O cientista chinês católico que vai ser vice-presidente de Taiwan

Reputado epidemiologista tornou-se popular na ilha pela forma como geriu uma grave crise de saúde pública em 2003. Nasceu numa família ligada ao partido nacionalista
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As eleições presidenciais de 16 de janeiro em Taiwan não produziram um resultado histórico - produziram dois. O primeiro foi a vitória de Tsai Ing-wen, que se tornou a primeira mulher a chegar à presidência. O segundo foi que o seu vice-presidente, Chen Chien-Jen, se tornou o primeiro católico a assumir um alto cargo num Estado chinês.

Tsai e Chen foram candidatos pelo Partido Democrático Progressivo (PDP), então na oposição, que ganhou não só a presidência como também a maioria na Assembleia Legislativa, destronando o Kuomintang (KMT, Partido Nacionalista Chinês) do poder, impondo-lhe uma derrota histórica.

Chen é um reputado epidemiologista, com uma carreira científica de mais de 30 anos, tendo alcançado notoriedade pública durante a crise da síndrome respiratória aguda Grave (SARS, na sigla em inglês) que atingiu a China continental, Hong Kong e Taiwan em 2003. Conhecido por investigações sobre a hepatite, Chen foi chamado para coordenar o combate à SARS. Anteriormente, tivera papel central na identificação das causas da "doença dos pés negros", que afetou parte da população da ilha nos anos 1950 e 1960, devido à presença de elevados níveis de arsénio na água.

A importância, então, da escolha de Chen tem de ser vista à luz das relações (e tensões) entre a China continental e Taiwan. O governo da República Popular da China (RPC) considera Taiwan como uma província renegada, não permitindo que a República da China (designação oficial do regime) seja admitida em organizações internacionais. Assim, em 2003, Taiwan não era membro da Organização Mundial da Saúde (OMS), nem sequer podia assistir às reuniões ou tinha acesso à partilha de informação para enfrentar eficazmente a SARS. O estatuto de Taiwan mudou entretanto. Desde 2009, assiste como observador à conferência anual da organização.

Devido à situação que se verificava em 2003, a SARS assumiu um carácter particularmente grave em Taiwan, acabando Chen por ser nomeado ministro da Saúde com a missão específica de conter a epidemia. Ainda hoje, a sua intervenção é recordada na ilha. Uma reportagem sobre o cientista publicada na revista Nature antes da eleição evidenciava que "a sua ação foi tão rápida", dizia um taxista ouvido pela publicação científica britânica. Chen privilegiou a prevenção e deteção dos casos de doença e estabeleceu orientações para travar a propagação do vírus.

Considerado um moderado, de personalidade consensual, que sabe ouvir e responder aos interlocutores, Chen é definido como "capaz de negociar não importa com quem, estando sempre disponível para ajudar" e encontrar "terreno comum com os outros", dizia à Nature o reitor da Universidade Nacional de Taiwan Yang Pan-Chyr. Opinião partilhada pelo diretor da TaiGen, uma das grandes empresas da ilha na área da biotecnologia. "É alguém em quem se pode confiar. E tem a capacidade de pôr as pessoas a trabalhar em conjunto." Muitos jornalistas em Taiwan definem Chen como dotado de humor e acessível no trato. Mas determinado. Uma jornalista recordava, após a eleição de Tsai e Chen, que este último despedira "num abrir e fechar de olhos um subordinado" por ter falhado numa tarefa.

A popularidade deste católico praticante, nascido a 6 de junho de 1951 na localidade de Cishan, é reflexo também da sua atitude política. Não será por acaso que, após a eleição, citou o Papa Francisco, dizendo que "verdadeiro poder é saber servir os outros".

Chen não é militante do PDP e abandonou a vice-presidência da Academia Sínica, a mais importante e prestigiada instituição de investigação em Taiwan quando foi convidado para vice. Uma posição que, inicialmente, declinou com o argumento de não ter experiência política, não integrar o PDP e ter uma mulher nascida na China continental. O casal tem uma filha.

Mas Tsai conseguiu persuadir, com a ajuda do então responsável máxima da Academia, o professor Lee Yuah-tseh, e o arcebispo John Hung Shan-chuan, responsável pela comunidade a que Chen pertence, como este último recordou na sua página do Facebook. "Quero ser a luz do mundo e o sal da terra, ser uma pequena vela que ajude a iluminar Taiwan", escreveu num texto impregnado de referências bíblicas. No plano da política interna, Chen identifica-se, de forma moderada, com a posição do PDP que advoga a existência de uma identidade distinta de Taiwan em relação à China continental, conhecido na ilha como o "campo verde". Os defensores de uma identidade única, tendencialmente o KMT, são o "campo azul".

Nascido numa família ligada ao KMT, Chen gosta de recordar que o pai, um magistrado local e militante de uma fação do partido, tinha como melhor amigo Yu Teng-fa, fundador de uma fação adversa. O que não impediu Yu, em 1988, de pronunciar o elogio fúnebre do pai de Chen, que ele recorda ainda com emoção. Yu "chorava enquanto lia. Eu não também consegui conter as lágrimas ao ouvi-lo", afirmou o agora vice-presidente, salientando que tirou uma lição para a vida. "Aprendi que na política as pessoas não têm de se combater até à morte (...). Desta forma não conseguirão encontrar formas de resolver os problemas da população de Taiwan."

Para Chen, é verdade que, "na vida, somos divididos por muitas categorias. Mas nunca devemos esquecer que somos todos parte da mesma sociedade taiwanesa", disse à Focus Taiwan após a eleição. O objetivo é "pôr fim à divisão azuis-verdes e redescobrir o lado humano da política", prometeu Chen. Tem agora oportunidade de pôr em prática estas palavras.

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