O civismo dos protestos em Minsk: limpar o lixo e parar no vermelho

Na capital bielorrussa não se vê montras partidas nem pilhagens. Os manifestantes que desafiam Lukashenko sabem que isso seria aproveitado pelo regime para reprimir os protestos. Limpa-se o lixo das ruas, respeita-.se os semáforos vermelhos e dá-se boleia a quem precisa.
Publicado a
Atualizado a

As manifestações em Minsk e noutras cidades da Bielorrússia, em que se pede a destituição do presidente, Alexander Lukashenko, reeleito no mês passado apesar da alegada fraude eleitoral, entraram na sétima semana e os bielorrussos que saem à rua em protesto querem deixar um bom exemplo de cidadania. O lixo está a ser recolhido de forma voluntária no final dos protestos, respeitam-se os semáforos vermelhos e não há vitrinas de montras partidas. Assim, a repressão estatal fica contida mas surge uma dúvida: pode ter sucesso um protesto tão civilizado?

Os protestos representam o maior desafio em 26 anos de Lukashenko no poder, com os manifestantes a quererem dar o exemplo de que a luta é por um país melhor e que não pretendem causar desordem. É o caso de Ekaterina Daneyko, uma habitante de Minsk que percebeu que os caixotes de lixo públicos ficavam cheios após os protestos. A jovem comprou então grandes sacos de lixo na loja mais próxima para ajudar na limpeza urbana, conforma relata a reportagem do The Washington Post. Horas depois, Ekaterina notou que outras pessoas também estavam a carregar sacos para levar à lixeira.

As ruas estão impecáveis - a limpeza urbana sempre foi um orgulho para Lukashenko - mesmo após as manifestações em massa, diz a jornalista do diário norte-americano. Manifestantes têm até sido vistos a tirar os sapatos antes de subir para bancos de jardim. Se o trânsito não estiver bloqueado e uma multidão de milhares estiver a marchar, as pessoas vão parar e obedecer a um semáforo vermelho que esteja ligado.

Um exemplo de civismo que pode estar para mudar. A situação está num impasse e alguns bielorrussos começam a aceitar uma opinião expressa num comentário do Conselho do Atlântico no mês passado de que "a revolução da Bielorrússia pode estar a ser muito de veludo para ser bem sucedida."

"Alguém escreveu um bom tweet em que dizia que viu alguns manifestantes a passar por um sinal vermelho, o que significa que definitivamente vamos vencer, que os nossos cérebros estão a perceber que às vezes podemos andar no sinal vermelho", disse Ekaterina Daneyko. "Para muitas pessoas aqui, cruzar o sinal vermelho ou andar em ciclovias é uma grande conquista. É como se já tivessem vergado o sistema."

A natureza educada dos protestos, no entanto, tem sido uma defesa eficaz contra a retórica de Lukashenko de que as pessoas que participam são "criminosas" e "desempregadas". Nas manifestações imediatamente após a eleição de 9 de agosto, quando os confrontos entre a polícia e os manifestantes foram mais violentos, imagens de multidões pacíficas a ser brutalmente dispersas com granadas de choque e balas de borracha galvanizaram outros bielorrussos a aderir ao movimento de oposição.

Recorda o The Washington Post que o presidente russo, Vladimir Putin, disse no final de agosto que um contingente de segurança da reserva estava pronto para intervir nos protestos em nome de Lukashenko se "saíssem do controlo", citando o vandalismo e a pilhagem como exemplo. Essa unidade foi retirada na semana passada.

"Os meus amigos estrangeiros ligam-me e perguntam: 'Como é que vocês ainda não têm montras partidas durante todo este tempo?", conta Ekaterina Daneyko.

Em vez disso, a resistência inicial assumiu a forma de manifestantes de braços amarrados em longas correntes para dificultar a detenção das autoridades. Durante algumas manifestações de agosto, as mulheres levaram flores para a polícia de choque. Mas, como as forças de segurança foram reprimidas nas últimas semanas, as táticas mudaram.

No fim de semana, o canal de notícias da oposição Nexta Live usou o aplicativo de mensagens Telegram para divulgar dados pessoais de 1.000 policiais bielorrussos. Quase 900 manifestantes foram detidos em comícios no sábado e domingo.

"Claro, é difícil quando a agressão policial é direcionada para nós, embora estejamos a tentar fazer tudo dentro da lei", disse a manifestante de 37 anos, Marina El Fadel. "Mas não estamos a tentar superar a força com a força. A única maneira de combater a força é com a nossa educação".

Marina El Fadel disse que comprou café e pão para os manifestantes que estavam ao lado dela nas manifestações. Victoria, que falou sob a condição de não revalar o apelido, temendo pela segurança da sua família, disse que viu um pedido no Facebook de voluntários para fornecer boleias a manifestantes que eram libertados de um centro de detenção de Minsk. Quando lá chegou 15 minutos depois, assustou-se com a quantidade de outras pessoas que apareceram.

"Uma vez, vi uma postagem no Telegram a dizer que eram precisas pessoas para ajudar a limpar as ruas após um protesto. Não tinha nada para fazer e tinha um carro, então por que não? Acho que as pessoas sabem que tudo o que fazemos de errado pode ser usado contra nós. Se começássemos a deixar lixo,[o governo] diria: "Olhe para eles, não vão fazer nada de bom para este país porque nem mesmo estão a limpar o lixo que fazem", disse a bielorrussa.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt