O clima internacional

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Quando, no fim do curto século passado, se aceitarmos a sugestão de que, como pareceu a Montbrial no seu importante MemoireduTempsPresent (1996), a sua relevância histórica fica limitada entre a paz de 1919 e o ponto final no sovietismo em 1991, um dos alívios importantes do clima político internacional foi o Acordo de 14 de julho de 2015, assinado em Viena entre o chamado P5+1 e o Irão.

Os cinco eram os titulares do direito de veto no Conselho de Segurança, e o facto enriquecia a intervenção da União Europeia, que tomara a iniciativa da negociação. A importância do facto resultava de um pesado número de perigos que ensombraram o clima político mundial. Não era apenas o crescimento do número de potências dispondo do poder nuclear se o Irão levasse o seu projeto por diante, mas também de o recuperar para entrevir no sentido de enfrentar o terrorismo sunita, apaziguar o Médio Oriente, tudo obedecendo ao acordo-quadro de Lausana, de 2 de abril anterior, tendo sido dinamizador do encontro de vontades o presidente Rohani, que pretendia o levantamento das sanções que policiavam o comportamento do seu país, e a prática do softpower adotada por Obama, que, entre os motivos que lhe permitiram vencer as resistências do Congresso, tinha a perspetiva de benefícios económicos para as empresas americanas.

A partir de 2016, sucedem-se as decisões de consolidação de um ambiente melhorado: levantamento das sanções da ONU, dos EUA e da União Europeia, voto do Conselho de Segurança, mas sempre sob vigilância da oposição, quer nos EUA quer no Irão, assim como o desconsolo de Israel, a divisão entre a Arábia Saudita e o Egito de um lado e o Irão do outro: Obama não duvidou que conseguiu o possível mas não o definitivo, assim como o Guia do Irão mostrava que o clima de desconfiança entre os dois países não tinha sido eliminado.

As dúvidas metódicas de Montbrial foram justificadas pela crescente evidência da falta de liderança mundial capaz de conseguir uma nova ordem global (equilíbrio de poderes) refletida numa definição de justiça que um direito internacional respeitado garantiria. Infelizmente, paralelamente, não obstante o acordo de Paris, sobre as mudanças climáticas ameaçadores, depois de longos anos de negociações internacionais, o acordo sobre enfrentar não apenas a premente revisão dos interesses nacionais, mas também a difícil tarefa de garantir o respeito pelas normas jurídicas, tudo definitivamente foi fragilizado pelas decisões do atual governo dos EUA: relembrando a difícil articulação entre ordem e justiça, a sua conduta fez crescer a evidência de que ao mesmo tempo trata ambas com displicência: do acordo de Paris decidiu sair por considerar que se trata de divagações, não chegando as catástrofes de que o seu território tem sido objeto para que preste outra atenção aos protestos da juventude que se mundializaram, contra o desastroso legado que tal política lhes oferece.

Mas o clima político não sofre agressões menos inquietantes quando a ordem que resultou da balance of power quefinalmente conteve a guerra fria, é tratada com igual leviandade, para usar a moderada linguagem de Bismark. De novo regressa a desconsideração pelos chamados idealistas do respeito pelo direito internacional quando acontece que o Tribunal Penal Internacional torna pública a sua decisão de não investigar os crimes de guerra porque nenhum Estado consentiu em dar a cooperação indispensável. Isto foi festejado pelo Presidente dos EUA como um espetacular triunfo.

A posição inovadora da diplomacia desenvolvida com a Coreia do Norte, além de enriquecer a semântica, agravou o vazio das conclusões.

As desumanidades que se acumulam na fronteira do México não perturbam o exercício do antigo proclamado bigstich relacionado com a ordem do sul do continente americano; a fraternal intervenção pregadora a que se atreveu durante a visita ao Reino Unido, com pessoal doutrina sem dúvidas sobre o desencadear do Brexit, não tem antecedente fácil; a ligeireza com que instalou a Embaixada dos EUA em Jerusalém, cidade assim por si considerada como capital de Israel, implicou, pelas consequências, que tivesse de ser lembrada a conclusão de Kung de que não haverá paz militar sem paz entre as religiões.

Por último, a cena da suspensão da chamada retaliação contra o Irão, dez minutos antes da hora marcada para o ataque, por se dar conta do número de vitimas que causaria, não teve em conta, certamente por falta de informação, que nenhum Estado-Maior de qualquer Estado responsável deixaria de ter informado antes o comandante supremo. O resultado visível é que o grave problema do clima não é apenas físico, está severamente agravado pela violação da ordem internacional.

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