"O ceviche e o pisco, através do pisco sour, são cartões de visita peruanos no estrangeiro"

O embaixador do Peru em Portugal, Carlos Gil de Montes, um sommelier peruano de visita, Carlos Oblitas, e um outro que tem há anos um bar em Lisboa onde o pisco é o rei, Marco Leyva, falam do apreciado destilado vínico mas também do sucesso global da gastronomia do país sul-americano, a qual resulta da fusão de sucessivas migrações.
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Senhor embaixador, acaba de chegar a Portugal. Há velhas palavras que sempre foram associadas ao Peru, como incas, o império, ou Machu Picchu, as famosas ruínas. Mas agora pisco e ceviche são palavras ainda mais marcadamente peruanas que se globalizaram, não acha?

Carlos Gil de Montes (C.G.M.): Sim. Com orgulho, podemos dizer que temos um boom gastronómico do Peru no mundo. No ministério dos Negócios Estrangeiros, interiorizámos isso e sabemos que hoje há uma diplomacia gastronómica. E associado a ela, a pratos como o ceviche, está o pisco, a nossa bebida nacional, e logo o pisco sour, o mais famoso cocktail com ele feito. São os nossos cartões de visita no estrangeiro. A gastronomia peruana é fruto de uma fusão. Ela é o que é graças às migrações e às fusões que aconteceram ao longo do tempo. Claramente a que se juntou às populações andinas na era colonial, que foi a espanhola e a africana, mas também as migrações chinesa, japonesa, italiana e outras que foram contribuindo para a cozinha peruana e ajudaram a criar algo único.

Quando falamos de pisco, muitas pessoas pensarão no pisco sour, no cocktail com clara de ovo e sumo de limão, mas o pisco é um destilado que se faz no Peru há pelo menos quatro séculos. Pode explicar que bebida é esta, que procura atrair os consumidores portugueses com provas em Lisboa?

Carlos Oblitas (C.O.): O pisco é uma bebida fabulosa. Tiro o chapéu aos portugueses, pois nos últimos anos Portugal tem mostrado as melhores estatísticas do planeta quanto ao consumo per capita de vinho, de forma moderada, como convém. E como o pisco faz parte do mundo do vinho, é tempo de potenciar o conceito de uva, de vinha, de castas e tudo o mais associado a esta cultura muito especial, explicando que primeiro os peruanos produzem o vinho e depois o destilam para produzir o pisco. Dependendo um pouco das castas, no mínimo seis ou sete quilos de uvas para cada litro de destilado nos piscos puros. O teor de álcool pode ir de 40º, do pisco corrente, a 43º, no Grande Pisco.

E o nome Pisco vem de uma cidade peruana, certo?

C.O.: Existem provas históricas, documentos, que comprovam a produção deste destilado de vinho em Pisco desde o século XVII. E por isso, é uma denominação baseada na territorialidade. É como o vinho Madeira, que tem de ser da ilha da Madeira, não pode ser produzido nem nos Açores nem nas Canárias. Ou como o vinho do Porto, que tem de ser da região portuguesa associada. O pisco começou por ser produzido no porto de Pisco, que deu nome à cidade de Pisco e à província de Pisco. Era um porto importante de saída para o mundo, para as exportações peruanas. Mas também é interessante que na época pré-inca - e Marco Leyva tem aqui uma réplica no seu bar - havia uns recipientes de argila onde se fermentavam bebidas e noutros se guardavam. Bebidas à base de milho e outras e que quando chegaram os europeus foram substituídas pelas feitas com uvas. E esses recipientes se chamavam piscos.

Tem um bar aqui mesmo no centro de Lisboa, junto à estação do Rossio, que agora se assume claramente como um bar peruano. O que conhecem os portugueses das bebidas peruanas?

Marco Leyva (M.L.) : Os portugueses conhecem o pisco sour, basicamente. E na primeira vez que bebem o pisco puro associam logo a uma aguardente. E fazem comparações com as portuguesas. Mas não é igual, pois a bagaceira portuguesa é feita da pele das uvas e o pisco é um destilado vínico. Mas quando provam mesmo a sério já percebem a subtileza, a diferença para a aguardente. E há já consumidores. Há dez anos, porém, era quase impossível encontrar pisco em Portugal. O nosso bar era dos poucos a oferecer pisco sour. No Bairro Alto ninguém o tinha na carta, mas agora vai a qualquer bar e já oferecem um pisco sour. E cobram caro. Está na moda.

