7,2%. Ou seja, nove votos (mas não admira, porque o PPM foi durante muitos anos liderado por um deputado regional açoriano eleito pela ilha, Paulo Estêvão). Em Portugal continental, a coligação saiu-se bem no Alentejo: Barrancos (Beja), Vila Viçosa (Évora) e ainda em Monforte (Portalegre). No distrito de Lisboa, a coligação consegue resultados na ordem dos 3% em concelhos suburbanos e periféricos como Odivelas, Vila Franca de Xira e Loures. Globalmente, o Basta teve cerca de 49,4 mil votos (1,49%), ficando portanto muito longe de conseguir eleger um eurodeputado..Abstenção em Portugal acima da abstenção média europeia.As primeiras eleições europeias realizadas em Portugal, em 1987, foram aqueles que obtiveram menor abstenção eleitoral (27,6%). Mas nestas eleições os eleitores votaram também para as legislativas, em simultâneo. Será que há aqui uma relação? São vários os que defendem que as eleições europeias deveriam acontecer em simultâneo com outros atos eleitorais, como foi feito por exemplo na Espanha e na Bélgica. Independentemente da solução ou das soluções a implementar, o diagnóstico está mais do que feito..A abstenção elevada não é uma novidade (a maior de sempre: 69,3%) e o diagnóstico está feito e estudado. Não é, longe disso, um fenómeno exclusivo português. Conhecem-se as causas para esta abstenção e também se sabe que esta não é uma novidade. Na Europa tem crescido ao longo dos anos e em Portugal tem sido sempre maior do que a abstenção eleitoral média europeia. Desta vez, o distanciamento foi ainda maior, dado que a abstenção eleitoral, em média, foi a menor dos últimos 20 anos (49,5%)..Outra característica comum das eleições europeias em Portugal é que os partidos pequenos costumam ter melhores resultados do que nas eleições legislativas anteriores. Normalmente, os partidos mainstream de centro-direita e centro-esquerda, PSD e PSD, costumam ser penalizados nas europeias, enquanto os pequenos partidos costumam ganhar votos em relação aos escrutínios nacionais. Isto acontece especialmente quando as eleições europeias decorrem a meio do ciclo eleitoral doméstico..Estas europeias revelaram em Portugal quatro grandes factos: o PS venceu mas ficou longe do seu melhor resultado de sempre; o BE teve o seu segundo melhor resultado de sempre, só ficando ligeiramente atrás de 2009 (10,7%); a CDU teve o segundo pior resultado de sempre, ficando muito longe dos valores acima de 10% obtidos em todas as eleições anteriores (exceto em 2004); a soma PSD-CDS foi a segunda pior de sempre, mas por apenas um ponto percentual..* investigadora no ICS-ULisboa e assistente convidada na ESCS-IPL