O campeão bonacheirão 

O filme que à última da hora entrou no rol dos favoritos para os Óscares está finalmente em destaque na Apple TV+. <em>Coda - No Ritmo do Coração</em>, de Sian Heder não é um drama musical xaroposo, é muito mais do que isso.
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Dos muitos méritos que um remake como Coda possa ter, o facto de ser superior ao seu original é seguramente o menos extraordinário: A Família Bélier (2014), de Éric Lartigau, podia ter uma boa ideia de base mas pecava num sentimentalismo pacóvio e populista, precisamente defeitos que esta versão americana consegue surpreendentemente fintar. Por isso, é um filme que parece ter caído no goto do público e de uma certa crítica, logo depois da vitória no Festival Sundance (Grande Prémio e Prémio do Público) do ano passado.

Com uma boa vontade bonacheirona, Coda é da família dos filmes de Sundance que apela à simpatia e às boas sensações supostamente altruístas dos espectadores, um pouco como acontecia em "clássicos" como Little Miss Sunshine ou Garden State. Conta-se a história de uma jovem chamada Ruby, filha de pescadores surdos e mudos de Gloucester, Massachusetts. Ela é a única que ouve e pode falar. O seu sonho é poder cantar e graças a um professor excêntrico da sua escola acaba por ter uma oportunidade de poder seguir o seu dom, embora a sua família tenha dificuldade em compreender uma arte para a qual não têm forma de sentir... Um dilema melodramático que nas mãos de Sian Heder torna-se num tocante estudo sobre as dinâmicas familiares. Na prática, um filme de família sem uma nota em falso, sabendo dosear na perfeição os timings de comédia com crescendos dramáticos, apoiando-se num excelente trabalho dos atores - Troy Kotsur deverá ganhar sem escândalos o Óscar de melhor secundário e a oscarizada Marlee Matlin tem o papel de uma vida, sendo realmente lamentável a sua omissão das nomeações, embora seja a protagonista Emilia Jones a iluminar todos os fotogramas... E, na corda bamba, o realizador consegue também localizar um equilíbrio perfeito entre uma certa veia de musical realista com uma tradição pura do decantamento de um espírito americano de comunidade, ainda que num ou outro momento se note alguma inclinação no caminho fácil do talent show - claro que a menina canta bem, claro que há uma fórmula para o happy end. Felizmente, evita-se a bandeirinha com a mensagem de solidariedade para os surdos-mudos: o argumento deste remake prefere fazer deles personagens de corpo (e voz) inteira e com eles manter um diálogo sobre as fronteiras da linguagem.

O filme só agora aparece em destaque no painel de entrada da plataforma da Apple bem a tempo de se destacar numa altura em que está nomeado aos Óscares e rentabilizar o prémio máximo dos Producers Guild of America. Nesta altura, num ano em que se prevê uma cerimónia da Academia sem favoritos tão bem instalados, um filme como Coda - No Ritmo do Coração é uma espécie de favorito de última da hora e, com o novo sistema de votos para o melhor filme, é bem capaz de beneficiar dos votos de um certo consenso, mesmo quando também se adivinha que poucos votem nele em primeiro lugar... Se acabar por vencer o prémio de melhor filme é certo que será a matemática da acumulação dos votos a falar...

dnot@dn.pt

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