Já falámos da gastronomia peruana resultar da fusão das tradições de várias vagas de migrantes. Mas também há que ter em conta a diversidade dos produtos agrícolas peruanos, plantados do litoral do Pacífico aos Andes, como se estivéssemos a falar de degraus de uma escada?

C.G.M.: A riqueza da gastronomia vem da fusão, e essa fusão resulta das migrações, como já falámos. Mas a isso soma-se outro elemento, que complementa esta fusão: a diversidade. Quando falamos do Peru falamos de grande diversidade ecológica, mas podemos resumir em três grandes perfis, um que começa num deserto, depois montanhas muito altas e a seguir a selva amazónica. E estes três perfis de diversidade garantem não só alta qualidade como também oferta dos produtos todo o ano.

Qual é a tradição de consumo de vinho no Peru? Vinho e pisco coexistem bem nos hábitos de consumo?

C.O.: O vinho e o pisco estão obviamente ligados, pois o segundo é consequência do primeiro. Ambos existem graças às uvas levadas pelos europeus, os espanhóis antes dos outros, claro. Hoje em dia existem oito castas usadas para a denominação pisco, a Quebranta, a Uvina, a Negra Criolla, a Mollar, a Moscatel, a Torontel, a Italia e a Albilla. Algumas são já variedades genéticas peruanas, como a Uvina.

Estamos a beber pisco sour, mas também pisco & tónica e pisco cholopolitan. Pode explicar este último?

C.O.: Sou um fã de pisco cholopolitan. Muito frutado, é um cocktail inspirado no Cospomolitan, mas é uma versão melhorada, por causa dos produtos peruanos. Pisco vem da zona centro sul, sobretudo da costa semidesértica, no caso dos arandos é mais diversificada a origem, até de um pouco de altitude nos Andes, e aqui está também a lima que aromatiza muito. E algo mais internacional como o licor de laranja.

Quando se fala de Peru também se elogia a qualidade do peixe, pois o segredo de um bom ceviche não é só o ser marinado com lima e os temperos, é também a frescura do linguado ou da corvina. Como embaixador, não imagina uma festa do dia nacional sem oferecer ceviche?

C.G.M.: Nem pensar. Sim, sem dúvida, teremos ceviche. É um prato emblemático da cozinha peruana. E fala muito da nossa riqueza marinha. O Pacífico, que banha o Peru, é um oceano muito rico, graças sobretudo a uma corrente fria que vem da Antártida que se caracteriza pela sua riqueza. E a nossa gastronomia sabe aproveitar muito bem toda essa riqueza.

Dono deste Pisco Peruvian Bar, está há 14 anos em Portugal. Testemunhou a gastronomia peruana passar de desconhecida a estrela.

M.L.: Vi a transformação. Em 2012, abri o Qosqo, o primeiro restaurante peruano em Lisboa. Depois abri este bar, eu queria abrir um ceviche bar, mas por imposição, pois aqui havia antes um wine bar, avancei com o conceito de Wine & Pisco, e explorei a minha formação como sommelier, conhecendo os vinhos portugueses. Mas o pisco era o que nos caracterizava. Muita gente nos conhece como O Pisco. Na pandemia, o conceito pisco assentou-se. Então a minha aposta agora é assumir que somos o Pisco Peruvian Bar e em junho vamos ter inauguração oficial. Na decoração já temos esta réplica de um pisco, recipiente antigo, também temos exposto um quipu, um sistema de contabilidade inca, e até aprendemos os nós para fazer as contas. Vamos ter carta de piscos, cocktails à base de pisco, e também gastronomia peruana, três coisas simples, e que ligam muito bem com a cocktelaria, que são ceviche, causa e empanadas peruanas, estas na versão vegetariana.

leonidio.ferreira@dn.pt

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