O cinema erótico japonês ajuda a desconfinar
Um género de cinema japonês, uma filosofia de produção, uma estratégia para levar os espectadores às salas escuras. Tudo isto cabe em duas palavras: "Roman Porno". O termo designa uma série de filmes que o estúdio Nikkatsu, fundado em 1912, produziu no início dos anos 1970, numa altura em que a televisão começava a roubar público às salas de cinema. E, bem vistas as coisas, não é nada mal pensado, agora que à velha ameaça do pequeno ecrã se juntou uma pandemia, aceitar o convite provocador de um ciclo chamado O Roman Porno da Nikkatsu, que acaba por espelhar a intenção original desses filmes. A saber, atrair de novo as pessoas para o "desejo" do encontro com o grande ecrã.
O repto é lançado pela programação de reabertura do Cinema Nimas, que a partir desta quinta-feira, e até 22 de julho, vai exibir cinco títulos dessa linha de produção concebida pelo estúdio japonês num contexto de crise, e outros cinco realizados em 2016, quando, a propósito do 45º aniversário do Roman Porno, a própria Nikkatsu lançou o desafio a uma mão cheia de realizadores de revisitarem o género, em diálogo com as primeiras obras.
Para não haver batota, as diretrizes foram as mesmas: duração máxima de 90 minutos, uma quota fixa de cenas eróticas e uma rodagem que não ultrapassasse as duas semanas. Sobre estas exigências houve sempre também a questão da censura japonesa que, não deixando passar imagens de órgãos genitais, funcionou mais como incentivo do que um inibidor da criatividade visual - de resto, a autonomia artística é um valor que está no cerne das propostas.
Cada um dos filmes anda, assim, à volta de narrativas mais ou menos minimais, com o sexo a lançar os dados num intenso jogo de volúpia. Já nesta quinta-feira, a abrir o ciclo, é mostrado A Senhora de Karuizawa (1982), de Masaru Konuma, talvez a produção mais requintada no que respeita à abordagem dos códigos do melodrama, com laivos de O Vermelho e o Negro de Stendhal, a contar a aventura e tragédia carnal entre uma mulher casada, rica, e um jovem estudante da classe trabalhadora.
Pode dizer-se que é dos casos em que a paisagem e os sons da natureza, para além da influência das estações, comunicam com a secreta lei do desejo. Essa que também prescreve o quadro de uma tortuosa relação lésbica em Lírio Branco (2016), de Hideo Nakata, que fora assistente de realização de Masaru Konuma e aqui homenageia A Senhora de Karuizawa recuperando a ideia de um amor assente na condição de desigualdade. Desta feita, é uma mestre de olaria que deixa florescer uma ligação erótica com a sua aprendiza, enquanto faz escalar os seus apetites sexuais fora desse vínculo como que a experimentar os limites de uma ferida amorosa.
O diálogo manifesto entre estes dois primeiros títulos é algo que atravessa toda a lógica do ciclo, ainda que os filmes apresentem graus de ebulição e soluções estéticas muitos diferentes entre si. Veja-se o Noites Felinas em Shinjuku (1972), de Noboru Tanaka, que a partir da referência da Rua da Vergonha (1956), de Mizoguchi, e o seu retrato da prostituição em Tóquio, tece um olhar lascivo sobre o quotidiano de um grupo de prostitutas, centrando numa delas um breve enredo dramático de inesperado sentido poético; e, por outro lado, O Alvorecer das Felinas (2016), de Kazuya Shiraishi, que presta tributo ao Noites Felinas com uma visão mais ampla da experiência urbana moderna e das mulheres que trabalham como acompanhantes, embora perdendo pontos no que toca à inventividade formal quando comparado com o filme de Noboru Tanaka.
Atenção também a Vísceras de Anjo: Red Porno (1981), de Toshiharu Ikeda, uma das mais visualmente inovadoras, ousadas e veementes obras do ciclo, em que a sugestão sexual domina os dias "húmidos" de uma jovem lojista depois de esta posar para uma revista erótica, e Anti-Porno (2016), assinado por Sono Sion, que é um autêntico manifesto de liberdade a cores gritantes. Há ainda para ver O Êxtase da Rosa Negra (1975) e os Amantes Molhados (1973), ambos de Tatsumi Kumashiro, Gymnopédies Escaldantes (2016), de Isao Yukisada, e À Sombra das Jovens Raparigas Húmidas (2016), de Akihiko Shiota. Filmes inéditos que refrescam o regresso à sala escura, mesmo que possam fazer subir a temperatura...