'O Caminho de Volta': um filme para reabilitar Ben Affleck
Há já algum tempo que Ben Affleck não tinha um filme feito como um fato à sua medida - se é que, em termos de protagonismo, alguma vez teve. O Caminho de Volta, até pelo título explícito, é essa abençoada fita que existe para servir o seu ator, dando-lhe uma oportunidade de se reencontrar. No caso concreto, algo que faz ainda mais sentido se tivermos em conta que o problema do alcoolismo no centro do enredo é uma batalha real, publicamente assumida por Affleck, que descobriu neste papel de um ex-basquetebolista caído em depressão alcoólica uma forma de terapia pessoal.
Quando o filme de Gavin O'Connor começa não sabemos desse passado desportivo da personagem. Jack (Affleck) é apenas uma figura triste e solitária que divide os seus dias entre um trabalho na construção civil e um bar local onde dá início aos copos que se prolongam em casa, com um frigorífico carregado de latas de cerveja. Tem um telemóvel, como toda a gente, mas quase não lhe dá uso, deixando o objeto numa prateleira a acumular pó e chamadas perdidas daqueles que se preocupam com ele. No Dia de Ação de Graças chega atrasado à casa da irmã e da sua família, e confrontado, evidencia a agressividade causada pelo álcool: não quer saber se fulana tal conta à irmã que o vê todos os dias a sair do bar em frente ou se a ex-mulher pergunta por ele.
Certo é que chega o dia em que uma estranha chamada se anuncia como uma janela de salvação. É o padre diretor do colégio católico que ele frequentou na juventude, e onde jogou basquetebol - nos tempos em que era uma estrela desse desporto -, e quer que ele seja o novo treinador da equipa do colégio, agora muito longe do cheiro das vitórias...
Como se torna óbvio, será por aqui que passa a presumível redenção deste homem, que consegue reduzir no álcool (apesar das recaídas) o suficiente para incutir estratégia e espírito vencedor no grupo falhado de bons rapazes ao seu comando. E nesse processo está o grande senão deste O Caminho de Volta: O'Connor não se decide se quer fazer um filme sobre um treinador/mentor a renascer das cinzas ou um melodrama sobre um alcoólico a lidar com uma tragédia pessoal (só revelada tardiamente).
Uma encruzilhada que não permite explorar bem nem a experiência vívida do desporto, as circunstâncias de treino e jogo - de resto, com algumas das melhores cenas e respiração humorística, quando Jack/Affleck desata aos palavrões em campo diante do capelão que acompanha as partidas - nem desenvencilhar o drama do protagonista de alguns clichés sentimentais, sublinhados por uma banda sonora impertinente.
Porém, é preciso fazer justiça a Ben Affleck: se há um valor inequívoco nesta história de libertação interior é o intérprete que se refugia nas suas próprias cicatrizes para adensar a personagem. Dir-se-ia que é um sincero exercício de catarse. Poucas vezes o vimos tão verdadeiro, tão genuinamente soturno como aqui - mesmo que, numa análise fria, Ben não alcance com facilidade as notas altas de subtileza emocional do mano Casey Affleck... Este tinha tudo para ser o seu Manchester by the Sea, mas faltou um bocadinho assim.
** Com interesse